UEM forma primeiro médico indígena |
Possivelmente, essa história não teria os mesmos
ingredientes sem a Lei Estadual nº 13.134/2001, que possibilitou o acesso de
estudantes indígenas ao ensino superior. A Lei determina a reserva de vagas nas
universidades estaduais paranaenses para serem disputadas entre os integrantes
das sociedades indígenas do Estado. Atualmente, cada universidade estadual
oferece seis vagas, todas sobressalentes, ou seja, não são retiradas daquelas regulares
oferecidas nos cursos. Os candidatos passam por um vestibular específico para
ingresso na instituição escolhida. O primeiro vestibular foi realizado em 2002.
Desafios a serem
vencidos - Não foi diferente com Virlei. Ele relembra, com uma pitada de
humor, quando o professor lhe perguntou, em um dos primeiros dias de aula, o
que era DNA. Na ocasião, para ele DNA estava relacionado com teste de
paternidade. Nada além. Quando o professor começou a falar, um novo mundo se
abriu e uma pontinha de dúvida nasceu. “Percebi que tinha deficiências de
aprendizagem trazidas do ensino médio e me questionei se daria conta da
empreitada que teria pela frente”. Outros tantos desafios tiveram que ser
vencidos. Inclusive o do preconceito, que por vezes era velado, outras declarado.
“Meu objetivo foi mais forte do que tudo isso”, responde imediatamente quando lhe
é perguntado sobre o que o motivou a continuar no curso.
Virlei também reconhece que contou com apoios valiosos e
fundamentais. Cita, por exemplo, o acompanhamento da equipe da Cuia, em
especial da professora Isabel Rodrigues. Também ressalta o papel de dois
colegas de turma que, voluntariamente, se dispuseram a estudar junto, ensinando
conceitos básicos aos quais ele não teve acesso nas escolas que frequentou. Foi
uma espécie de monitoria informal, movida pela boa vontade dos colegas.
Monitoria indígena - Baseado nessa experiência, Virlei
defende um programa institucional de monitoria indígena na UEM, diferente do modelo
existente, que além de atender questões de língua portuguesa, matemática,
biologia e introdução à informática, seja proporcionado por docentes e
monitores dos cursos que tenham indígenas matriculados, considerando as
especificidades desse público. Para o
novo médico, esta poderia ser uma ferramenta importante para garantir a
permanência na universidade.
Analisando o papel da educação superior para os indígenas, Isabel
Rodrigues entende que a inserção dessa população muitas vezes implica mudanças
de hábitos, de práticas e de metodologias pedagógicas, uma vez que só a
garantia de vagas não dá conta da complexidade da questão.
Nesse sentido, a coordenadora da Cuia, defende, por exemplo,
a necessidade de adequar os instrumentos como melhor forma de avaliação da capacidade
dos alunos indígenas. Não se trata de privilégios, apenas de respeito às
especificidades étnicas e culturais próprias, segundo a professora. “Um aluno indígena quieto e pouco participativo em sala de
aula é tratado, muitas vezes, como desinteressado. Esse pensamento denota uma
ausência de conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil, em vários
aspectos, inclusive no relacionado às questões psicopedagógicas, como por
exemplo, as diferentes formas de interação social dos diversos grupos humanos,
às quais nós, docentes, devemos estar sempre atentos”, opina a professora.
A coordenadora da Cuia também defende a ampliação das vagas
para os indígenas. “Em 2002, quando foi realizado o primeiro Vestibular dos
Povos Indígenas no Paraná, eram 15 vagas e 53 candidatos. No XV Vestibular
Indígena, que será realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na UEL, são 42 vagas
e 517 inscritos. Ou seja, a demanda existe e está aumentando”, justifica.
Caminho de volta
– Virlei faz planos para o futuro. Quer fazer residência na área da Saúde da
Família e então trabalhar com o cuidado à saúde de populações indígenas. Será o
caminho de volta daquele menino que, aos 11 anos sonhava em ser médico. E sua
trajetória acabou servindo de exemplo na própria família. O irmão, Marcos
Aguiar Primo, também ingressou na UEM está prestes a se formar em Educação
Física. Além disso, o pai, Virlei Primo, é acadêmico no segundo ano de
História.
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