domingo, 10 de março de 2013

Médicos e o SUS


O sistema público de saúde

Florentino Cardoso
O Brasil está perto dos 200 milhões de habitantes, com cerca de 150 milhões dependendo exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Quem pode paga um plano de saúde. Atualmente, ter assistência médica privada é o segundo "objeto de desejo" do brasileiro, perdendo somente para a casa própria.

Esse anseio tem várias explicações. Uma importante é que o SUS projetado, concebido e desejado é bastante diferente daquele com que nos deparamos no cotidiano. O governo tenta explicar que é por causa da falta de médicos, porém precisa ser claro com a população e dizer, por exemplo, quanto o SUS paga por uma consulta de um pediatra, de um ginecologista (menos de R$ 3). O povo precisa saber, ainda, quanto o SUS paga por uma cirurgia de adenoide-amígdala (R$ 183,41), para retirar o apêndice (R$ 161,03) - esses valores incluem cirurgião, assistente e anestesiologista -, para uma curetagem uterina (R$ 67,03), para uma ultrassonografia abdominal (R$ 24,20), para um raio X do tórax (R$ 14,32).

O governo precisa dizer em quantas cidades não se consegue fazer um hemograma ou uma ultrassonografia de qualidade. Aí, sim, dizer de quantos médicos o Brasil precisa, em quais especialidades/áreas do conhecimento, para trabalhar onde, em que condições e com qual remuneração.

Temos quase 400 mil médicos no Brasil, que se concentram nas capitais e nas grandes cidades. Isso não é responsabilidade dos médicos nem da comunidade. É consequência da inoperância do governo, que não cria condições adequadas de trabalho em vários municípios e não paga salários dignos, com vínculo formal de trabalho. Governos das três esferas: municipal, estadual e federal.

Não adianta as prefeituras aqui e acolá acenarem com salários atraentes, porém sem adequadas condições de trabalho e sem vínculo formal de trabalho. Querem um médico missionário que se mude para uma localidade onde não terá estrutura adequada para atender a população, sem equipamentos para auxiliá-lo quando necessário, sem uma equipe multiprofissional e, muitas vezes, solitário. Ele não terá boa escola para seus filhos nem facilidades para se manter atualizado.

Fala-se que vem aí mais um pacote governamental, ampliando vagas nas escolas médicas existentes, criando mais escolas e abrindo as fronteiras para que profissionais formados no exterior venham trabalhar no País sem que atestem estar aptos a atender a população, por meio de um exame nos moldes do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida).

Precisamos comprovar seus conhecimentos, habilidades e atitudes, para que não ponham em risco nossos cidadãos, principalmente os mais carentes. Será que o governo tem noção de que está criando a medicina dos pobres? Quem vai ser atendido pelos médicos formados fora do Brasil, nas cidades de difícil acesso e provimento? Fazem comparações absurdas, citando número de médicos estrangeiros nos EUA, no Canadá, na Inglaterra. Para os desavisados, nesses países os estrangeiros costumam ser recrutados, convidados, pois se destacam em suas respectivas áreas, são os melhores. Vamos trazer de volta ao Brasil os inúmeros bons médicos brasileiros que trabalham nos EUA, no Canadá, na Inglaterra. O governo oferece aos médicos daqui o mesmo que está a oferecer aos formados fora? Qual a oferta?

O governo precisa criar políticas de Estado, e não políticas eleitoreiras de governos, para melhor distribuir os médicos no Brasil. Pergunto: qual o diagnóstico de nossas autoridades sobre a distribuição geográfica de profissionais? Em que áreas do conhecimento precisaríamos de médicos? De quantos pediatras, anestesiologistas, geriatras, intensivistas, médicos de família e comunidade necessitamos hoje e de quantos precisaremos daqui a 5, 10, 20 anos? A preocupação tem sido somente com quantidade. Nós defendemos qualidade.

Soluções existem, desde que sejam encaradas verdadeiramente, e não criando subterfúgios ou procurando culpados. É notório o subfinanciamento da saúde pública brasileira (hoje, cerca de R$ 2 por habitante/dia). O Brasil investe menos em saúde (porcentual do PIB) do que a média dos países africanos e do que outros países da América do Sul. É amadora a gestão em vários locais nas esferas federal, estadual e municipal. São vergonhosos os desvios que ainda teimam em ocorrer.

Como se conseguem facilmente tantos recursos para estádios de futebol e não temos recursos para financiar adequadamente a saúde da população? Sabe-se que ao longo dos últimos anos a esfera federal se vem desonerando em relação aos investimentos na saúde, quando comparados aos recursos de Estados e municípios. Quem mais arrecada tributos no Brasil (uma das maiores cargas tributárias do mundo) é o governo federal e hoje ele contribui menos do que Estados e municípios juntos.

Além da falta de recursos, a distribuição não se dá de forma equitativa. Vários bons serviços existentes não são acessíveis a todos e a qualidade deixa a desejar em inúmeras situações. Muitos dos que necessitam desses serviços não conseguem tê-los porque continuam longas as filas de espera para consultas, exames e cirurgias. Não se mensuram rotineiramente os resultados produzidos pelas diferentes intervenções. Sabe-se, há muito tempo, que o maior impacto nos custos da saúde são rapidez e qualidade do acesso. Neste momento, não temos acesso a todos os serviços no SUS e muitos desses serviços têm qualidade questionável.

A saúde é o nosso bem maior e o povo brasileiro merece respeito. Vamos, juntos, dar um basta nessa situação que aumenta o sofrimento do nosso povo, especialmente do mais pobre e carente.
* Florentino Cardoso é presidente da Associação Médica Brasileira.

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