Transformando a comunicação científica
Editor da revista PLoS One fala sobre como os critérios inovadores de publicação do periódico estão modificando a forma como as pesquisas são divulgadas e avaliadas
Karina Toledo
Tornar os resultados das pesquisas realizadas
acessíveis ao maior número de pessoas – no menor tempo possível – e
deixar a comunidade científica julgar a relevância do artigo após sua
publicação. Essa ideia inovadora norteou a criação da revista PLoS One, em 2006, e vem transformando a comunicação científica em todo o mundo.
A avaliação foi feita por Eric Martens, editor sênior do periódico,
durante conferência apresentada na 28ª Reunião Anual da Federação de
Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Caxambu (MG)
entre os dias 21 e 24 de agosto.
De acordo com Martens, em 2012 a PLoS One publicou 24 mil
artigos, com uma taxa de aceitação de 70%. Em média, 200 submissões são
recebidas e 140 trabalhos são publicados diariamente.
“Enquanto muitas revistas rejeitam até 90% dos artigos submetidos para elevar seu fator de impacto, a PLoS One
tem uma filosofia única: todas as pesquisas consistentes do ponto de
vista ético e científico, que contribuem de alguma forma para o
conhecimento de uma determinada área, devem ser publicadas e ter acesso
livre. Não rejeitamos um artigo com base em seu suposto impacto”, disse
Martens.
Como a PLoS One se propõe a divulgar pesquisas de todos os
campos da ciência e da medicina, não há risco de um artigo, fruto de
trabalho interdisciplinar, ser rejeitado por não se encaixar no escopo
de uma determinada área de estudo. Também são bem-vindas as pesquisas
com resultados negativos, ou seja, que não comprovam a hipótese
inicialmente proposta.
“Há áreas com poucas opções de periódicos de acesso livre, como Paleontologia. A PLoS One é uma boa opção nesses casos”, disse Martens.
O editor, no entanto, ressalta que há critérios que precisam ser
atendidos para o trabalho ser aceito. Além de não ter sido publicado
anteriormente e de apresentar um conhecimento novo para a área, precisa
contar com experimentos, estatísticas e análises de alto nível técnico.
Todos os dados devem ser descritos com um grau de detalhamento que
permita sua reprodução por qualquer interessado.
As conclusões devem estar apresentadas de forma adequada e serem
amparadas pelos dados obtidos nos experimentos e análises. O artigo
precisa estar escrito de forma inteligível, de acordo com o padrão da
língua inglesa. A pesquisa deve seguir o padrão internacional de ética e
de integridade em pesquisa.
Segundo Martens, os motivos para a rejeição de um artigo na PLoS One
geralmente estão relacionados a problemas fundamentais de metodologia
ou de interpretação dos resultados. “Fatores como experimentos mal
desenhados, amostras insuficientes, falta de força estatística nos
resultados ou técnica inapropriada de análise”, exemplificou.
Além da equipe da revista, participam do processo de revisão – que
dura em média 40 dias – os chamados editores acadêmicos, especialistas
de diversas áreas que atuam como colaboradores fixos. Eles decidem se há
ou não necessidade de revisores externos.
“Para garantir a transparência do processo, a carta de aceitação ou
rejeição de um artigo é sempre assinada pelo editor acadêmico
responsável e essa informação também é publicada. Os revisores externos
também são encorajados a assinar a avaliação”, contou Martens.
O modelo de julgamento com base na consistência da pesquisa e não no
seu impacto tem se mostrado bem-sucedido, na avaliação de Martens. Mas
há, segundo ele, uma série de ferramentas cruciais para que funcione. O
site da revista oferece, por exemplo, uma seção de comentários e uma
série de indicadores que revelam quantas vezes o artigo foi acessado e
citado, com gráficos que mostram sua evolução ao longo do tempo.
Além disso, o alcance do trabalho entre o público geral é medido pelo
número de vezes que ele foi compartilhado em blogs e redes sociais.
“Acreditamos que esse modelo de métrica individual seja uma boa
alternativa ao modelo de fator de impacto baseado na revista. Isso está
mudando a forma como as pessoas pensam e avaliam a pesquisa científica”,
avaliou.
O problema com o conceito de fator de impacto, segundo Martens, é o
fato de estar baseado na média do número de citações que os artigos de
uma revista receberam em um determinado período – o que mascara as
variações existentes dentro de cada periódico.
“A Nature, por exemplo, tem um fator de impacto superior a 30.
Mas se você analisa a distribuição das citações da revista verá que é
altamente variável. Há alguns artigos que tiveram muito impacto e são
citados até hoje, como o do Projeto Genoma Humano. E há outros que foram
citados apenas uma ou duas vezes ao longo de sua história”, afirmou.
Modelo de sucesso
Para que um periódico seja considerado verdadeiramente de acesso livre (open access),
dois critérios precisam ser atendidos: o conteúdo precisa estar
disponível gratuitamente na internet, sem exigência de cadastro ou
assinatura, e os leitores devem ter permissão do copyright para republicar ou reusar o conteúdo como quiserem. A única condição é a atribuição do trabalho aos autores e editores.
Na avaliação de Martens, esse modelo tem se mostrado bem-sucedido e
está crescendo rapidamente, impulsionado principalmente por instituições
como a Comissão Europeia, os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido, o
National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, e a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“Esses órgãos determinaram que toda a pesquisa que financiam deve ser
de acesso livre. Algumas importantes universidades também já adotaram
políticas para incentivar a prática, como Harvard, Columbia, Duke,
Princeton, Stanford e MIT [Massachusetts Institute of Technology]”, disse.
Martens, no entanto, reconhece que atualmente o custo de publicação
para os que optam pelo modelo “open acess” recai sobre o pesquisador. No
caso da PLoS One, é preciso desembolsar cerca de US$ 1,3 mil
para cada artigo. Nas revistas em que a taxa de rejeição é maior, o
custo de publicação também costuma ser mais elevado.
“Queremos chegar ao ponto em que as instituições que financiam as
pesquisas entendam que tornar seus resultados acessíveis de forma livre é
parte essencial do processo e assumam esse custo”, defendeu.
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