quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Ciências Humanas e Saúde



Importância da Cultura na Formação Médica

"A Leitura". Pierre Renoir


Nos tempos em que não existia um manual explicando como “usar” e “consertar” o corpo humano, a chave de todo o conhecimento médico habitava nas práticas instintivas e empíricas. As ciências humanas participavam ativamente do desenvolvimento da medicina. O bom curador havia de ser não um técnico habilitado para manejar a estrutura corporal, mas um sacerdote, um mago, um profeta, um artista e um filósofo.

Estes médicos, ao duvidarem da conduta a ser tomada, buscavam inspiração nas artes, catalisando seus neurônios com a beleza embriagadora destas. Sabiam eles que os seres humanos assemelham-se a uma obra artística que, tal como pinturas abstratas, precisam de um olhar apurado para serem analisados e compreendidos. Como a partir das “catálises processadas pelo refinamento” advieram grandiosas descobertas, rendeu-nos muitos epônimos derivados da mitologia e literatura para designar doenças e medicamentos.


O médico era também um companheiro, o amigo da família, era quem visitava os doentes e rezava junto a eles e se, por acaso, morriam, sua presença era certa e esperada no sepultamento. Porque o médico era, há um tempo, mais que um cientista, um confidente, um xamã e um amigo.


Sem embasamento teórico, para optar por uma conduta adequada, o médico antigo tinha de conhecer intimamente quem necessitava dos seus cuidados: os hábitos, a história e as crenças de seus pacientes, desenvolvendo portanto a consciência de que somente acessando o cerne do outro construiria um conhecimento concreto a respeito de sua ciência e atuação.


Não é de se estranhar que personagem como
Nostradamus tenha se destacado como médico. Exímio astrônomo e alquimista, dotado de grande erudição que impulsionava a imaginação, cultivava a intuição através das ideias e alimentava com sabedoria seu senso observacional para com a humanidade, brotando-lhe até mesmo um raciocínio bastante acurado a respeito do futuro.

Assim era o médico de antigamente, por possuir um espírito inquiridor, ele era, de fato, um completo cientista, interessado nas mais diversas áreas de conhecimento. Os doutores que marcaram a história possuíam, antes de quaisquer outras qualidades, a virtude da curiosidade e sensibilidade para compreender e penetrar a “alma humana”.


A partir de meados do século XIX, uma revolução no terreno da patologia fora desencadeada por importantes descobertas em campos como o da microbiologia, análises laboratoriais e outros métodos clínicos, gerando profundas transformações na medicina como um todo, incrementando consideravelmente a formulação dos diagnósticos. O surgimento da antibioticoterapia proporcionou aos médicos uma eficácia na cura e um domínio sobre os males sem precedentes na história.


Acontecia um verdadeiro “milagre” e, tudo dava a entender que no início do século XX a medicina atingiria o seu apogeu, o seu estágio de ciência exata. À medida que o prestígio das descobertas cientificas crescia, o das ciências humanas dissolvia-se no meio médico. As artes, apesar de ainda importantes, para o novo médico pouco podiam acrescentar, já que novas descobertas e métodos efetivamente científicos abriam novas dimensões.


Os enormes progressos rapidamente alcançados através das ciências biológicas e químicas, associados aos avanços tecnológicos, foram, cada vez mais, redirecionando a formação e a atuação do profissional médico e, infelizmente, modificando também sua escala de valores.


O segredo do conhecimento não mais se esconde nos documentos históricos nem nas instituições artísticas ou filosóficas, aliás, não há mais segredos: as informações se exibem totalmente desnudas nos manuais herdados de pesquisadores atentos que fizeram uma análise sistemática do comportamento físico-químico dos órgãos, tecidos e células.


Maravilha! Com tantas informações ao nosso dispor, não precisamos mais intuir sobre o que seria melhor para qual e tal paciente, não há necessidade de perder tempo colhendo tantas informações, nem num minucioso exame físico, pois diante de atuais exames complexos, esse caloroso contato afigura-nos tão insignificante!


Eis então a moderna função de grande parte das escolas médicas: orientar o aluno sobre como aplicar as informações contidas nos “manuais” especializados na “máquina” humana.


Focados apenas nos compêndios de Medicina, certamente se tornarás um especialista, um profundo conhecedor de exames precisos e especializados, porém, haverá um grande risco de te tornares nada mais que um excelente técnico, ignorante dos aspectos humanos presentes no paciente que assiste.


É deveras essencial nutrirmo-nos com o conhecimento médico adquirido até os dias atuais, tais informações são extremamente úteis para ajudarmos nossos pacientes, mas, por favor, caros doutores, não deixeis de alimentar também o seu espírito.


Nossa imaginação, assim como o corpo, precisa de nutrientes estimuladores e prazerosos. Satisfaça o seu intelecto, dê-lhe de sobremesa, após almoçar capítulos do Guyton, “A Morte de Ivan Ilitch” (garanto-lhe que Tostói jamais lhe dará indigestão).


Compreender como os fatores sociais, psicológicos e culturais afetam a saúde física e ser sensível a estes fatores fazem uma diferença importante nos resultados da saúde. Somos a vinculação do que sentimos, pensamos e produzimos. Nossas atitudes são guiadas pelo que lemos, acreditamos, duvidamos e admiramos. Também as crenças culturais influenciam consideravelmente comportamentos relacionados à saúde. Nossas ideias e realizações são, portanto, manifestações da experiência pessoal, influenciando incisivamente no resultado da nossa atividade médica.

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