sábado, 26 de novembro de 2011

Comentário sobre ‘Well prepared for work? Junior doctors' self-assessment after medical education‘

Eu estava preparando esta postagem para o blog quando vi que o Roberto já tinha postado o abstract sobre este artigo aqui.

Vou aproveitar então para traduzir o resumo e apontar alguns pontos que me chamaram a atenção na leitura do artigo. Vamos ao resumo – que é, segundo o site, ainda provisório:

Introdução
Além dos resultados de exames objetivos, o sentimento geral de prontidão é importante para um processo bem-sucedido de transição do papel de estudante para o de um médico qualificado. Este estudo analisa a associação entre as deficiências auto-avaliadas em habilidades e conhecimentos médicos e o sentimento de prontidão de médicos iniciantes, de modo a determinar quais aspectos da educação médica devem ser abordados com mais detalhes, de modo a melhorar a qualidade desta fase de transição e aumentar a segurança do paciente.

Método
Um grupo de 637 médicos com até dois anos de experiência de trabalho clínico foi incluído nesta análise e perguntado sobre o sentimento geral a respeito de deficiências na prontidão, além de realizar uma auto-avaliação sobre conhecimento e habilidades clínicas. Três modelos de regressão logística foram utilizados para identificar habilidades médicas que predizem o sentimento de prontidão.

Resultados
Ao todo, cerca de 60% dos médicos participantes sentiram-se mal preparados para trabalhar após a graduação. A auto-avaliação sobre déficits na interpretação de ECG (aOR: 4,39; IC 95%: 2,012-9,578), tratamento e planejamento terapêutico (aOR: 3,42; IC 95%: 1,366-8,555), e intubação (aOR: 2,10; IC 95%: 1,092-4,049) apresentaram-se associados de forma independente com o sentimento geral de prontidão no modelo de regressão final.

Conclusões
Muitos médicos iniciantes na Alemanha sentiram-se inadequadamente preparados para a profissão. Com relação ao conteúdo dos currículos médicos, nossos resultados mostram que uma maior ênfase na interpretação de ECG, tratamento e planejamento terapêutico e intubação é necessária para melhorar o sentimento de prontidão dos médicos formados.

Em primeiro lugar, quero chamar a atenção sobre como um estudo interessante e com relevância pode ser simples. A metodologia deste estudo não tem grandes mistérios ou métodos – embora envolva domínio de técnicas estatísticas básicas e uma grande amostra.

Em segundo lugar, quero apontar para algo que os autores escolheram não ressaltar. No estudo, os médicos recém-formados deveriam marcar, para cada item de habilidade ou conhecimento, a frequência que percebiam déficits neles, ou registrá-los como ‘não-relevantes’. Estas respostas não foram incluídas na análise estatística do estudo. Vejam a pequena tabela a seguir, que apresenta os itens por ordem decrescente de ‘irrelevância’. Ela foi montada a partir da tabela 3 do artigo original.


Habilidade/conhecimento

n

%

intubação

164

(25,7%)

aconselhamento médico

123

(19,3%)

ressuscitação cardiopulmonar

107

(16,8%)

medicina social e de reabilitação

94

(14,8%)

documentação e controle de qualidade

50

(7,8%)

interpretação de ECG

32

(5,0%)

tratamento e planejamento terapêutico

29

(4,6%)

interpretação de raios X

22

(3,5%)

higiene

18

(2,8 %)

análise laboratorial

12

(1,9%)

exame físico

10

(1,6 %)

anamnese

7

(1,1 %)

tratamento do paciente

6

(0,9 %)

farmacoterapia

4

(0,6%)

diagnóstico diferencial

2

(0,3%)



Embora já seja bastante preocupante o número de sujeitos que consideraram que intubação (25,7%) e ressuscitação (16,8%) são irrelevantes, pelo menos o não domínio destes itens se mostrou univariadamente associado com a sensação do sujeito de não estar preparado (vide tabela 3). O que mais me chamou a atenção foi o quanto duas habilidades de natureza psicossocial foram considerados não relevantes pelos sujeitos: aconselhamento médico (19,3%) e medicina social e de reabilitação (14,8%). Além disso, no caso da habilidade/conhecimento sobre medicina social e de reabilitação não houve associação à autoavaliação de não-prontidão (tabela 3). Pior: esta habilidade também foi um dos itens onde também houve mais relato de deficiência (28,2%; vide tabela 3).

Será que estes resultados têm algo a ver com alguns dos problemas que têm sido apontados na Medicina convencional – como, por exemplo, excesso no componente biomédico? Será que isso tem alguma coisa a ver com o desinteresse, no mundo todo, por modalidades de cuidado em atenção primária? Ficam as perguntas para refletirmos.

2 comentários:

Roberto disse...

Excelente! Tófoli fez um resumo dos pontos-chave do artigo e deixa uma provocação aos leitores.
Quem tiver interesse em ler o artigo, temos um link para o .pdf na mensagem anterior "Avaliação de egressos".

Iêda Aleluia disse...

Gostei bastante do artigo e do comentário. Acho que irei discutir isto com os monitores e colegas.