Ronaldo Martins, de 4 anos, tem um tumor cerebral. Em tratamento num hospital de ponta, vem apresentando melhoras animadoras. A mãe, Maria Helena, aguarda ansiosa o resultado de uma tomografia. O menino está numa das salas do centro de diagnóstico, sob efeito de anestesia geral – necessária para que a criança fique absolutamente imóvel durante os dez minutos previstos para durar o exame. Terminado o procedimento, ao contrário das previsões iniciais, o médico não tem boas notícias.
– Dona Maria Helena, eu sou o doutor Rodrigo, médico que aplicou a anestesia no seu filho. Sentado numa cadeira em frente à mãe, ele continua, de forma cuidadosa, mas sem rodeios:
– Eu e os meus colegas seguimos as melhores condutas médicas, mas infelizmente seu filho teve uma reação inesperada à anestesia e sofreu uma parada cardiorrespiratória. Embora tenhamos feito todo o possível para salvá-lo, ele faleceu.
A mãe entra em choque:
– Como assim "faleceu"? Ele já tinha feito esse exame outras vezes, sem nenhum problema. No momento mais tenso da conversa, Maria Helena diz:
– O senhor está me dizendo que errou e, por causa disso, o meu filho está morto. E tudo o que o senhor tem a me dizer é "sinto muito"?
A cena vivida pelo anestesista Rodrigo de Angelis, de 34 anos, não é real. Faz parte de um treinamento realizado no Centro de Simulação Realística do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O papel da mãe é desempenhado pela atriz Maria Teresa Cordeiro. O objetivo desse teatro é treinar os médicos para enfrentar situações tão delicadas quanto frequentes. "A maioria das faculdades não prepara os médicos para falar com pacientes e familiares", diz Angelis. "É muito mais difícil lidar com o desespero e a indignação de uma mãe que perdeu o filho do que passar por testes técnicos, como aplicar uma anestesia ou realizar as manobras de ressuscitação."
No século XVII, o dramaturgo francês Molière (1622-1673) usava o palco para criticar a precariedade da ciência de seu tempo e condenar, em especial, o comportamento dos médicos, marcado pelo charlatanismo, descaso e frieza. Em O Doente Imaginário, uma de suas peças mais encenadas, os médicos são bufões que só pensam em dinheiro. Talvez fosse interessante – e instrutivo – incluir a leitura de Molière nas simulações que ensinam os médicos a ouvir, consolar e olhar nos olhos de seus pacientes.