Edgar Morin: é preciso educar os educadores
“A educação não pode ignorar a curiosidade das crianças”
– Edgar Morin
Mudanças 
profundas ocorreram em escala mundial nas últimas décadas do século 20, 
entre elas o avanço da tecnologia de informação, a globalização 
econômica e o fim da polarização ideológica nas relações internacionais.
Diante
 desse cenário, o sociólogo francês Edgar Morin, hoje com 95 anos, 
defende que a maior urgência no campo das ideias não é rever doutrinas e
 métodos, mas elaborar uma nova concepção do próprio conhecimento. No 
lugar da especialização, da simplificação e da fragmentação de saberes, 
Morin propõe um dos conceitos que o tornaram um dos maiores intelectuais
 do nosso tempo: o da complexidade.
Em entrevista, o pensador 
critica o modelo ocidental de ensino que, segundo ele, separa os 
conhecimentos artificialmente através das disciplinas. Para Morin, as 
disciplinas fechadas ensinam o aluno a ser um indivíduo adaptado à 
sociedade, mas impedem a compreensão dos problemas do mundo e de si 
mesmo.
Entrevista concedida a Andrea Rangel/O Globo
Na sua opinião, como seria o modelo ideal de educação?
A figura do professor é determinante para a consolidação de um modelo 
“ideal” de educação. Através da Internet, os alunos podem ter acesso a 
todo o tipo de conhecimento sem a presença de um professor.
Então 
eu pergunto, o que faz necessária a presença de um professor? Ele deve 
ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e 
elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa 
uma lição a um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet, ele deve 
posteriormente corrigir os erros cometidos, criticar o conteúdo 
pesquisado.
É preciso desenvolver o senso crítico dos alunos. O 
papel do professor precisa passar por uma transformação, já que a 
criança não aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro 
ponto importante: é necessário criar meios de transmissão do 
conhecimento a serviço da curiosidade dos alunos. O modelo de educação, 
sobretudo, não pode ignorar a curiosidade das crianças.
Quais são os maiores problemas do modelo de ensino atual?
O modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que
 separa os conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é
 o que vemos na natureza. No caso de animais e vegetais, vamos notar que
 todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina o que é o
 conhecimento, ele é apenas transmitido pelos educadores, o que é um 
reducionismo.
O conhecimento complexo evita o erro, que é 
cometido, por exemplo, quando um aluno escolhe mal a sua carreira. Por 
isso eu digo que a educação precisa fornecer subsídios ao ser humano, 
que precisa lutar contra o erro e a ilusão.
O senhor pode explicar melhor esse conceito de conhecimento?
Vamos pensar em um conhecimento mais simples, a nossa percepção visual. 
Eu vejo as pessoas que estão comigo, essa visão é uma percepção da 
realidade, que é uma tradução de todos os estímulos que chegam à nossa 
retina. Por que essa visão é uma fotografia? As pessoas que estão longe 
são pequenas, e vice-versa. E essa visão é reconstruída de forma a 
reconhecermos essa alteração da realidade, já que todas as pessoas 
apresentam um tamanho similar.
Todo conhecimento é uma tradução, 
que é seguido de uma reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco
 do erro. Existe outro ponto vital que não é abordado pelo ensino: a 
compreensão humana.
O grande problema da humanidade é que todos 
nós somos idênticos e diferentes, e precisamos lidar com essas duas 
ideias que não são compatíveis.
A crise no ensino surge por conta 
da ausência dessas matérias que são importantes ao viver. Ensinamos 
apenas o aluno a ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas ele também 
precisa se adaptar aos fatos e a si mesmo.
O que é a transdisciplinaridade, que defende a unidade do conhecimento?
As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo. A 
transdisciplinaridade, na minha opinião, é o que possibilita, através 
das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa.
O
 meu livro O homem e a morte é tipicamente transdisciplinar, pois busco 
entender as diferentes reações humanas diante da morte através dos 
conhecimentos da pré-história, da psicologia, da religião. Eu precisei 
fazer uma viagem por todas as doenças sociais e humanas, e recorri aos 
saberes de áreas do conhecimento, como psicanálise e biologia.
Como a associação entre a razão e a afetividade pode ser aplicada no sistema educacional?
É preciso estabelecer um jogo dialético entre razão e emoção. 
Descobriu-se que a razão pura não existe. Um matemático precisa ter 
paixão pela matemática. Não podemos abandonar a razão, o sentimento deve
 ser submetido a um controle racional.
O economista, muitas vezes,
 só trabalha através do cálculo, que é um complemento cego ao sentimento
 humano. Ao não levar em consideração as emoções dos seres humanos, um 
economista opera apenas cálculos cegos. Essa postura explica em boa 
parte a crise econômica que a Europa está vivendo atualmente.
A literatura e as artes deveriam ocupar mais espaço no currículo das escolas? Por quê?
Para se conhecer o ser humano, é preciso estudar áreas do conhecimento 
como as ciências sociais, a biologia, a psicologia. Mas a literatura e 
as artes também são um meio de conhecimento.
Os romances retratam o
 indivíduo na sociedade, seja por meio de Balzac ou Dostoiévski, e 
transmitem conhecimentos sobre sentimentos, paixões e contradições 
humanas. A poesia é também importante, nos ajuda a reconhecer e a viver a
 qualidade poética da vida. As grandes obras de arte, como a música de 
Beethoven, desenvolvem em nós um sentimento vital, que é a emoção 
estética, que nos possibilita reconhecer a beleza, a bondade e a 
harmonia. Literatura e artes não podem ser tratadas no currículo escolar
 como conhecimento secundário.
Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro de ensino?
O Brasil é um país extremamente aberto a minhas ideias pedagógicas. Mas,
 a revolução do seu sistema educacional vai passar pela reforma na 
formação dos seus educadores. É preciso educar os educadores. Os 
professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros 
campos de conhecimento. E essa evolução ainda não aconteceu. O professor
 possui uma missão social, e tanto a opinião pública como o cidadão 
precisam ter a consciência dessa missão.
Fonte: Fronteiras do Pensamento|O Globo
Veja mais Edgar Morin: “É preciso ensinar a compreensão humana”.


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