UEM forma primeiro médico indígena |
O sonho de ser médico foi acalentado desde os 11 anos de
idade. Porém, nem a previsão mais otimista diria que Virlei Primo Júnior, indígena
pertencente à etnia Guarani Nhandewa, oriundo da Terra Indígena Laranjinha, no
município paranaense de Santa Amélia, receberia o diploma de curso de Medicina.
Hoje, aos 31 anos, o sonho se concretizou. Virlei é o primeiro médico indígena
a se graduar pela Universidade Estadual de Maringá e, nesta quinta-feira, dia
26, será um dos formandos na solenidade de antecipação de colação de grau para
o curso de Medicina. A cerimônia terá a presença de Mário Raulino Sampaio, liderança
indígena na Terra Yvy Porá, entre os municípios paranaenses de Santa Amélia e
Abatiá.
Possivelmente, essa história não teria os mesmos
ingredientes sem a Lei Estadual nº 13.134/2001, que possibilitou o acesso de
estudantes indígenas ao ensino superior. A Lei determina a reserva de vagas nas
universidades estaduais paranaenses para serem disputadas entre os integrantes
das sociedades indígenas do Estado. Atualmente, cada universidade estadual
oferece seis vagas, todas sobressalentes, ou seja, não são retiradas daquelas regulares
oferecidas nos cursos. Os candidatos passam por um vestibular específico para
ingresso na instituição escolhida. O primeiro vestibular foi realizado em 2002.
Cuia oferece apoio
- De lá pra cá, a UEM já formou doze alunos indígenas e outros 27 estão
matriculados em diferentes cursos que a Universidade oferece. Os acadêmicos
contam com o apoio da Comissão Universidade dos Índios (Cuia), órgão criado em
2005, que tem como função desenvolver as ações de seleção e acompanhamento dos
estudantes. Isabel Cristina Rodrigues, atual coordenadora da Comissão na UEM e
presidente da Cuia Estadual no Paraná, explica que o acompanhamento se dá de várias
formas. A começar pela orientação na escolha do curso que, diferente do
vestibular tradicional, não é feita no ato da inscrição e sim no momento da
matrícula. Isabel Rodrigues relata que ao inscrever-se, o aluno indica alguns
cursos de interesse. O trabalho da Cuia é, além de ouvir a demanda trazida
pelos alunos e por suas comunidades, mostrar o funcionamento do curso, a grade
curricular, o perfil e atuação do profissional na área.
O apoio continua ao longo do curso, procurando dar condições
para que o indígena se mantenha na universidade. A permanência ainda é um
desafio que se estende durante toda a graduação, segundo Isabel Rodrigues. O
choque cultural, o preconceito e as carências acumuladas desde o ensino básico são
dificuldades reais que estão no relato de muitos universitários indígenas.
Desafios a serem
vencidos - Não foi diferente com Virlei. Ele relembra, com uma pitada de
humor, quando o professor lhe perguntou, em um dos primeiros dias de aula, o
que era DNA. Na ocasião, para ele DNA estava relacionado com teste de
paternidade. Nada além. Quando o professor começou a falar, um novo mundo se
abriu e uma pontinha de dúvida nasceu. “Percebi que tinha deficiências de
aprendizagem trazidas do ensino médio e me questionei se daria conta da
empreitada que teria pela frente”. Outros tantos desafios tiveram que ser
vencidos. Inclusive o do preconceito, que por vezes era velado, outras declarado.
“Meu objetivo foi mais forte do que tudo isso”, responde imediatamente quando lhe
é perguntado sobre o que o motivou a continuar no curso.
Virlei também reconhece que contou com apoios valiosos e
fundamentais. Cita, por exemplo, o acompanhamento da equipe da Cuia, em
especial da professora Isabel Rodrigues. Também ressalta o papel de dois
colegas de turma que, voluntariamente, se dispuseram a estudar junto, ensinando
conceitos básicos aos quais ele não teve acesso nas escolas que frequentou. Foi
uma espécie de monitoria informal, movida pela boa vontade dos colegas.
Monitoria indígena - Baseado nessa experiência, Virlei
defende um programa institucional de monitoria indígena na UEM, diferente do modelo
existente, que além de atender questões de língua portuguesa, matemática,
biologia e introdução à informática, seja proporcionado por docentes e
monitores dos cursos que tenham indígenas matriculados, considerando as
especificidades desse público. Para o
novo médico, esta poderia ser uma ferramenta importante para garantir a
permanência na universidade.
O coordenador do curso de Medicina da UEM, professor Carlos
Edmundo Fontes, atesta que a presença de um indígena na graduação foi
enriquecedora à medida que impôs, nas ações cotidianas, o reconhecimento e o
respeito à diversidade. Sem negar que houve dificuldades de relacionamento e
atitudes discriminatórias, Carlos Edmundo destaca a experiência como uma oportunidade
de aprimoramento de ações mais inclusivas, ampliando os espaços para as
minorias étnicas.
O coordenador do curso também destaca o esforço de Virlei,
que apesar de todos os obstáculos, conquistou seu objetivo. “Ele não teve
facilidades e precisou comprovar as mesmas competências que seus colegas de
turma para ser aprovado”, diz. Para Carlos Edmundo, Virlei está saindo do curso
bem diferente de quando entrou. “Hoje ele é uma pessoa bem mais segura e
madura”, opina.
Analisando o papel da educação superior para os indígenas, Isabel
Rodrigues entende que a inserção dessa população muitas vezes implica mudanças
de hábitos, de práticas e de metodologias pedagógicas, uma vez que só a
garantia de vagas não dá conta da complexidade da questão.
Nesse sentido, a coordenadora da Cuia, defende, por exemplo,
a necessidade de adequar os instrumentos como melhor forma de avaliação da capacidade
dos alunos indígenas. Não se trata de privilégios, apenas de respeito às
especificidades étnicas e culturais próprias, segundo a professora. “Um aluno indígena quieto e pouco participativo em sala de
aula é tratado, muitas vezes, como desinteressado. Esse pensamento denota uma
ausência de conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil, em vários
aspectos, inclusive no relacionado às questões psicopedagógicas, como por
exemplo, as diferentes formas de interação social dos diversos grupos humanos,
às quais nós, docentes, devemos estar sempre atentos”, opina a professora.
A coordenadora da Cuia também defende a ampliação das vagas
para os indígenas. “Em 2002, quando foi realizado o primeiro Vestibular dos
Povos Indígenas no Paraná, eram 15 vagas e 53 candidatos. No XV Vestibular
Indígena, que será realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na UEL, são 42 vagas
e 517 inscritos. Ou seja, a demanda existe e está aumentando”, justifica.
Caminho de volta
– Virlei faz planos para o futuro. Quer fazer residência na área da Saúde da
Família e então trabalhar com o cuidado à saúde de populações indígenas. Será o
caminho de volta daquele menino que, aos 11 anos sonhava em ser médico. E sua
trajetória acabou servindo de exemplo na própria família. O irmão, Marcos
Aguiar Primo, também ingressou na UEM está prestes a se formar em Educação
Física. Além disso, o pai, Virlei Primo, é acadêmico no segundo ano de
História.
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Um comentário:
Sinto uma grande alegria com a conquista do Dr. Virlei. Nestes anos como docente e particularmente nos 6 anos em que atuei como vice-coordenador e coordenador do Curso de Medicina, testemunhei a dedicação e perseverança dele em busca do objetivo de formar-se médico. O caminho foi duro e longo mas tenho certeza que a UEM entrega à sociedade um profissional bem formado e capaz de contribuir na transformação da realidade de saúde do Brasil, em especial a Saúde Indígena.
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