terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Preceptoria de Residência Médica



Pesquisadora analisa formação de preceptores de residências médicas no Brasil e Espanha


Coordenadora do projeto Preceptoria em programas de residência​ no Brasil e Espanha​: ensino, pesquisa e gestão, iniciado em 2014, a médica Adriana Aguiar, pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), em entrevista ao site da unidade da Fundação, faz um balanço da pesquisa. No estudo, ela avalia de que maneira o ensino da comunicação pode auxiliar na formação de mentores em residências médicas e multiprofissionais ​voltadas à saúde da ​família e da ​mulher. 


Segundo Aguiar, o projeto completa dois anos em março de 2016 (foto: Icict/Fiocruz)

Segundo ela, o projeto, que completa dois anos em março de 2016, gerou uma base de dados preciosa do ponto de vista qualitativo e quantitativo, uma vez que a investigação abrange dois países e cinco áreas do conhecimento em ambiente hospitalar e de atenção primária. "Temos uma enorme riqueza de nuances que revelam uma importante agenda de trabalho para o futuro. Preliminarmente, o estudo tem nos ajudado a compreender como estes preceptores interpretam o seu papel, abordando suas múltiplas incumbências na atenção à saúde, educação e pesquisa em serviço”, adianta a pesquisadora. Leia a entrevista completa: 

Você pesquisa o tema da formação em saúde desde quando?
Adriana Aguiar:  Pesquiso a formação profissional em nível superior desde o doutorado, realizado na Universidade de Harvard, cuja Escola de Medicina fez uma mudança curricular de vanguarda, integrando uma série de aspectos do currículo e adotando a “Aprendizagem Baseada em Problemas”. Lá estudei o ensino-aprendizagem da relação médico-paciente. Depois comecei a estudar a preceptoria da Residência de Medicina de Família e Comunidade na Espanha. Com uma bolsa de pesquisa da Fundação Carolina, identifiquei uma série de elementos importantíssimos, tanto do ponto de vista da regulação da formação de residentes e de preceptores, como também o papel do preceptor no âmbito dos serviços.

Quando começou a trabalhar com esse tema na Fiocruz?
Adriana Aguiar: Na Fiocruz, tudo começou em 2009, quando participei da elaboração de um currículo de mestrado profissional para formar lideranças na estratégia de saúde da família na Região Nordeste, que incluiu a Fiocruz Ceará, juntamente com cinco outras instituições. Esse curso é oferecido pela Rede Nordeste de Educação em Saúde da Família (Renasf). O perfil de egressos na época apontava para a necessidade de pesquisarmos como os preceptores estavam trabalhando, suas atividades de ensino, pesquisa e gestão. Depois elaborei um projeto de pesquisa que foi apoiado pelo Ministério da Saúde, em 2012, para estudar a residência em Medicina de Família e a Residência Multiprofissional em Saúde da Família, concomitantemente com minha entrada no Laces [Laboratório de Comunicação e Saúde do Icict]. O Ministério encampou a proposta e sugeriu estudar também preceptores de hospitais, porque hoje a residência se dá predominantemente no ambiente hospitalar. Como as mulheres são maioria entre os prestadores de serviço e usuários do setor saúde, além de pessoas centrais na dinâmica familiar, decidimos estudar preceptoria da saúde da mulher na residência médica de ginecologia e obstetrícia, na Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher e na enfermagem obstétrica.

Qual a metodologia utilizada na pesquisa?
Adriana Aguiar: É uma pesquisa quali-quantitativa. Utilizamos um questionário eletrônico que foi desenvolvido com base no estudo que fiz na Espanha, com 50 perguntas sobre o perfil profissional desses preceptores, as atividades que realizam e realizaram e as percepções que têm das condições de trabalho, do seu próprio preparo, e qual tipo de apoio desejam. Selecionamos, no Brasil, programas de residência que recebem apoio do Ministério da Saúde e pedimos que os coordenadores nos colocassem em contato com os preceptores, para responderem esse questionário. Movimento análogo foi feito na Espanha, mas lá estudando especificamente a Residência em Medicina de Família e Comunidade. Nas visitas para o componente qualitativo, estivemos em quatro regiões do país, sendo investigados 13 programas no Brasil e três na Espanha. Na Espanha trabalhamos com as oito províncias da Andaluzia, com 103 preceptores respondentes. Fechamos essa coleta em outubro último.

É possível adiantar alguns resultados preliminares do projeto?
Adriana Aguiar: O projeto completa dois anos em março de 2016. Construímos com ele uma base de dados preciosa, do ponto de vista qualitativo e quantitativo. Considerando que trabalhamos com dois países e com cinco áreas do conhecimento em ambiente hospitalar e de atenção primária, temos uma riqueza enorme de nuances dos processos, que revelam uma agenda de trabalho para o futuro muito importante. Por exemplo, estamos trabalhando nas análises das entrevistas dos gestores de residência. Está claro que temos que trabalhar na formação dos gestores desses processos educacionais, pois essas pessoas têm que estar aptas a fazer mediações, a ressignificar e reinterpretar uma série de normas, adequar o que está normatizado à realidade prática. Os resultados também vão mostrar os mecanismos de mediação exercidos pelo preceptor, que é o mediador entre o aluno e a equipe, o serviço e a população, o ensino e o trabalho. Portanto, são perfis profissionais extremamente sofisticados, que fazem a ponte entre formação e prestação de serviço.

Explique em linhas gerais o que você percebeu sobre a relação médico-paciente no Brasil, comparada à da Espanha?
Adriana Aguiar: Embora exista um prestígio associado à função do preceptor, tanto lá quanto aqui o que acontece na prática é um acúmulo de tarefas. Residentes mais velhos, com outro grau de informação e autonomia maior, eventualmente vão dividir os encargos assistenciais e apoiar a prestação de serviço. Os residentes que estão iniciando e se aclimatando nos serviços precisam se profissionalizar, pois estão saindo da graduação com uma bagagem institucional e prática ainda pequena. A residência é muito importante para estabelecer a relação com pacientes/usuários, inclusive no que tange ao aprendizado das atitudes profissionais.

Onde a comunicação entra nesse processo?
Adriana Aguiar: A comunicação perpassa a atuação da instituição de saúde, via política de humanização, e dos profissionais com os usuários, considerando a avaliação sobre a informação a ser veiculada, as atitudes profissionais compatíveis e as bases de dados que precisam ser trabalhadas de forma adequada. E entra pela via do ensino e da formação desde a graduação, pois a comunicação é considerada competência geral para as 14 profissões da área de saúde que tiveram diretrizes homologadas entre 2001 e 2004. Mas há ainda pouca informação sobre como esse ensino é feito na graduação. Na residência, os cursos de formação de preceptores cada vez mais abordam questões da comunicação.

Como as ferramentas conceituais de comunicação poderiam ser aplicadas na prática do profissional de saúde?
Adriana Aguiar: A leitura que a comunicação faz das ciências sociais, especialmente na América Latina, é uma leitura crítica da relação entre comunicação e sociedade. Se essa leitura fosse aplicada à relação entre saúde e sociedade, seria muito interessante. Há referenciais de valores, de conhecimentos, de linguagens, de intenções muito diferentes entre paciente e médico, para usar as vias mais clássicas, que mostram que não basta ter vontade de tentar compreender a linguagem que a pessoa está usando, que metáforas ela aplica. Há camadas de sentidos que precisam ser problematizadas. Eu tenho trabalhado para que a construção compartilhada de sentidos sobre o processo saúde-doença entre profissionais e usuários seja um objetivo dos profissionais. Espero que no futuro os profissionais de saúde se orientem para construir sentido conjuntamente com o paciente, que aprendam a escutar o sentido que o outro atribui a sua própria vida e adotem uma atitude de mais interesse pelo outro que está a sua frente. Existe uma pressão muito grande para que as pessoas obedeçam ao que lhes é orientado pelos profissionais, e quando isso não acontece o profissional interpreta como rebeldia, não entende que o sentido que o outro atribui é muito distinto. Espero que possamos influenciar cada vez mais os currículos nessa direção, e acho que muita coisa já melhorou. O espaço para esse tipo de reflexão nos congressos de educação médica é crescente.

Os jornalistas em geral entendem o Sistema Único de Saúde (SUS)?
Adriana Aguiar: Os alunos do PPGICS [Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict] da área de comunicação são unânimes em dizer que existe uma superficialidade muito grande na abordagem da saúde nos cursos de comunicação. Isso é muito preocupante porque a mídia acaba veiculando muito questões pontuais e individuais do que não funciona no SUS e isso gera uma impressão geral de que nada funciona no sistema. Os jornalistas poderiam contribuir muito mais caso houvesse uma solidez de formação sobre esse tema na faculdade.

Qual o papel do Icict nesse processo de formação?
Adriana Aguiar: Nós do Icict temos um papel muito importante de aportar conhecimentos do campo de comunicação para essas lideranças do ensino da saúde que estão problematizando a questão da comunicação. São poucas as pessoas na área da saúde que têm uma formação em comunicação. Além disso, não queremos que o jornalista faça um curso de graduação em saúde coletiva, mas que saiba trabalhar as questões do SUS, inclusive nas suas contradições. No Laces temos lideranças que estão trabalhando essa questão há alguns anos com uma produção teórica muito importante.

Esse movimento está acontecendo na formação do profissional em saúde?
Adriana Aguiar: Em âmbito geral, a formação em saúde ainda é muito voltada para a atenção às queixas que as pessoas trazem. Segundo a Constituição, o SUS é o ordenador da formação do profissional de saúde, mas ainda está em disputa quem deve regular a formação, planejar a oferta, monitorar, avaliar os programas e projetos pedagógicos, se o MS ou o Ministério da Educação (MEC). Na Espanha há uma lei de regulação das profissões sanitárias, que estabelece as bases do trabalho e da formação em saúde. No Brasil, a legislação que regula esse âmbito da formação ainda tem lacunas muito importantes. Precisamos fortalecer a massa crítica de pessoas que estão atuando nesse âmbito.

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