Rede entrevista James Macinko
James Macinko é um investigador dos serviços de saúde com foco na atenção primária à saúde. Desde 2003 ele trabalha como professor assistente de saúde pública de New York Sua pesquisa se concentra na avaliação do impacto das reformas e mudanças na política de saúde, desenvolvendo instrumentos para avaliar o desempenho dos cuidados primários, e explorar o vasto papel dos sistemas de saúde e serviços na produção e potencial redução das disparidades globais de saúde. Sua experiência de campo inclui a avaliação dos programas de atenção primária à saúde e políticas na América Latina e no Caribe; avaliação dos programas de desenvolvimento da micr oempresa na África e na América Latina, a assistência da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional e da Organização Mundial da Saúde para desenvolver indicadores para avaliar a prevenção de doenças infecciosas e programas de controle na África Subsaariana, a monitorização das eleições de coordenação na Etiópia, e trabalhando com as comunidades latinas, em Washington DC, Filadélfia e Nova York, para identificar e eliminar as barreiras aos cuidados de saúde primários.
Quais são os aspectos que você considera positivos e negativos ou que poderiam ser aprimorados no sistema único de saúde brasileiro?
A pergunta é importante e muito abrangente. Para mim, sobretudo alguém que vem dos EUA onde não temos sistema único de saúde, não temos o SUS. Para mim, a existência do SUS é uma coisa que me inspira muito. Todo o processo de desenvolvimento do SUS, todo processo de participação social, na criação e na construção contínua do SUS. Acho que é uma coisa maravilhosa. É uma reflexão da própria sociedade brasileira que busca uma melhora nas condições de vida e também é uma ênfase na responsabilidade do cidadão, na sua participação e do Estado nos serviços necessários pra que todos possam se desenvolver.
O que você acha importante e que poderia ser aprimorado?
Uma coisa que já vimos em várias pesquisas e que necessitam de debates e apresentações. Não é uma coisa que praticamente deva acontecer somente com o Brasil, mas é essa ênfase que continua nos cuidados agudos e nos cuidados hospitalares. Também há uma grande ênfase nos gastos do SUS que vão para os serviços mais especializados. Acho que com uma melhor distribuição de recursos, poderiam ter melhorias mais importantes pra população do Brasil.
Você acha que com os recursos que já dispõe poderia fazer mais?
Acho que poderiam ser melhor distribuídos. Isso não quer dizer que tenha que acabar com os outros, com certeza, precisa de todos os tipos de serviços. Precisa de um balanço equilibrado.
Quais são os avanços que você vê na área de APS no Brasil?
Bom, como já falei várias vezes, a área de APS no Brasil virou referência mundial. Por quê? Porque tem uma parte forte que é técnica. Se você quer que as pessoas usem uma atenção primária tem que atender os planos que eles têm. Começa com os problemas, por que, de fato, as pessoas procuram os serviços porque tem problemas. Uns com problemas mais sérios outros com problemas mais facilmente atendidos. Mas quando você começa trabalhando com os problemas, você vai aprendendo as necessidades do povo, da comunidade. Essa combinação da possibilidade de atender aos problemas da população e começar trabalhar a gradativamente com outros fatores que afetam a saúde da população por meio das ações comunitárias, nesse aspecto de visitas domiciliares, por exemplo . Eu sonho com uma coisa dessas nos EUA. Muitos americanos se quiserem fazer um exame de controle normal com meu médico de família, às vezes tenho que esperar 3, 4 ou 6 meses mesmo pagando quase 150 dólares por mês para o plano de saúde e o meu empregador na cidade paga ainda mais. É sempre interessante quando se compara o que você tem com o que os outros têm. Todo mundo acha que sua situação é pior, mas, às vezes, quando se compara com outro, não é tão ruim. Então, a APS pela construção da SF pela composição das equipes pela possibilidade de tratar nessa área de Atenção Primária, mas ir além da Atenção Primária e trabalhar mais com os comportamentos da saúde. Acho que isso é que é a coisa mais interessante de ter como modelo.
Para você, qual a importância da APS dentro do contexto sistema de saúde?
Precisa de um sistema de saúde que tenha vários componentes, mas acho que têm várias evidencias que mostram que um sistema de saúde que tem como base a Atenção Primária e que o centro do sistema é a Atenção Primária funciona melhor. Isso não quer dizer que não precise de outros, precisa sim, mas é a própria APS que coordena. Existem vários exemplos, sobretudo na Europa, que mostra que tem melhorias na eficiência, na eficácia e na efetividade do sistema. A própria APS pode funcionar, pode jogar seu papel fundamental. Muitos sistemas de saúde no mundo não deixam que a APS jogue esse papel e, por isso, acho que tem muitas opiniões sobre a validade da APS que vem mais deuma falta de experiência com uma boa APS do que uma crítica de um conceito em si.
Qual a importância que você vê nas metodologias de avaliação nos serviços de sistemas de saúde?
Cada vez que tem um sistema complexo como a organização de um município, como a organização de uma rede eficiente de saúde, não existe uma pessoa ou um grupo de pessoas que possa dar conta de tudo o que acontece. Precisa de informação, precisa de dados, dados concretos para saber onde está e para onde quer ir. Qual é a brecha entre as duas coisas? Isso é a chave da gestão. E também é a chave da ciência que, na minha opinião, esse processo de monitoramento, gestão, avaliação.Isso é uma ciência. É uma ciência porque de fato tem teorias, tem que ser testado, tem que coletar dados, tem experimentos e várias outras abordagens que vem da própria ciência. Por isso que ter mecanismos e ferramentas válidas é fundamental. Não se faria astronomia sem as ferramentas apropriadas. E como chegamos lá? É uma história de um cenário de anos de desenvolvimento das ferramentas apropriadas, as técnicas, as ciências, as medidas e tudo isso. E estamos chegando aí com a área de saúde. Claro que tem uma parte médica que tem um pouco mais tempo de desenvolvimento, mas a parte da avaliação a parte da gestão é uma ciência muito nova. Acho que por agora fazemos o melhor possível com o que já temos. Acho que ferramentas como o PCATool é um avanço porque de um lado foram validados e respondem não a opinião das pessoas, mas refletem numa avaliação da experiência das pessoas que trabalham no sistema e também a dos usuários dos serviços foram validados. Eu também achei em vários países (estava no Uruguai no mês passado) e achamos que as pessoas do parlamento, os médicos, o pessoal da escola de medicina, os alunos e todos entenderam intuitivamente o que queria dizer as medidas do PCATool e essa parte da ciência é validada com um entendimento intuitivo. Eu acho que é a magia que vem desse tipo de ferramenta.
Com a criação da rede de pesquisa criou-se um canal de comunicação e articulação entre os pesquisadores, profissionais e usuários. Na sua opinião qual será a maior contribuição para seus participantes?
Eu acho que é partindo de experiências. O que é mais importante? É claro que tem algumas questões macros como financiamento, avaliação de políticas públicas que são fundamentais, mas, de fato, tem menos dessas questões que questões cotidianas, do dia a dia. Como melhorar a prática, como enfrentar vários problemas operacionais. Então, essa continuidade de aprendizagem, essa continuidade de práticas é fundamental para isso. Dentro da REDE, eu imagino que os cadastrados vão valorizar muito esse conhecimento. Mas acho que precisa de um jeito de sistematizar um pouco, de como compartilhar essas experiências. Acho que já existem algumas outras comunidades de práticas que já sistematizaram um mecanismo de compartilhar experiências. Ao invés de só fazer uma conta às vezes precisa de uma coisa mais sistemática. Eu acho importante que essa REDE tenta ir além da REDE. Já foi dito várias vezes durante esses dias que já somos os crentes... Já cremos nesse sistema. Isso é importante, convencer os outros. Como convencê-los? Exatamente com essas experiências. As experiências pessoais falam muito mais que qualquer pesquisa com quaisquer números. O que eu aprendi falando com pessoas que tentam influenciar o sistema é que o que eles querem é uma estória de alguém, uma coisa bem específica de como a APS funcionou, como resolveu um problema, como a experiência de alguém na equipe de saúde família, por exemplo, como foi essa experiência positiva. Eu preciso de uma articulação entre os pesquisadores na REDE e a cultivação de contatos na mídia, com as pessoa s que fazem reportagens para revistas de saúde tampouco, com aqueles que trabalham com os grandes empresários como O Globo e etc. Quantos dessa lista o pessoal da REDE conhece pessoalmente? Quantas vezes eles sentam com eles e compartilham essas experiências? Já sabemos que é muito fácil, pois se alguém tem uma experiência ruim já está na primeira página. Tem essa pesquisa do Romero que apresentou ontem que a APS melhorou o problema de desemprego em alguns lugares enquanto, no meu país, isso seria primeira página. Então, tem um desconect entre o que acontece, o saber e o conhecimento que essa REDE tem e a comunicação dela. Não quero dizer que eles não se comunicam, comunicam muito bem, mas tem outro passo que é tentar garantir que esses resultados fiquem lá na primeira página e isso, provavelmente, precise de uma estratégia de comunicação de largo prazo, de criação de relações com os jornalistas, os periódicos, os jornais pra cambiar um pouco como é mostrado o SUS e, sobretudo, a APS.
Você teria alguma dica, alguma idéia ou diferencial que caracterize algum pensamento seu sobre a Atenção Primaria em Saúde que você gostaria de mencionar aos que estão se dedicando a essa área?
Como disse, e digo muitas vezes, que a APS é uma área que é instigante, que merece ser melhor estudado e é uma área legítima de estudo. Em muitos países tem pessoas que se especializam em investigação em serviços de saúde. Acho que aqui no Brasil é uma coisa mais nova. Não tem, até eu saber, um doutorado, por exemplo, em investigação em serviços de saúde, mas em outros sistemas, em outros países, tem. Isso pra mim, de fato, é uma área legítima. É uma área que dá muito prazer, satisfação e é um vínculo entre a parte teórica e, eu diria a parte quantitativa e qualitativa porque você tem que traduzir todos os resultados em exemplos que as pessoas possam entender. Então, para qualquer pessoa que queira trabalhar nessa á rea como prestador de serviços, enfermeiro, médico ou agente comunitário de saúde primeiro tem que saber as pessoas que valorizam o trabalho que faz, mas para pessoas que querem estudar isso, eles têm que também saber que existe todo um mundo e que eles vão fazer parte dessa outra comunidade que vai além do Brasil que engloba e que, de fato, faz uma comunidade mundial.
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