quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Inclusão na Universidade



UEM forma primeiro médico indígena
Virlei Primo Júnior, primeiro médico indígenaO sonho de ser médico foi acalentado desde os 11 anos de idade. Porém, nem a previsão mais otimista diria que Virlei Primo Júnior, indígena pertencente à etnia Guarani Nhandewa, oriundo da Terra Indígena Laranjinha, no município paranaense de Santa Amélia, receberia o diploma de curso de Medicina. Hoje, aos 31 anos, o sonho se concretizou. Virlei é o primeiro médico indígena a se graduar pela Universidade Estadual de Maringá e, nesta quinta-feira, dia 26, será um dos formandos na solenidade de antecipação de colação de grau para o curso de Medicina. A cerimônia terá a presença de Mário Raulino Sampaio, liderança indígena na Terra Yvy Porá, entre os municípios paranaenses de Santa Amélia e Abatiá. 

Possivelmente, essa história não teria os mesmos ingredientes sem a Lei Estadual nº 13.134/2001, que possibilitou o acesso de estudantes indígenas ao ensino superior. A Lei determina a reserva de vagas nas universidades estaduais paranaenses para serem disputadas entre os integrantes das sociedades indígenas do Estado. Atualmente, cada universidade estadual oferece seis vagas, todas sobressalentes, ou seja, não são retiradas daquelas regulares oferecidas nos cursos. Os candidatos passam por um vestibular específico para ingresso na instituição escolhida. O primeiro vestibular foi realizado em 2002. 

Isabel Cristina Rodrigues, coordenadora da Comissão na UEM e presidente da Cuia Estadual no ParanáCuia oferece apoio - De lá pra cá, a UEM já formou doze alunos indígenas e outros 27 estão matriculados em diferentes cursos que a Universidade oferece. Os acadêmicos contam com o apoio da Comissão Universidade dos Índios (Cuia), órgão criado em 2005, que tem como função desenvolver as ações de seleção e acompanhamento dos estudantes. Isabel Cristina Rodrigues, atual coordenadora da Comissão na UEM e presidente da Cuia Estadual no Paraná, explica que o acompanhamento se dá de várias formas. A começar pela orientação na escolha do curso que, diferente do vestibular tradicional, não é feita no ato da inscrição e sim no momento da matrícula. Isabel Rodrigues relata que ao inscrever-se, o aluno indica alguns cursos de interesse. O trabalho da Cuia é, além de ouvir a demanda trazida pelos alunos e por suas comunidades, mostrar o funcionamento do curso, a grade curricular, o perfil e atuação do profissional na área. O apoio continua ao longo do curso, procurando dar condições para que o indígena se mantenha na universidade. A permanência ainda é um desafio que se estende durante toda a graduação, segundo Isabel Rodrigues. O choque cultural, o preconceito e as carências acumuladas desde o ensino básico são dificuldades reais que estão no relato de muitos universitários indígenas. 

Desafios a serem vencidos - Não foi diferente com Virlei. Ele relembra, com uma pitada de humor, quando o professor lhe perguntou, em um dos primeiros dias de aula, o que era DNA. Na ocasião, para ele DNA estava relacionado com teste de paternidade. Nada além. Quando o professor começou a falar, um novo mundo se abriu e uma pontinha de dúvida nasceu. “Percebi que tinha deficiências de aprendizagem trazidas do ensino médio e me questionei se daria conta da empreitada que teria pela frente”. Outros tantos desafios tiveram que ser vencidos. Inclusive o do preconceito, que por vezes era velado, outras declarado. “Meu objetivo foi mais forte do que tudo isso”, responde imediatamente quando lhe é perguntado sobre o que o motivou a continuar no curso. Virlei também reconhece que contou com apoios valiosos e fundamentais. Cita, por exemplo, o acompanhamento da equipe da Cuia, em especial da professora Isabel Rodrigues. Também ressalta o papel de dois colegas de turma que, voluntariamente, se dispuseram a estudar junto, ensinando conceitos básicos aos quais ele não teve acesso nas escolas que frequentou. Foi uma espécie de monitoria informal, movida pela boa vontade dos colegas. 

Monitoria indígena - Baseado nessa experiência, Virlei defende um programa institucional de monitoria indígena na UEM, diferente do modelo existente, que além de atender questões de língua portuguesa, matemática, biologia e introdução à informática, seja proporcionado por docentes e monitores dos cursos que tenham indígenas matriculados, considerando as especificidades desse público. Para o novo médico, esta poderia ser uma ferramenta importante para garantir a permanência na universidade. 

Carlos Edmundo Fontes, coordenador do curso de MedicinaO coordenador do curso de Medicina da UEM, professor Carlos Edmundo Fontes, atesta que a presença de um indígena na graduação foi enriquecedora à medida que impôs, nas ações cotidianas, o reconhecimento e o respeito à diversidade. Sem negar que houve dificuldades de relacionamento e atitudes discriminatórias, Carlos Edmundo destaca a experiência como uma oportunidade de aprimoramento de ações mais inclusivas, ampliando os espaços para as minorias étnicas. O coordenador do curso também destaca o esforço de Virlei, que apesar de todos os obstáculos, conquistou seu objetivo. “Ele não teve facilidades e precisou comprovar as mesmas competências que seus colegas de turma para ser aprovado”, diz. Para Carlos Edmundo, Virlei está saindo do curso bem diferente de quando entrou. “Hoje ele é uma pessoa bem mais segura e madura”, opina. 

Analisando o papel da educação superior para os indígenas, Isabel Rodrigues entende que a inserção dessa população muitas vezes implica mudanças de hábitos, de práticas e de metodologias pedagógicas, uma vez que só a garantia de vagas não dá conta da complexidade da questão. Nesse sentido, a coordenadora da Cuia, defende, por exemplo, a necessidade de adequar os instrumentos como melhor forma de avaliação da capacidade dos alunos indígenas. Não se trata de privilégios, apenas de respeito às especificidades étnicas e culturais próprias, segundo a professora.  “Um aluno indígena quieto e pouco participativo em sala de aula é tratado, muitas vezes, como desinteressado. Esse pensamento denota uma ausência de conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil, em vários aspectos, inclusive no relacionado às questões psicopedagógicas, como por exemplo, as diferentes formas de interação social dos diversos grupos humanos, às quais nós, docentes, devemos estar sempre atentos”, opina a professora. 

A coordenadora da Cuia também defende a ampliação das vagas para os indígenas. “Em 2002, quando foi realizado o primeiro Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná, eram 15 vagas e 53 candidatos. No XV Vestibular Indígena, que será realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na UEL, são 42 vagas e 517 inscritos. Ou seja, a demanda existe e está aumentando”, justifica. 

Caminho de volta – Virlei faz planos para o futuro. Quer fazer residência na área da Saúde da Família e então trabalhar com o cuidado à saúde de populações indígenas. Será o caminho de volta daquele menino que, aos 11 anos sonhava em ser médico. E sua trajetória acabou servindo de exemplo na própria família. O irmão, Marcos Aguiar Primo, também ingressou na UEM está prestes a se formar em Educação Física. Além disso, o pai, Virlei Primo, é acadêmico no segundo ano de História.  

Um comentário:

Roberto disse...

Sinto uma grande alegria com a conquista do Dr. Virlei. Nestes anos como docente e particularmente nos 6 anos em que atuei como vice-coordenador e coordenador do Curso de Medicina, testemunhei a dedicação e perseverança dele em busca do objetivo de formar-se médico. O caminho foi duro e longo mas tenho certeza que a UEM entrega à sociedade um profissional bem formado e capaz de contribuir na transformação da realidade de saúde do Brasil, em especial a Saúde Indígena.