O alerta dado pelo conferencista de abertura da 22ª
Conferência Mundial de Promoção da Saúde está sendo repercutido na
imprensa brasileira – “É na recessão que os governos mais deveriam
investir em saúde”. A jornalista Claudia Colucci repercutiu o aviso
do professor de economia política e sociologia da Universidade de
Oxford, o americano David Stuckler, que fez o alerta, em Curitiba,
sobre o desinvestimento em épocas de menor crescimento coincide com a
volta de epidemias e aumento de casos de suicídio. “O perigo é como os
políticos respondem a isso [recessão]. Quando fazem cortes profundos,
podem transformar adversidades [econômicas] em epidemias”, completou.
Ele explica que, desempregados, os trabalhadores e suas famílias são
desvinculados de planos de saúde privados e há aumento da demanda na
rede pública, que precisa estar preparada. Só lembrando que isso já está
acontecendo por aqui. No último ano, houve uma debandada de 1,4 milhão
de usuários de planos de saúde, a maioria motivada pelo desemprego.
Nesta mesma noite, os participantes da Conferência também ouviram do
pesquisador Paulo Goes, que representou o presidente da Abrasco Gastão
Wagner, outro alerta – “Nos últimos anos, quase metade do arrecadado em
impostos vem sendo gasto com o serviço da dívida interna (processo
intensificado pelo aumento constante de juros pelo Banco Central sob o
pretexto de controle da inflação) e com a isenção fiscal e transferência
direta de recursos públicos para uma não admitida “bolsa empresa”, dois
mecanismos de transferência do orçamento público para grupos econômicos
minoritários e que já controlam grande parte da riqueza nacional”.
E em sua coluna semanal, Colucci, jornalista da Folha de São Paulo, publicou nesta terça-feira, 24 de maio o seguinte artigo:
Vamos imaginar que o Congresso, acatando a proposta do presidente
interino Michel Temer (PMDB), acabe mesmo com as vinculações
constitucionais, como gastos obrigatórios com saúde e educação. Qual o
risco que corremos com essa desvinculação em saúde?
Atualmente, a União é obrigada a aplicar na saúde ao menos o
mesmo valor do ano anterior mais o percentual de variação do PIB
(Produto Interno Bruto). Estados e municípios precisam investir 12% e
15%, respectivamente. Na educação, o governo federal deve gastar 18% do
arrecadado e as outras esferas, 25%.
Na área da saúde, o assunto divide opiniões. Há quem defenda que
mudança decretaria a morte do SUS e há os que pensam que a atual regra
já não garante uma boa aplicação do dinheiro, além de colaborar com a
piora nas contas públicas. É verdade que os países mais desenvolvidos
não costumam vincular o orçamento a gastos fixos, mas há outros tipos de
garantias e fiscalização de modo que áreas prioritárias como saúde e
educação sejam privilegiadas, mesmo em regiões mais pobres, com menos
recursos para investir nessas áreas.
Mas, segundo especialistas, por aqui, a desvinculação pode, de
fato, levar a mais cortes no já combalido SUS e uma descontinuidade nas
políticas públicas, principalmente nos municípios. Todos estão cansados
de saber que, cada vez que há troca de prefeitos, tal como no Jogo da
Amarelinha, as coisas voltam dez casas. Imagine acabando com a
obrigatoriedade do gasto… (…) Estejamos todos preparados: dias piores
virão.
Na edição da Folha de hoje, o jornalista Felipe Maia publicou trechos de uma entrevista concedida por Gastão, na tarde de ontem:
O governo Temer anunciou nesta terça-feira, 24 de maio, que vai
propor mudança nas regras que estabelecem quando dinheiro vai para as
duas áreas (…) Se for aprovada pelo Congresso, a medida vale a partir de
2017 e o reajuste será, assim, a inflação de 2016. Caso a nova regra
implique verba menor que a garantida pela fórmula antiga, ainda será
possível aumenta-la, mas, para isso, será preciso cortar outras
despesas.
“Vamos fazer política, pressionar senadores, deputados e o governo
para que as regras se mantenham”, diz o médico Gastão Wagner Campos,
presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Ele
classifica os cortes como “inócuos do ponto de vista econômico e iníquos
para o social”. “O que pretende o ministro da Fazenda é impedir que se
mantenha o padrão de gasto de 2014 e, pior, reduzi-lo a um valor que
inviabilizará completamente o atendimento à saúde da população”, disse
em nota o Conselho Nacional de Saúde.
Campos diz que não há espaço para cortes de orçamento do setor, mas
cita exemplos de áreas em que o uso dos recursos pode ser mais
eficiente. Caso dos ocupantes de cargos comissionados na direção de
unidades básicas de saúde e outros cargos de gestão do SUS que costumam
seguir indicações políticas, o que não permite continuidade ou ações de
longo prazo. Ele diz também que é necessário que União, Estados e
municípios integrem melhor os bancos de dados e suas ações.
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