quinta-feira, 26 de março de 2009

Pedagogia Hospitalar - Nova Escola nº 220 - 03/009

Lecionar para estudantes internados exige preparo psicológico para lidar com as famílias, os médicos, as escolas... e a morte
Bianca Bibiano (bianca.bibiano@abril.com.br)




Ensino nas horas difíceis

NO LEITO E FELIZ



Em 2007, quando entraria no Ensino Fundamental, o pequeno índio wapixana Frank Silva ficou doente. Teve um câncer diagnosticado e precisou sair de Roraima, onde morava, para buscar ajuda especializada. Desde o ano passado, está internado em São Paulo. Mas não foi esse imprevisto - nem a forte medicação que vem tomando - que o deixou fora da escola. Matriculado desde o começo do tratamento em uma classe dentro do Hospital do Câncer, ele não só foi alfabetizado como já está na 2ª série.

Frank é uma das 65.956 crianças que estudaram em salas adaptadas ou no próprio leito em 2007, segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Apesar do público numeroso, a modalidade ainda não é uma realidade em todo o território nacional. O próprio Ministério da Educação (MEC) reconhece que há carências graves pelo país - são 850 hospitais oferecendo o atendimento, em um universo de quase 8 mil unidades.

Além disso, especialistas alegam que as experiências em curso nem sempre ocorrem num contexto ideal. "Há o déficit de profissionais para atuar do 6º ao 9º ano. E, em muitos lugares, o voluntário ainda atua no lugar do educador", diz Eneida Simões da Fonseca, professora do Departamento de Estudos em Educação Inclusiva e Continuada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Na prática, é a equipe médica que deve acionar as secretarias de Educação assim que um estudante da rede pública dá entrada com alguma doença severa (para os oriundos da particular, é a própria escola que deve providenciar o serviço). Em alguns estados e municípios, já existe inclusive um quadro de docentes previamente concursados e preparados para a função, e é junto a esses órgãos que interessados no emprego devem procurar orientações. "Cabe aos governos locais oferecer a mão-de-obra e as capacitações necessárias. Tudo para que o aluno se atrase o mínimo possível no ritmo de sua turma original", diz Martinha Dutra dos Santos, coordenadora-geral da Secretaria de Educação Especial do MEC.

Apesar de ser chamada tecnicamente de classe, a aula é individual, nos leitos ou em salas cedidas pela unidade de Saúde. Diferentemente de uma escola regular (onde é possível fazer atividades de longa duração), cada tarefa precisa ter início, meio e fim no mesmo dia. "É um ritmo estranho. Eu posso planejar tudo hoje e, amanhã, o estudante recebe alta. Daí eu tenho que fazer coisas novas para outra criança que acabou de chegar", conta a professora Geane Yada, do Hospital Darcy Vargas, em São Paulo. A carga horária também muda. O educador pode iniciar uma conversa e, em instantes, ter de parar devido a uma indisposição. O indicado é que o aluno consiga ter o mesmo conteúdo e a mesma carga horária da escola. Mas, com o sobe-e-desce do tratamento, isso nem sempre é possível.

Escola de origem precisa dar apoio aos professores




Assim que um estudante chega para tratamento, o titular da classe hospitalar deve chamar a família e o futuro aluno para conversar sobre sua situação. Normalmente, um coordenador pedagógico articula essa fase. Em seguida, o docente entra em contato com a escola para solicitar o currículo que a criança seguiria e também as atividades já realizadas. Cabe à unidade de ensino encaminhar todas as tarefas previstas para que o aluno faça em sua internação - inclusive as provas, que serão devolvidas para a correção pelo educador da turma regular.

A professora Célia Wiczneski, coordenadora pedagógica do Hospital do Trabalhador, em Curitiba, conta que essa relação não é fácil e, como já aconteceu, a escola muitas vezes nem sabe que um estudante adoeceu. "Hoje é mais fácil conversar. Mas, no início, eu precisei bater o pé. E, quando não tinha solução, ligava para a Secretaria de Educação e contava o que estava acontecendo." Foi com tanto empenho que garantiu a continuidade nos estudos de vários jovens como Felipe Eduardo Alves da Silva, 9 anos, que está na 4ª série e sofre de osteomielite (infecção óssea) e precisa de internações sucessivas.

Para trilhar esse caminho, o MEC sugere articular a programação de atendimento em dois momentos. No primeiro, o docente trabalha com os conteúdos definidos num currículo próprio, geral, que tem por base os Parâmetros Curriculares Nacionais. "É para evitar atrasos em caso de demora no envio dos materiais pela escola de origem", explica Rosemary Hilário, coordenadora do Hospital do Câncer. No segundo, já de posse da papelada, a equipe do hospital adapta o trabalho pedagógico de acordo com o histórico do aluno, muitas vezes lançando mão de uma avaliação inicial.

Uma articulação especial é necessária quando o estudante apresenta um quadro clínico que requer idas e vindas constantes. É o caso de Eula Carla de Lima, 12 anos. Ela está na 6ª série, sofre com displasia (anomalia) na tíbia esquerda e precisa passar por cirurgias frequentes, também no Hospital do Trabalhador. Para ela, o ano escolar acontece simultaneamente na unidade regular em que estava matriculada e no hospital.

Mas, como contam os profissionais, a questão mais delicada em todo o trabalho é lidar com a morte. Enquanto esta reportagem estava sendo feita, uma aluna do Darcy Vargas faleceu. Para Rosemary, são coisas que acontecem. "Temos de encarar da mesma forma que faríamos em uma turma regular", argumenta. "E, na hora que os familiares chegam para conversar com você, não podemos esquecer que não somos psicólogos para dar orientações. A melhor coisa é ouvir." Atualmente, já existem até cursos de especialização para ajudar os professores a enfrentar e se adaptar a todas essas situações.

Obrigação está na lei

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deu início à formalização do funcionamento das classes hospitalares, determinando aos governos "garantir atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular". Em 2001, o Conselho Nacional de Educação, no artigo 13º da Resolução nº 2, tratou da obrigatoriedade do sistema e utilizou, pela primeira vez, a nomenclaura "classe hospitalar". Desde então, ficou definido que "os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio". Com base nas regras anteriores, a Secretaria de Educação Especial do MEC elaborou em 2002 os termos reguladores que detalham o trabalho dentro das unidades de Saúde. Cabe aos estados e municípios adaptar essa legislação nacional e traçar orientações específicas para cada rede de ensino.

Os cuidados para uma boa reintegração

A volta para a escola precisa ser pensada com antecedência e levar em conta eventuais adaptações estruturais necessárias, como a construção de rampas para os jovens que passam a usar cadeira de rodas. A montagem bem feita de uma pasta ou arquivo, com toda a documentação sobre o período de internação, também é essencial. Devem ser reunidos os exercícios feitos, os exames aplicados e os relatórios com a carga horária total do atendimento, os conteúdos abordados e as principais dificuldades encontradas, inclusive com as observações feitas pelo docente.

A aplicação de provas para medir o nível do aluno em seu retorno não é defendida pelo MEC. O ideal, para o órgão, é que a equipe pedagógica estude os materiais enviados pelo hospital para chegar a um diagnóstico. A sensibilização da comunidade escolar também é essencial e ajuda a evitar comentários maldosos. Como contam os especialistas, a manutenção do vínculo com a unidade de ensino durante o período de afastamento é a melhor arma contra os problemas, já que todos estão cientes do processo.

Ensino que faz bem

Além de permitir que o aluno internado não perca tempo nos estudos e continue acompanhando o currículo de sua escola, as atividades nas classes hospitalares são apontadas por estudos como aliadas da recuperação clínica dos estudantes. Uma pesquisa conduzida pela professora Izabel Cristina Silva Moura, do Instituto Helena Antipoff, vinculado à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, acompanhou 50 crianças por um mês em três hospitais diferentes da cidade. Ela observou que o grupo que assistia às aulas teve níveis de estresse menores do que os que não passavam pelo atendimento, de acordo com uma escala especial para esse tipo de análise.

Informalmente, essa também é uma constatação diária das educadoras que trabalham com jovens doentes. Em 2000, conta a professora Rosemary Hilário, do Hospital do Câncer, a prefeitura de São Paulo deu férias coletivas para todos os docentes, inclusive os que não atuavam nas unidades regulares. Até então, a classe de lá ficava aberta nas férias. Durante o recesso, os médicos que cuidavam dos estudantes internados relataram que as crianças usaram o dobro de analgésicos. "E, quando eram perguntadas sobre as dores, elas não sabiam responder", lembra. "Achamos que isso foi causado pelo ócio. Os alunos precisam se ocupar,
esquecer que estão numa situação delicada", diz. Desde então, a classe fica aberta o ano todo, com esquema de revezamento entre os professores no período de festas.

Esta reportagem foi sugerida pelos leitores Adenildes Ferreira, Salvador, BA, Adrine Silva Brito, Jacareí, SP, Alessandra Faria, Brasília, DF, Amanda Franco Sousa, Recanto das Emas, DF, Angela Maria Sanchez, São Paulo, SP, Antonia Peret, Pouso Alegre, MG, Barbara Xavier, Cotia, SP, Daniella Joana Pereira dos Santos, São Paulo, SP, Kilvia Cristine de Oliveira Lima, Fortaleza, CE, e Mauriceia Correa, Rolim de Moura, RO

Quer saber mais?

CONTATOS
Hospital Darcy Vargas, R. Seráfico Assis de Carvalho, 34, 5614-040, São Paulo, SP, tel. (11) 3723-3839
Hospital do Câncer, R. Professor Antônio Prudente, 211, 01525-000, São Paulo, SP, tel. (11) 2189-5000
Hospital do Trabalhador, Av. República Argentina, 4406, 81050-000, Curitiba, PR, tel. (41) 3212-5870

BIBLIOGRAFIA
Atendimento Escolar no Ambiente Hospitalar, Eneida Simões da Fonseca, 100 págs., Ed. Memnon, tel. (11) 5575-8444 , 28 reais

17 comentários:

Anônimo disse...

Foi gratificante essa informação em relação á esse atendimento, me ajudou muito na minha tese acadêmica que defendo no momento, que utilizarei essa informação e colocarei junto aos meus anexos. adoro o tema e com certeza se tivesse oportunidade de vivenciar um pouco do que ja tenho de informação ficaria imensamente feliz, mais minha cidade não tem implantado essa parceria, escola, secretaria de saúde e instituições acadêmicas. que pena! Maria Iêda S.A.silva. natural de Teresina - Piauí.

Roberto disse...

Maria Iêda,
Fico muito feliz em saber que temos no Brasil pessoas como você, interessadas em um tema tão importante.Parabéns pelo entusiasmo e não desista! Quem sabe as Secrets. de Saúde e Educação não "compram" a sua ideia?Se um dia quiser conhecer o trabalho que fazemos na UEM, ponho você em contato com o grupo responsável. Um abraço!

Unknown disse...

Estou estudando pedagogia e este tema é o que me motiva,moro em Barueri na grande São Paulo mas nunca ouvi falar de pedagogia hospitalar aqui,espero poder contribuir na minha cidade.Assim como vc,que Deus abençõe a sua vida grandemente e espero poder contar com a sua ajuda.
meu email pra:rosanasoares@gmail.com

Roberto disse...

Rosana,
O futuro do Brasil depende de pessoas entusiasmadas como você! Como você comentou, esta é uma área extremamente promissora para a Pedagogia e pouco explorada. Quem sabe você não desenvolve um trabalho voltado para o tema em sua gradução ou após formada? No nosso H.U. temos um grupo de pedagogia hospitalar e pode ser que eles se interessem por receber estagiários de outras instituições.
http://www.hum.uem.br/
Um abraço

Juliana disse...

Olá Roberto, tudo bem?
Gostei muito dessas informações, sou professora há alguns alnos, moro em São Paulo, e sou formada pela Universidade de São Paulo, nesse momento busco algo que inove na minha profissão, com seus comentários pude saber um pouco mais sobre essa área e adorei! Quais especializações nessa áreas você indica? Quanto em média ganha esse profissional.
Grata Juliana.

Roberto disse...

Juliana,
É ótimo saber que temos pessoas como você, interessadas em inovar e repensar continuamente as suas práticas. Na mensagem e nos demais comentários, você encontra contatos para saber mais sobre o assunto; de forma especial, sugiro procurar informações no A.C. Camargo aí mesmo em São Paulo. Sucesso!

Neuza Cruz disse...

OLÀ!
Sou estudante em Pedagogia no DF e meu tema é "Pedagogia Hospitalar", pois quero atuar nesta área. Estou precisando de uma pedagoga hospitalar para responder meu questionário para a conclusão da pesquisa. Por favor, vocês tem como me ajudar!
Um abraço!

Neuza Cruz disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
simara disse...

Irei comecar a estudar pedagogia nesse semetre. Quero fazer pos em pedagogia hospitalar, a materia me ajudou muito agora nao tenho mais nem uma duvida.

Unknown disse...

Não conhecia essa área da Pedagogia,fiquei encantada e motivada ,sou Pedagoga pretendo fazer um curso para me especializar...

Unknown disse...

Muito interessante essas informações.....esclareceu muito....porém coordeno em Sorocaba cinco professoras que atuam na classe hospitalar.Hoje, há a necessidade de normatizar esse trabalho, principalmente para a atribuição.Você poderia me ajudar , dando sugestões ou dicas de alguma resolução?
Agradeço desde já sua atenção.

Unknown disse...

Sou estudante de pedagogia e moro no RJ. Estou no oitavo período e desde que iniciei a faculdade o meu foco era a pedagogia hospitalar. Sou da área de saúde, técnico em radiologia, e já conheço a rotina hospitalar e me encantei em saber que poderia trabalhar com educação,outra área que amo, dentro do hospital. A minha monografia é sobre pedagogia hospitalar é este artigo me ajudou bastante. Vocês poderiam me dar outras sugestões de leituras entre outras coisas que poderiam contribuir para a minha monografia? Desde já agradeço.

Roberto disse...

Neli, fico muito feliz pelo seu comentário e o interesse em Pedagogia Hospitalar.
Quanto a sugestões de leitura, existe um volume relativamente grande de publicações, precisaria filtrar de acordo com o seu foco de estudo na monografia. Mando um link de pesquisa para pedagogia hospitalar no Google Scholar, refine a pesquisa para encontrar boas leituras.

https://scholar.google.com.br/scholar?q=pedagogia+hospitalar+artigos&hl=pt-BR&as_sdt=0&as_vis=1&oi=scholart&sa=X&ved=0ahUKEwjnvv7V35jTAhVGk5AKHZ9bAX0QgQMIGjAA

Sucesso no seu trabalho!

Unknown disse...

olá eu sempre quis fazer pedagogia e ja estou no segundo ano de faculdade quando meu filho fico internado no GPAC em sorocaba achei essa profissão tão linda e um amor do professor dando a aula para o aluno que não pode estar na escola se o aluno não pode se locomover a aula o professor vai até ele eu me achei assim que termina a pedagogia vou fazer uma pós em pedagogia hospitalar e depois de ler tudo que vc coloco abriu mas ainda meu modo de ver e pensar DEUS abençõe .

Unknown disse...

olá eu sempre quis fazer pedagogia e ja estou no segundo ano de faculdade quando meu filho fico internado no GPAC em sorocaba achei essa profissão tão linda e um amor do professor dando a aula para o aluno que não pode estar na escola se o aluno não pode se locomover a aula o professor vai até ele eu me achei assim que termina a pedagogia vou fazer uma pós em pedagogia hospitalar e depois de ler tudo que vc coloco abriu mas ainda meu modo de ver e pensar DEUS abençõe .

Gisele disse...

Ola.
sou estudante de pedagogia, e com certeza este sera meu norte. Quero de verdade fazer parte deste momento de integração hospital- escola. É de suma importancia . Aqui na minha cidade Volta Redonda RJ ainda é novidade, nenhum hospital possui se quer um pedagogo. Depois de ler tudo que voce escreveu eu vejo ainda com mais vontade e esperança de fazer da minha cidade uma referencia para as demais do estado.
obrigada por compartilhar sua experiencia. Um abraço.
Se for possivel, gostaria de manter contato.

Maria das Dôres S. S. disse...

Olá.
Nossa! Fiquei muito feliz com essa reportagem. Nem imaginava que seria possível continuar os estudos dentro do hospital. Com certeza eu gostaria de atuar juntamente com outros professores
e as crianças que precisam e devem continuar os estudos. Seriam horas de aprendizado e esperança para todos. Muito obrigada.