Crise no jornalismo estimula aumento de blogs científicos
Elton Alisson - Agência FAPESP
A crise pela qual passa o jornalismo mundial,
causada em parte pela convergência para novas plataformas digitais, tem
afetado a cobertura jornalística de ciência e estimulado o surgimento
de blogs científicos em diversos países, inclusive no Brasil.
A avaliação foi feita por Juliana Santos Botelho, pesquisadora e
coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Científica (CCC/Cedecom) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um painel sobre o uso
de mídias sociais na comunicação da ciência durante a 13th International Public Communication of Science and Technology (PCST), realizada entre os dias 5 e 8 de maio em Salvador, na Bahia.
Com o tema central “Divulgação da ciência para a inclusão social e o
engajamento político”, o encontro ocorreu pela primeira vez na América
Latina e reuniu pesquisadores de mais de 50 países para debater práticas
e estratégias de comunicação e divulgação científica adotadas em
diferentes partes do globo.
“Há um crescimento do número de blogs de ciências no mundo,
especialmente nos países que falam inglês, e a crise no jornalismo
mundial tem contribuído para esse aumento”, disse Botelho, que também
mantém, o blog Diálogos com Ciência e realizou um estudo sobre 150 blogs no Brasil.
De acordo com dados apresentados pela pesquisadora, a crise no
jornalismo mundial tem causado um alto número de demissões em massa e a
redução do número de jornalistas em atuação nas redações dos grandes
veículos de imprensa em todo o mundo, incluindo os do Brasil.
Uma das principais consequências desse processo, na avaliação dela, é
um número cada vez menor de jornalistas cobrindo um número cada vez
maior de assuntos.
Em razão disso, a cobertura de ciência nos grandes veículos perdeu
espaço editorial nas páginas dos grandes jornais e no noticiário das
emissoras de rádio e de televisão.
“Essas mudanças têm causado impactos na cobertura de ciência feita
pelos grandes veículos de comunicação, em termos de qualidade, em todo o
mundo”, avaliou Botelho.
De acordo com a pesquisadora, outra consequência sensível do impacto
da crise do jornalismo na comunicação da ciência é a homogeneização cada
vez maior da cobertura jornalística do assunto.
Com a redução do número de jornalistas nas redações, os veículos de
comunicação de diversos países têm recorrido cada vez mais a materiais
jornalísticos padronizados sobre ciência produzidos por agências de
notícias internacionais, apontou Botelho.
O problema é que os veículos recebem o mesmo tipo de material que
seus concorrentes, que também compram das agências de notícias, e fazem
pequenas adaptações.
Na maioria das vezes, as matérias sobre ciência produzidas pelas
agências de notícias internacionais são relacionadas à produção
científica de países do hemisfério Norte, ressaltou Botelho.
“Os pesquisadores brasileiros não aparecem na maior parte das
matérias sobre pesquisas científicas publicadas no Brasil, por exemplo.
E, quando aparecem nas notícias sobre ciência, é para comentar os
resultados de estudos que foram publicados por pesquisadores de países
do hemisfério Norte”, avaliou.
Crescimento dos blogs
A fim de suplantar a perda de espaço editorial dedicado à ciência,
especialmente na mídia impressa, e aumentar a divulgação de resultados
de pesquisas realizadas por cientistas brasileiros, tem aumentado o
número de blogs de ciência no Brasil, apontou Botelho.
O número de blogs de ciência brasileiros, contudo, ainda é bem menor
do que o número de blogs nos Estados Unidos e na Europa. E as políticas
editoriais para os blogs ainda são muito incipientes no Brasil, destacou
a pesquisadora.
“No Brasil não temos políticas editoriais muito estruturadas para
blogs em geral e para os blogs científicos como as implementadas por
veículos de imprensa e instituições universitárias de países como os
Estados Unidos e Reino Unido”, comparou Botelho.
Segundo a pesquisadora, alguns veículos de comunicação têm optado por
cientistas (ou pessoas de outras áreas que nunca tinham usado blogs)
para serem seus blogueiros colaboradores.
Outras especificidades dos blogs de ciência brasileiros, de acordo
com Botelho, é que eles são bastante independentes. Em sua maioria, não
estão ligados a empresas de comunicação ou instituições.
O volume de notícias publicadas pelos blogs científicos brasileiros
presentes nos veículos de comunicação também é menor do que o de outros
blogs independentes no país. A publicação nos blogs da imprensa é
constante, mas não é muito frequente. O que mais chama a atenção da
pesquisadora nos blogs de ciência no Brasil, contudo, é a falta de
interatividade.
“Isso pode ser uma característica cultural do Brasil”, avaliou
Botelho. “Geralmente as pessoas se sentem mais à vontade para postar
seus comentários em redes sociais, como o Facebook e o Twitter, mas não
nos blogs”, disse Botelho.
A pesquisadora ressaltou, no entanto, que, apesar da importância dos
blogs científicos para aumentar a difusão da comunicação de ciência,
eles não devem substituir a cobertura jornalística de ciência pelas
mídias tradicionais, como jornal, rádio e televisão.
Isso porque esses meios de comunicação já possuem público cativo e
abordam assuntos científicos com maior frequência do que os blogs
científicos, apontou Botelho.
“Os blogs científicos possuem um papel muito importante de
experimentação de novos formatos de publicação e de estilos de escrita.
Mas não devem, de forma alguma, substituir a cobertura jornalística
sobre ciência e sim complementá-la”, afirmou.
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