MEC merece vivas pela avaliação do ensino superior. E puxões de orelha
Em artigo da edição de VEJA desta semana, o colunista analisa o sistema federal de acompanhamento de instituições e cursos
Claudio de Moura Castro
Saiu a nova avaliação do ensino superior. Vários vivas para o MEC, mas,
também, puxões de orelha. Ambos merecidos. Vivas pela consolidação de
um sistema ousado, único no mundo e combatido pelas hostes do atraso,
inclusive dentro do MEC. É um sobrevivente, sofreu escoriações, mas
também teve reparos. Todos ficam sabendo quem é quem: ele mata a onça e
mostra o pau. Desta vez, a justiça é mais cega: puxões de orelha também
para os cursos fracos da rede pública. E por que não? Outro avanço: a
“dosimetria” das penalidades é graduada, leve para alguns e truculenta
para os grandes pecadores. Até aqui, maravilha. O problema é ser muito
fácil derrapar nos meandros da teoria estatística. O maior enguiço é no
entendimento errado da curva descoberta pelo matemático Gauss. Como
muitos fenômenos estatísticos se distribuem na forma de um sino, na
avaliação é comum e correto dispor os dados na curva e dar notas a cada
um de acordo com o ponto dela em que estejam. Quem ficou na cauda
direita ganha a nota máxima. Vai a mínima para os da cauda esquerda.
"O MEC não pode dizer que os cursos
com piores notas são ruins, nem se pioraram.
Mas pode considerá-los sob suspeição"
Mas é preciso saber o que não dizem os resultados. Imaginemos que o MEC
tivesse sob sua tutela as dez melhores universidades do mundo. Sendo a
melhor, Harvard ganharia 5. E seria dada nota 2 para Berkeley, pois é a
penúltima. O MEC iria proibi-la de fazer vestibular. Mas, vejam só,
Berkeley é a melhor universidade pública do mundo! Onde está o erro?
Muito simples, está na diferença entre ruim e pior. Pior é um relativo,
ruim um absoluto. Berkeley é pior do que oito, mas é excelente. Nossa
avaliação não permite dizer se é ruim ou boa, apenas compara cursos.
Quem acertou menos ganha nota pior. São fracos só na comparação com os
outros. E, pela regra, a proporção com nota ruim será sempre a mesma.
Sabemos quais são os nossos piores cursos. Mas, para saber se são ruins,
precisaríamos definir o que os graduados de cada área devem dominar
minimamente. O exame da OAB é concebido assim (em que pese sua pouca
transparência). Mas nas provas do Enade isso jamais foi feito, pois um
grupo de professores redige as questões pela sua cabeça. Vejam o dilema:
nas licenciaturas de matemática, as médias de acerto são baixíssimas.
Só que não sabemos se os cursos são fracos, se os alunos são
despreparados ou se quem formulou as questões tinha expectativas
irrealistas. Pela mesma razão, ao contrário da Prova Brasil, os testes
não são comparáveis de ano a ano. Portanto, não podemos dizer se algum
curso melhorou, sabemos apenas se passou na frente de outros. No curto
prazo, essas limitações das provas são incontornáveis. Portanto, o MEC
não pode dizer que os cursos com piores notas são ruins, nem se
pioraram, como vem fazendo. Mas pode e deve considerá-los sob suspeição,
justificando uma investigação individualizada.
(Thinstock/Digital Vision)
Um tropeço desnecessário é o uso de um indicador composto, somando o
que o graduado sabe (o Enade) com o número de doutores e mestres, a
proporção em tempo integral e a opinião dos alunos sobre assuntos que
desconhecem. O argumento é muito simples: os alunos aprenderam? Tiraram
boas notas na prova? Então, o curso é bom. Se consegue resultados sem
doutores, qual é o problema? Na verdade, não há correlação entre tais
indicadores e o que os alunos aprendem. O que o indicador composto (IGC)
faz é tão somente penalizar aqueles cursos privados cujos alunos
aprendem o mesmo mas não têm recursos para pagar doutores em tempo
integral (cuja contribuição é incerta).
Por último, há uma diferença essencial entre o que o aluno sai sabendo e
o que o curso forneceu para a sua formação (o chamado valor
adicionado). Sabe-se que 80% do desempenho no Enade é estatisticamente
explicado pelo que o aluno já sabia ao entrar no superior. Se o MEC quer
punir cursos fracos — e deve fazê-lo —, cabe puxar as orelhas daqueles
cujos alunos sabem menos porque eram fracos ao entrar? Ou dos cursos em
que os alunos aprenderam pouco? Não são os mesmos! Esses breves
comentários não fazem justiça à complexidade técnica do assunto. A
avaliação é um instrumento precioso e é feita com boa técnica. O ensaio
apenas alerta para os perigos de que ela seja mal-usada.
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