Falta consistência ao programa Mais Médicos, diz brasileiro da OMS
CLÁUDIA COLLUCCI - SÃO PAULO
O brasileiro Mario Roberto Dal Poz, 62, que coordenou por dez anos a
área de recursos humanos em saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde),
afirma que a vinda de médicos estrangeiros é "uma medida de curto prazo
que não se sustenta".
O Canadá e a Austrália, por exemplo, oferecem um pacote de benefícios
que inclui busca por emprego para o cônjuge do médico (a), suporte
escolar para os filhos, suporte psicológico e social, rede de apoio e
sistemas de supervisão à distância. A seguir, trechos da entrevista à Folha.
Folha - A chegada dos médicos cubanos acirrou ainda mais o embate
entre o Ministério da Saúde e os médicos. O sr. vê alguma chance de
acordo?
Mario Roberto Dal Poz - É uma situação muito ruim. Não há ninguém da
área de saúde pública que ache positivo um conflito com o Ministério da
Saúde nesses termos. Ninguém conversa com ninguém. Mas tem um aspecto
positivo na cooperação com Cuba. O programa cubano na área de medicina
de família é muito reconhecido no campo internacional, e é ruim essa
crítica de que os médicos cubanos são mal formados.
A questão é que a vinda dos médicos estrangeiros é uma medida de curto
prazo que não se sustenta. Muitos países que têm esse problema de
déficit de médicos e de desigualdade na distribuição. É uma crise
global.
Por que?
Temos uma crise mundial de falta de médico que só tende a piorar. Os EUA
estão ampliando a cobertura por mecanismo de seguro. Isso vai exigir
mais médicos daqui uns anos. Na Europa, também está crescendo o déficit
de médicos e enfermeiros. A previsão é nos próximos dez anos haverá um
déficit de 1 milhão de médicos.
No Brasil, expandimos os serviços através do SUS e dos planos e saúde
privados, e as pessoas estão demandando mais serviços de saúde.
Em geral, os países industrializados têm mecanismos de regulação médica
muito mais detalhada do que o Brasil tem. Eles determinam um X número de
especialistas que pode entrar nos sistema. A abertura de novas escolas
médicas é muito limitada, muito controlada.
Como são nos países os programas para a fixação de médicos nas regiões distantes?
Um das coisas mais difíceis é a pessoa sair do seu conforto, migrar. E
ela só faz isso quando está certa de que será para melhor. Mas não é só
salário que atrai o médico. Em Manchester [cidade inglesa], por exemplo,
há mais médicos de Malawi [país africano] do que em Malawi. Além de
ótimos salários, eles têm condições para criar os filhos e rede social
de apoio, de proteção.
Os cubanos estão vindo como parte da sua formação, eles têm uma carreira que inclui trabalho no exterior.
A Austrália tem uma experiência muito interessante de contratação de
médicos rurais, que também envolve médicos de outros países. Parte do
programa inclui buscar emprego para o marido ou a mulher, suporte
escolar para os filhos, suporte psicológico e social, rede de apoio,
sistemas de supervisão à distância, internet. A mesma coisa acontece no
Canadá.
Todos os programas de sucesso têm quatro componentes: o primeiro é a
formação, buscam médicos que provêm de áreas rurais ou que estudaram em
escolas rurais.
O segundo elemento é a regulação. Às vezes, são subsidiadas certas
especialidades que não são tão atrativas quanto outras. O terceiro
elemento são incentivos econômicos, condições de trabalho, equipamentos,
tecnologia. O quarto elemento envolve programas de apoio profissional e
pessoal, supervisão e medidas que tenham reconhecimento público. Na
Tailândia, o rei promove um encontro e premia os dez melhores médicos
rurais.
Como o sr. avalia o programa "Mais Médicos"?
Não há um conjunto de medidas, de intervenções que deem sustentabilidade
ao programa. Nem no tipo de contrato, que não prevê direitos
trabalhistas.
Precisamos mesmo de tantos médicos? As enfermeiras não poderiam estar ocupando funções reservadas hoje ao médico, como o parto?
É importante ter médico, mas não só medico. E têm lugares que talvez nem
precisasse de médicos, bastaria um outro profissional qualificado,
dependendo do que precisa ser feito. Essa é uma discussão que também
precisa ocorrer. Para fazer promoção de saúde, o médico não é
necessariamente o melhor.
Em vários outros países, o médico é reservado para funções mais nobres.
Nos países nórdicos o parto normal não é feito pelos médicos. Você tem
parteira de nível técnico ou superior fazendo isso. Será que não
deveríamos discutir essas coisas no Brasil?
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