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Governo cria novos cursos de Medicina em cidades sem estrutura
Ao menos 9 dos 36 municípios que receberam aval do MEC descumprem normas do edital da própria pasta
Fabiana Cambricoli e Victor Vieira
SÃO
PAULO - Parte das 36 cidades brasileiras que receberam aval do
Ministério da Educação (MEC) para abrigar novos cursos de Medicina não
cumpre requisitos básicos de infraestrutura exigidos em edital da
própria pasta para a aprovação das novas vagas de graduação.
Levantamento feito pelo Estado em 11 desses municípios
mostra que alguns têm número de leitos públicos inferior ao exigido pelo
MEC ou não têm programa de residência ou hospital de ensino, outros
dois critérios do edital.
No último dia 10, o governo federal anunciou os nomes das
instituições privadas escolhidas para abrir 2.290 novas vagas. Agora, as
entidades têm de três a 18 meses para oferecer os cursos. A expansão
das escolas médicas é uma das diretrizes do programa Mais Médicos. A
meta do governo federal é ofertar 11.447 novas vagas de Medicina até o
fim de 2017, das quais 4.637 foram abertas.
Como pré-requisitos previstos no edital, publicado em 2013, os
municípios deveriam ter mais de 70 mil habitantes, não ser capitais nem
ter curso de Medicina. Também era exigida estrutura mínima de saúde,
como existência de cinco leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) para
cada aluno do curso, além de serviço de urgência e emergência, programa
de residência, entre outros detalhes.
Dados das prefeituras contatadas pela reportagem mostram que,
das 11 cidades pesquisadas, três não têm nenhum programa de residência:
Rio Claro (SP), Cubatão (SP) e Campo Mourão (PR). As duas últimas, ao
lado de Mauá, no ABC paulista, não respeitam o número mínimo de leitos
por aluno. Na cidade paranaense, por exemplo, há 150 leitos no SUS,
quando o mínimo exigido seria 250, considerando 50 vagas do curso.
A falta de um hospital-escola é o problema mais prevalente.
Das 11 cidades ouvidas, apenas duas têm unidades de ensino: Jaú (SP) e
Passos (MG).
O diagnóstico já havia sido feito e repassado ao governo por
especialistas contratados pelo MEC para visitar as cidades. Após avaliar
as estruturas desses municípios, no fim do ano passado, os
especialistas informaram que, das 39 cidades pré-selecionadas
inicialmente, só nove reuniam todas as condições para abrigar o curso.
Para o presidente da Associação Brasileira de Educação Médica
(ABEM), Sigisfredo Brenelli, o parecer foi ignorado pelo MEC. “Nosso
relatório não foi usado. Ele foi engavetado e, praticamente, todas essas
cidades receberam a autorização para abrir cursos. Estamos preocupados
porque achamos que parte delas não tem infraestrutura física e de
recursos humanos para oferecer um curso com qualidade técnica e ética.”
A divergência fez a ABEM publicar uma carta à comunidade
acadêmica contra a aprovação de todos os municípios. “Na formação
médica, o aluno tem de lidar com todos os cenários de aprendizagem,
desde a atenção básica até um hospital universitário. Ter hospital de
ensino e programas de residência indicam que o local tem profissionais
com a qualificação mínima para ensinar”, ressalta ele.
Justiça. O presidente do Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Bráulio Luna Filho, diz que o
órgão entrará na Justiça para tentar impedir a abertura dos cursos. “Em
primeiro lugar, tem a questão da falta de estrutura. Se uma cidade não
cumpre esses requisitos, é lógico que a formação médica vai ser
insuficiente. Outro ponto é que algumas instituições privadas
autorizadas a abrir as novas vagas já têm cursos de Medicina em outras
cidades e as avaliações são ruins.” Das 36 cidades que receberão as
novas graduações, 13 ficam no Estado de São Paulo.
Cumprimento de acordo de municípios. O MEC
informou que as prefeituras “assinaram termo de adesão que representa o
compromisso” em oferecer a estrutura necessária para o funcionamento do
curso. A pasta vai monitorar as instituições e os municípios para
garantir o cumprimento do acordo.
Sobre a falta de hospitais de ensino, o MEC afirma que o
município deve indicar centro médico “com potencial” de ser certificado
como tal. Isso significa, de acordo com o ministério, que o registro de
uma unidade médica como hospital-escola pode ser feito depois do início
do curso.
Já sobre a falta de leitos, a pasta afirma que Mauá tem a
quantidade necessária. O edital também prevê a possibilidade de parceria
com municípios vizinhos para atingir o índice exigido, caso de Campo
Mourão.
O ministério ressalta ainda que
municípios que não têm programa de residência são obrigados a
desenvolvê-lo em até um ano após o início do curso, conforme prevê o
edital.
O MEC ressalta ainda que a ABEM "tem sido instituição frequentemente ouvida e que tem trazido importantes contribuições nas mudanças da política de educação médica do País".
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