Mineração de dados para diagnósticos médicos
Fábio Reynol - Agência FAPESP 
Ao analisar a imagem gerada em um exame, o  médico radiologista emite um laudo com base em seu conhecimento, sua  experiência e na literatura médica.
Um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP por meio da modalidade  Auxílio à Pesquisa – Regular, gerou o protótipo do que pode vir a ser  uma ferramenta poderosa de auxílio dos diagnósticos por imagem.
O MIRVIsIM, sigla em inglês para “Mineração, indexação, recuperação e  visualização de dados em sistemas de arquivamento de imagens médicas”,  foi desenvolvido por um grupo coordenado pela professora Agma Juci  Machado Traina, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação  (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.
A função do sistema é comparar a imagem a ser analisada pelo  radiologista com um banco de dados formado por outras já laudadas.  Características como cor, posição e formato dos elementos retratados são  indexadas e utilizadas como elementos a serem comparados.
O especialista então recebe uma série de sugestões de diagnósticos  que foram levantados em casos similares ao do analisado. “É comum o  médico se lembrar de ter visto uma imagem parecida, mas não se recordar  de quem era o paciente nem dos detalhes do caso”, disse Agma à Agência  FAPESP.
Buscar por exames antigos é uma tarefa árdua e pode tomar muito tempo  do especialista. Essa tarefa é realizada pelo MIRVIsIM em questão de  minutos, com base em um banco de dados tão grande que seria inviável  para um ser humano acessá-lo sozinho em tempo hábil.
Para elaborar o protótipo, a equipe utilizou um banco de cerca de 3  mil imagens de ressonância magnética de duas dimensões, vindas de várias  partes do corpo humano e em diversos cortes e posições.
A primeira dificuldade enfrentada pelos pesquisadores foi a indexação  de dados complexos representados pelas imagens médicas. “Foi preciso  detectar a essência da imagem, que só o especialista está apto a  capturar”, disse Agma.
Um dos principais desafios foi escolher detalhes importantes em meio a  um volume muito grande de informações. Essa seleção é conhecida como  mineração de dados.
O trabalho inicial com as imagens fez parte da pesquisa de doutorado  de André Guilherme Ribeiro Balan, com apoio da FAPESP por meio de bolsa.  Ao analisar ressonâncias magnéticas de cérebros, ele segmentou as  imagens geradas em regiões específicas, cada uma contendo quatro  características.
Uma imagem segmentada em dez regiões, por exemplo, reúne 40  características que formam um vetor. “O vetor é a síntese das  características da imagem”, disse Balan, que atualmente é professor do  Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do  ABC.
Cada vetor é classificado por similaridade e recuperado quando uma  imagem semelhante está sendo examinada pelo médico. Entre as  características levantadas estão o nível de cinza médio, o centroide  (centro geométrico) e a chamada “dimensão fractal” que informa o formato  de um objeto por meio de uma única medida.
Boa parte da mineração de dados desenvolvida na pesquisa foi  executada no doutorado de Marcela Xavier Ribeiro, que também contou com  bolsa da FAPESP. Ela desenvolveu um sistema de sugestões de  palavras-chave para diagnósticos de mamografia.
Ao ser aplicado em um grupo de imagens já laudadas, o MIRVIsIM  apresentou um índice de 95% de acertos. “Foram sugestões que coincidiram  com os diagnósticos dos especialistas”, afirmou Agma.
A professora do ICMC estima que o sistema possa aumentar a qualidade  dos laudos ao ampliar a gama de escolhas do radiologista. Por depender  muitas vezes da própria memória, esse especialista pode esquecer de  quadros raros ou de pouca incidência.
Limitação humana
Essa dificuldade humana de detectar objetos raros foi recentemente  destacada em estudo publicado na revista Current  Biology, conduzido por Jeremy Wolfe, professor da Escola de  Medicina de Harvard e diretor do Laboratório de Atenção Visual do  Brigham and Women's Hospital, em Massachusetts, Estados Unidos.
Ao estudar o índice de detecção de armas em malas por meio de  aparelhos de raios X de aeroportos, Wolfe verificou que quanto menos o  observador depara nessa atividade com o objeto que procura – no caso  armas ou bombas – menor será a probabilidade de encontrá-lo.
Segundo o pesquisador norte-americano, a dificuldade de encontrar  alvos raros é comum nos ramos profissionais que atuam com análises  visuais de imagens. Ele inclui nesse grupo os médicos radiologistas,  acostumados a olhar centenas de imagens diariamente. Nesse sentido, o  MIRVIsIM pode preencher essa lacuna ao considerar detalhes pouco comuns  que o especialista tenderia a ignorar.
O sistema pode ir além do auxílio diagnóstico e ser empregado em  modelos estatísticos para fazer relações difíceis de serem traçadas. Ele  é capaz, por exemplo, de associar a incidência de manchas no pulmão ao  endereço residencial ou à profissão do paciente e assim estabelecer  relações entre as enfermidades e determinadas áreas geográficas ou  atividades profissionais.
Para desenvolver o MIRVIsIM, o grupo de São Carlos trabalhou em  parceria com colegas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP)  da USP, que testaram o sistema em exames de mamografia.
“Ele agiliza e melhora a qualidade do diagnóstico”, disse o professor  Antonio Carlos dos Santos, da Divisão de Radiologia do Departamento de  Clínica Médica da FMRP. Para ele, o auxílio automático serve como  contrapeso à opinião pré-formada que muitas vezes o médico leva na hora  de examinar as imagens.
Além de auxiliar na prática médica, o protótipo testado em Ribeirão  Preto também se mostrou ferramenta eficiente de auxílio na formação de  novos especialistas.
Alunos de graduação utilizaram o sistema como um banco de consultas  para o aprendizado de diagnósticos e médicos residentes o aplicaram para  aferir e aprimorar o relatório provisório que deve depois ser aprovado  ou corrigido por um docente ou por um médico assistente.
“A aceitação no meio médico foi tão grande que, durante um workshop  do MIRVIsIM, no fim de janeiro, vários especialistas em diagnósticos  pediram a ampliação da ferramenta para a análise de outros sete tipos de  imagens médicas além da mamografia e da ressonância magnética”, disse  Agma.
A professora ainda ressalta que, além das teses de André Balan e  Marcela Xavier Ribeiro, também contribuíram para o desenvolvimento do  MIRVIsIM outros trabalhos de mestrado e doutorado que contaram com apoio  de bolsas da FAPESP. 

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