quarta-feira, 27 de abril de 2011

Atenção Primária à Saúde


Pesquisa em Atenção Primária à Saúde: 
como construir uma agenda para o Brasil?

A necessidade e relevância da pesquisa para o fortalecimento dos sistemas de saúde têm sido ressaltadas, especialmente na última década, assim como, a importância de mecanismos que aproximem a ciência (ou a pesquisa) do cotidiano dos profissionais de saúde e dos formuladores de políticas. Vários esforços têm sido desenvolvidos para incentivar a incorporação dos resultados das investigações às práticas dos profissionais e ao processo de decisão e, para ilustrar, podemos destacar a escolha, pela OMS, do tema do Relatório Mundial da Saúde de 2012, que tem como título “Research for better health” e será dedicado à importância da pesquisa cientifica para a formulação de políticas de saúde. Definindo a pesquisa, não como gasto, ma s como investimento para um futuro mais saudável, o relatório enfocará a sua importância para atender as necessidades de saúde e melhorar os resultados dos serviços de saúde, incentivando os países a investirem mais recursos no desenvolvimento e fortalecimento de seus sistemas nacionais de investigação em saúde.Apesar do crescente número de evidências que demonstram que sistemas nacionais baseados na atenção primária em saúde (APS) são mais efetivos e equânimes, a análise da situação atual da pesquisa em APS tem mostrado que esta é caracterizada por uma baixa produção científica, o que tem sido tema de vários artigos e infindáveis debates, como o iniciado por um editorial do Lancet, em 2003, que denominava a pesquisa em APS como “uma causa perdida”. Da dos internacionais  apontam que a produção dos médicos da APS é bem menor do que dos médicos de outras especialidades (1 artigo por 1.000 médicos de APS, comparado com 60 artigos por 1.000 cirurgiões e 150 para 1.000 médicos de saúde pública).Entre os determinantes deste quadro, destacam-se os poucos investimentos em recursos materiais e humanos no mundo e, também, no Brasil. Mesmo em países que possuem sistemas nacionais baseados em APS, o financiamento público em pesquisa em APS representava, na década de 90, menos de 7% do total do financiamento em pesquisa na área da saúde (era de 4,1% na Austrália, 3,2% na Holanda, 6,8% na Nova Zelândia e 4,4% no Reino Unido). Assim como é menor o financiamento das ações de atenção primária (em comparação aos demais níveis do sistema) e a remuneração e investimentos em qualificação dos profissionais da APS, o baixo financiamento na pesquisa em APS reflete o próprio desprestígio deste nível do sistema e dessa área de atuação profissional.No Brasil, embora se reconheça que houve um aumento significativo de editais e do financiamento em seu conjunto da pesquisa em APS, a disparidade destes investimentos em relação ao total dos recursos da pesquisa em saúde ainda é importante. Só nos últimos 8 anos, por exemplo, através de financiamento do PROESF (I e II) o governo investiu mais de R$ 17 milhões de reais na pesquisa em APS . Entretanto, se compararmos esse valor com outros investimentos, por exemplo, os gastos em pesquisas com células-tronco, verificamos que, nesse mesmo período, mais de 500 milhões foram investidos em mais de 2.500 projetos científicos de universidades e instituições de pesquisa . Sem dúvida o aumento do financiamento tem refletido no aumento da produção de estudos em APS, como vem mostrando alguns estudos. Um estudo de revisão que analisou o conjunto de estudos realizados e/ou financiados pelo Ministério da Saúde no entre os anos de 2000 a 2006 identificou 110 pesquisas . Um outro estudo realizado em 2009, que analisou a evolução do número de publicações sobre o PSF no Brasil, 1998 a 2009 identificou um expressivo aumento dessa produção no período, com mais de 70% dessa produção a partir de 2005 . O aumento dessa produção, entretanto, não parece se refletir diretamente na sua utilização, seja por gestores, seja por profissionais de saúde, revertendo para a melhoria da qualidade das a& ccedil;ões no âmbito da APS ou para mudanças de rumo da própria política nessa área. Talvez, parte disso, esteja relacionada à forma de divulgação dos resultados, como se deduz a partir dos dois estudos apresentados.Outro aspecto relevante na discussão sobre a pesquisa nessa área, diz respeito à complexidade e diversidade de questões relacionadas à APS. Podemos dizer que a investigação sobre APS incorpora um conjunto de perspectivas de abordagem, que vão desde o estudo da natureza e dos determinantes dos problemas de saúde até os efeitos das práticas desenvolvidas no âmbito da APS, efeitos que dizem respeito aos problemas de saúde, mas, também, a esferas da vida e da qualidade de vida dos sujeitos, uma vez que ações de APS não estão exclusivamente focadas sobre a doen&c cedil;a, suas características e efeitos, mas, principalmente, sobre a saúde, em como promovê-la, na esfera individual e nas coletividades humanas. Podemos dizer, também, que, além das práticas assistenciais desenvolvidas no âmbito da APS, existem outras práticas relacionadas à gestão dos processos de trabalho das equipes de saúde que são necessárias para uma abordagem integral e integradora da APS, na perspectiva da reorientação dos modelos de atenção no SUS. Essas práticas também são objeto de investigação da APS, o que significa que a pesquisa em APS precisa, necessariamente, incluir diversas abordagens metodológicas e considerar as diferentes dimensões no estudo da APS. Definir que dimensões devem ser contempladas é uma exigência colocada por uma agenda de pesquisa em APS.  Finalmente, gostaríamos de considerar que promover a pesquisa em APS não é tarefa fácil e exige atuação em diversas frentes, não dependendo apenas de incentivos de natureza financeira, sendo a criação de nossa Rede de Pesquisa em APS uma importante iniciativa no alcance deste objetivo. Estudos têm discutido o papel das redes de pesquisa, favorecendo o intercambio de profissionais, como um mecanismo capaz de criar oportunidades de fomento à produção científica, apontados como um dos determinantes do interesse de profissionais de APS em participar de projetos de pesquisa . Identificar as potencialidades e transformá-las em possibilidades concretas exige um comportamento pró-ativo por parte de gestores, pesquisadores e profissionais de saúde que possuem algum nível de interesse e motivação na construç ão de uma agenda que seja produtiva para o SUS, na medida em que consiga se articular com problemas relevantes para o sistema de saúde, mas, ao mesmo tempo, seja antenada com o mundo e comprometida com o avanço do conhecimento científico, na medida em que não se restringe a questões meramente locais ou a problemas imediatos, mas que reflete sobre problemas da atualidade que são vivenciados como lacunas de conhecimento no mundo atual e no contexto das reformas dos sistemas de saúde em vários países.

Maria Guadalupe Medina e Rosana Aquino
Pesquisadoras do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
Coordenadoras do Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Formação e Avaliação da Atenção Básica (GRAB)

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