Luis F. Tófoli
Sobra confiança, falta interação
Estudo em 39 países revela que a principal causa de insatisfação entre pacientes e médicos é a falta de diálogo. No Brasil, três em cada quatro pacientes confiam em seus médicos, mas muitos se queixam de não poder perguntar.
Uma relação que é baseada na confiança mas, ao mesmo tempo, na mágoa de um dos lados com a indiferença do outro. O que poderia parecer um típico drama conjugal não é. Na verdade, esta é uma das principais conclusões da pesquisa Relação Médico-Paciente, realizada pelo Ibope Inteligência para mapear o que pensam e o quanto confiam nos profissionais de saúde aqueles que deles dependem.
O estudo, que ouviu 2.002 pessoas no País, de todas as classes sociais e com idade a partir de 16 anos, mostra que cresce a confiança dos brasileiros nos seus médicos. Hoje, três em cada quatro pacientes (76% do total) acreditam que este profissional é capaz de lhe manter saudável e seguem suas determinações à risca. Há um ano, este índice era de 70%.
Os pacientes brasileiros também apontaram o tratamento respeitoso como a maior das qualidades do médico durante sua última consulta. Outros pontos positivos destacados foram o uso de uma linguagem adequada, de fácil entendimento, e a atenção demonstrada.
Oitenta e oito por cento dos entrevistados aprovaram o atendimento que receberam e o índice de pacientes que recomendariam este médico a um parente ou amigo foi de 8,3 (num máximo de 10), o que é considerado alto pelos pesquisadores.
Do outro lado
O problema se dá realmente quando o assunto é a livre expressão de quem está do outro lado do jaleco. O principal motivo de insatisfação levantado pelo estudo foi a ausência de oportunidade do paciente participar durante a consulta. A queixa é que os médicos não os deixam fazer perguntas (ou as desestimulam) nem se envolver no processo.
“Os médicos não nos ouvem. Eles se sentem muito donos da razão”, desabafa o estudante Sávio Souza, um dos que fazem coro com a maioria dos entrevistados pelo Ibope.
“Você não se sente bem acolhido. Eles só fazem o que querem. Outro dia levei minha namorada para o médico, ele olhou para ela e mandou somente fazer um exame. Não prestou atendimento completo. O atendimento por vezes é superficial”, argumenta.
Os itens mais mal avaliados na pesquisa de satisfação dos pacientes foram: “Me incentivou a fazer perguntas”, com 28% de análise Regular/Ruim; “Me envolveu nas decisões, da forma que eu desejava”, com 21% de Regular/Ruim; e, empatados em terceiro lugar com 18%, “Checou para ter certeza de que eu entendi tudo” e “Demonstrou que se importa e que se preocupa”.
Crise de comunicação
Na verdade, os médicos brasileiros não estão sozinhos nesta dificuldade de comunicação. A pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência integra um projeto maior, em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), uma rede global de pesquisa de mercado e informações.
Este macro-estudo foi realizado este ano em 39 países, com 31.577 pessoas que se submeteram a alguma consulta médica nos últimos 12 meses. O que a pesquisa mostrou é que apenas 18% de todos esses entrevistados sentiram que seu médico encorajou-os a fazer uma pergunta durante o atendimento.
Os pesquisadores criaram um mecanismo especial para mesurar o nível de satisfação de interação do paciente com o seu médico chamado Ferramenta de Avaliação de comunicação (CAT, sigla em inglês para Communication Assessment Tool) e o resultado global foi muito baixo: apenas 22% mostraram-se satisfeitos com o diálogo com seus médicos.
O Brasil ocupa o 20º lugar entre os 39 países estudados, com um índice de apenas 23% de aprovação. O campeão é a Irlanda, com 66%. O último da fila é o Paquistão, com 5%, antecedido pelo Peru, com 6%.
ENTENDA A NOTÍCIA
A Ferramenta de Avaliação de Comunicação (Communication Assessment Tool, em Inglês) é um questionário de 15 itens que pede aos participantes que pontuem diferentes dimensões da comunicação e habilidades interpessoais do médico usando uma escala de avaliação de 5 pontos
Um comentário:
Dá o que pensar... Países com muito maior incorporação tecnológica como o Canadá continuam privilegiando a relação médico-paciente. Por aqui, habilidades de comunicação são consideradas inatas e não há a preocupação em desenvolvê-las durante a graduação.
Provocação: os profissionais médicos incluem as habilidades de comunicação no rol de suas necessidades de educação permanente ? Trabalhamos isto na Residência médica?
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