Blog "Raciocínio Clínico" entrevista Mark Graber
Leandro Diehl
Reduzir os erros diagnósticos em Medicina: esta
parece ser a cruzada pessoal do primeiro entrevistado internacional da
nossa seção “Grandes Nomes do Raciocínio Clínico”, Dr. Mark Graber.
O Dr. Graber é considerado o “pai” dos esforços mundiais para combater os erros diagnósticos em Medicina. Em 2008, ele deu início à série de congressos sobre Erro Diagnóstico em Medicina (Diagnostic Error in Medicine Conferences), evento que ocorre anualmente desde então nos Estados Unidos.
Mark Graber é médico formado pela Stanford University, e fez treinamento (fellowship) em Nefrologia na Boston University. Foi chefe do setor de Medicina do Centro Médico do sistema Veteran Affairs (VA Medical Center) em Northport, New York. Foi o criador da primeira Semana de Conscientização sobre Segurança dos Pacientes (Patient Safety Awareness Week) em 2002, um evento hoje reconhecido em inúmeros hospitais ao redor do mundo.
Em 2011, o Dr. Graber fundou a Sociedade para Aperfeiçoar o Diagnóstico em Medicina (Society to Improve Diagnosis in Medicine – SIDM),
da qual ele hoje é presidente. A missão da SIDM é encorajar pesquisas,
promover educação e aumentar a conscientização sobre o problema dos
erros diagnósticos, entre todos os grupos e organizações com interesse
na segurança do paciente.
Em 2014, juntamente com o Dr. Mario Plebani, Mark Graber criou a revista “Diagnosis”,
primeiro periódico científico a explorar especificamente o processo
diagnóstico em Medicina e saúde. Ele é coeditor da revista, juntamente
com o Dr. Plebani.
Ele é autor de inúmeras publicações sobre
erros diagnósticos, incluindo um dos primeiros estudos científicos a
examinar casos de erros para determinar suas causas, que foram em sua
maioria cognitivas ou relacionadas ao sistema. (Já falamos sobre esse artigo, de 2005, no nosso post anterior sobre Erros Diagnósticos).
Como presidente da SIDM, o Dr. Graber conseguiu juntar esforços com o Institute of Medicine
(IOM) para conduzir um grande estudo sobre o problema dos erros
diagnósticos. O relatório resultante desse trabalho, intitulado “Aperfeiçoando o Diagnóstico na Saúde” (“Improving Diagnosis in Health Care”), atualmente é a compilação definitiva de tudo o que se conhece sobre o problema. O relatório faz 8 recomendações principais sobre o que deve ser feito para reduzir o risco de danos aos pacientes decorrentes de erros diagnósticos. (Clique aqui para acessar o relatório na íntegra.)
Pelos
seus esforços para melhorar a segurança dos pacientes e especificamente
para reduzir o risco de erros diagnósticos em Medicina, o Dr. Mark
Graber recebeu em 2014 o prêmio John M. Eisenberg do National Quality Forum e The Joint Comission, em reconhecimento às suas extensas realizações na área.
Contatamos o Dr. Mark Graber por email, e ele gentilmente concordou em responder a algumas perguntas para o nosso blog sobre erros diagnósticos, raciocínio clínico e educação médica.
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Prezado Dr. Mark Graber: sobre a Sociedade para Aperfeiçoar o Diagnóstico em Medicina (Society to Improve Diagnosis in Medicine – SIDM), da qual você foi um dos fundadores: quando ela foi estabelecida? Quantos membros estão participando ativamente neste momento?
DR. MARK GRABER: Eu fundei a Sociedade em 2011 como uma organização sem fins lucrativos, focada na redução dos erros diagnósticos. Eu já tinha dado início, 3 anos antes, à série de congressos sobre Erro Diagnóstico em Medicina (Diagnostic Error in Medicine Conferences),
mas nós sentimos que apenas um evento uma vez por ano seria pouco para
tentar combater esse problema, exigindo um esforço mais contínuo.
Atualmente, nós temos 250 membros ativos, mais de mil participantes na
nossa lista de discussão por email, e mais de 3 mil pessoas já
participaram dos nossos congressos.
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Quais
são os principais objetivos da Sociedade para Aperfeiçoar o Diagnóstico
em Medicina (SIDM)? Que atividades a Sociedade desenvolve agora?
DR. MARK GRABER:
Nossa visão é a de um mundo em que nenhum paciente seja prejudicado por
erros diagnósticos. Nós acreditamos que o diagnóstico precisa ser
rápido, acurado, eficiente e seguro.
Até agora, nós já tivemos duas grandes histórias de sucesso:
– Nós conseguimos convencer o Instituto de Medicina dos Estados Unidos (US Institute of Medicine – IOM), atualmente conhecido como Academia Nacional de Medicina (National Academy of Medicine), a conduzir e publicar um grande relatório sobre o erro diagnóstico. Esse relatório, o Improving Diagnosis in Health Care, já teve mais de 20.000 downloads;
– Nós conseguimos congregar, e agora lideramos, a Coalizão para Melhorar o Diagnóstico (Coalition to Improve Diagnosis),
um grupo de mais de 35 grandes organizações e associações
profissionais, cada uma delas dedicada a ações individuais e coletivas
para combater os erros diagnósticos.
Também temos outros projetos interessantes, e comitês muito ativos. Nosso Comitê de Educação criou um repositório de recursos para educadores (toolkit for educators), e agora está trabalhando com a Fundação Macy (Macy Foundation) para criar um currículo baseado em diagnóstico e em erro diagnóstico.
Nosso Comitê de Pesquisa patrocina um encontro científico anual. Nosso
Comitê de Envolvimento do Paciente criou um material de orientação para pacientes (toolkit for patients). Nosso Comitê de Melhoramento da Prática está trabalhando na produção de guidelines: um para avaliar e manejar achados incidentais em exames, e outro sobre como otimizar a consulta médica.
“Nossa visão é a de um mundo em que nenhum paciente seja prejudicado por erros diagnósticos.”
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Com
base na sua experiência e nas evidências disponíveis, quais são as
intervenções mais úteis e mais custo-efetivas para reduzir o risco de
erros diagnósticos na prática médica?
DR. MARK GRABER:
Há muito pouca evidência sobre quais intervenções funcionam, ou
funcionam melhor. Esse é um trabalho que está apenas no início. Mas,
baseado no nosso entendimento atual do problema, posso dizer que há
ações que cada um dos principais interessados no assunto pode começar a
desenvolver para começar a enfrentar esse problema:
Médicos:
Não devem confiar demais na sua intuição; o ideal é praticar de maneira
reflexiva. Eles devem fazer com que seus pacientes se tornem parceiros
no processo diagnóstico. Eles devem usar recursos de suporte à tomada de
decisões para melhorar o diagnóstico diferencial, e usar segundas
opiniões a seu favor. Também devem rastrear todos os exames e consultas
solicitados, e checar se todos os resultados dessas avaliações foram
vistos e analisados adequadamente.
Organizações de Saúde: Devem
criar um clima de segurança e de discussão aberta e franca. Devem
encontrar os erros diagnósticos nos seus sistemas e aprender a partir
deles. Devem oferecer registros eletrônicos, incluindo ferramentas de
apoio à tomada de decisões. Também devem facilitar a obtenção de segunda
opinião.
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Qual é o papel dos pacientes nessa questão da segurança do diagnóstico?
DR. MARK GRABER: Eles precisam funcionar como sua própria rede de segurança, para ajudar a prevenir danos provenientes de erros diagnósticos.
Pacientes devem ser participantes ativos
do processo diagnóstico. O ideal é que todos os pacientes sempre
guardem bem seus próprios registros (de exames, consultas etc.), e
sempre perguntem ao médico: “O que mais pode ser?” Devem
realizar os exames para rastreamento de câncer. Além disso, precisam
solicitar aos seus médicos orientações sobre o que eles devem fazer caso
seus sintomas não melhorem ou eles não tenham uma resposta adequada ao
tratamento.
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Há
alguma relação entre a SIDM e as instituições de Educação Médica
(faculdades, hospitais de ensino) para tentar melhorar o currículo
médico, de maneira a abordar apropriadamente o raciocínio clínico e os
erros diagnósticos durante a formação médica? O que você acha de um
currículo baseado no raciocínio clínico e na tomada de decisões?
DR. MARK GRABER:
A SIDM tem muitos membros que são educadores médicos ativos, ou membros
de instituições acadêmicas. Nosso Comitê de Educação tem muitos
projetos para melhorar o ensino médico, tanto de graduação como de
pós-graduação, com relação ao raciocínio clínico e à segurança
diagnóstica. Inclusive, temos um projeto em andamento, juntamente com a
Fundação Macy, para criar um currículo interprofissional, baseado em consenso, para melhorar o diagnóstico. Esse currículo deverá enfatizar o raciocínio clínico e discutir os muitos erros (cognitivos ou relacionados ao sistema) que contribuem para a ocorrência de erros diagnósticos
e prejuízos para os pacientes. O currículo deverá estar completo em
2018, e será testado nacionalmente, nas escolas médicas dos Estados
Unidos, em 2019.
“Os pacientes devem ser participantes ativos do processo diagnóstico.”
RACIOCÍNIO CLÍNICO: Você
acha que está na hora da SIDM se internacionalizar? Como nós, no
Brasil, podemos ajudar a SIDM a atingir seus objetivos? E, finalmente, o
que você acha de um congresso internacional sobre Erros Diagnósticos
aqui na América do Sul?
DR. MARK GRABER: Nós
ficamos muito felizes de saber do interesse do Brasil em melhorar os
diagnósticos, e no seu interesse em receber nossa ajuda e participação.
Além do nosso congresso anual nos Estados Unidos, nós também já
patrocinamos e ajudamos a organizar congressos internacionais na Europa
(Rotterdam, 2016), na Austrália (Melbourne, 2017), e, no ano que vem,
outra vez na Europa (Berna, 2018).
Se houver uma equipe no Brasil
interessada em sediar um congresso e uma instituição acadêmica que
queira atuar como parceira, certamente será possível realizar um
congresso como esse no Brasil. Essa seria uma oportunidade fantástica
para estimular o interesse e motivar ações para enfrentamento dos erros
diagnósticos no Brasil e em toda a América do Sul.
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