segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ética Médica


SOBRE A EXPOSIÇÃO DE PACIENTES NA MÍDIA: FOTOS, VÍDEOS, ETC.

Helvécio Neves Feitosa – CREMEC 3754
Coordenador da Comissão de Ética Médica do NAMI/UNIFOR


A Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME) do CREMEC vem tendo um trabalho de crescimento exponencial com relação à publicidade médica em desacordo com o que preconiza a Ética Médica, em particular a Resolução N° 1.974/2011 (que atualizou e revogou a Resolução N° 1.701/03), instrumento normativo que estabelece os critérios norteadores da propaganda em Medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o s ensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria, e o próprio Código de Ética Médica (CEM), no capítulo que disciplina a publicidade médica (Capítulo XIII, artigos 111 a 118) e em outros dispositivos do mesmo elenco de normas.

As infrações mais frequentes são fotos de pacientes postadas na Internet, vídeos de procedimentos em sites como o Youtube e congêneres, anúncios profissionais na mídia eletrônica, falada e escrita em desobediência aos ditames da Ética Médica, em geral de conteúdo autopromocional e sensacionalista. Os colegas que assim procedem têm sido frequentemente chamados ao Conselho para orientação e assinatura de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), numa abordagem inicial de caráter pedagógico. A persistência da irregularidade e/ou a gravidade do desvio cometido, têm ensejado à abertura de Sindicâncias, frequentemente seguidas da instalação de PEP (Processo Ético-Prof issional).

O Art. 3º da Resolução N° 1.974/2011 estabelece ser vedado ao médico: (...) g) Expor a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo, ressalvado o disposto no art. 10 desta resolução. O artigo 10 da dita Resolução estabelece que: Nos trabalhos e eventos científicos em que a exposição de figura de paciente for imprescindível, o médico deverá obter prévia autorização expressa do mesmo ou de seu representante legal.

O CEM estabelece, no Capítulo IX, que trata do Sigilo Profissional, ser vedado ao médicoArt. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em gera l, mesmo com autorização do paciente(grifo nosso).

Para médicos no exercício da docência, convém observar a vedação estabelecida no Art. 110: Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado(grifos nossos).

Há vários aspectos a serem considerados no Art. 110 do CEM. O primeiro deles é a validade do consentimento, nomeadamente ao se cotejar as condições de saúde, culturais e socioeconômicas de quem está consentindo. Aí entra a importância da compreensão do que seja o conceito de vulnerabilidade, que de acordo com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (a qual estabelece as Diretrizes e Normas Reguladoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humano), refere-se a estado de pessoas ou grupos, que por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido. Portanto, previamente à obtenção do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) devemos nos questionar: será que um paciente atendido no SUS, em situação de emergência (ou não), está preenchendo as condições de exercício da autonomia plena (ou autodeterminação), a tornar um TCLE eticamente válido?  O mesmo instrumento normativo orienta-nos sobre o conceito de incapacidade: Refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capacidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislaçã o brasileira vigente e nos alerta que: A eticidade da pesquisa implica em: a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes ( autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-lo em sua dignidade, respeitá-lo em sua autonomia e defendê-lo em sua vulnerabilidade (...).

Outro aspecto relevante a ser considerado é o entendimento do conceito de dignidade, termo mais bem definido na esfera da Filosofia, como sendo um valor moral e espiritual inerente à pessoa, a todo ser humano, sendo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se num dos princípios máximos do Estado Democrático de Direito. De fato, a nossa atual Carta Magna, em seu Art. 1º, ao instituir que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, estabelece em seu inciso III a dignidade da pessoa hu mana como um dos seus fundamentos. 

Na esfera filosófica, a sua formulação clássica foi estabelecida por Immanuel Kant, na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, ao defender que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos), o que se extrai da formulação do seguinte princípio: “No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por uma equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. Em suma, a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, simplesmente por pertencer à espécie Homo sapiens.

Expor imagens de pacientes (por meio de fotos, vídeos, etc.), com ou sem consentimento livre (???) e esclarecido é ferir a sua dignidade, com implicações éticas e legais. De fato, na vertente legal, a Constituição Federal estabelece em seu Art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”(...).

A Comissão de Ética Médica do NAMI/UNIFOR tem como uma de suas atribuições, exercer função pedagógica no sentido de alertar os colegas com relação às implicações éticas e legais de exposição de pacientes no exercício da docência, em anúncios, redes sociais, publicações, eventos científicos e outros.

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