22/01/2011
A vingança da decoreba
HÉLIO SCHWARTSMAN Esta vai deixar alguns pedagogos de cabelos em pé. Trabalho publicado anteontem na "Science" mostra que alunos que estudam por métodos do tipo decoreba aprendem mais do que os que utilizam outras técnicas. O "paper", que tem como autor principal o psicólogo Jeffrey Karpicke, da Universidade Purdue, comparou o desempenho de voluntários que estudaram um texto científico se valendo de um método que enfatiza a memória (leitura seguida de um exercício de fixação mnemônica) com o de alunos que usaram a técnica do mapa conceitual, na qual leem o texto e depois desenham diagramas relacionando os conceitos apresentados. Desenvolvido por Joseph Novak nos anos 70, o mapa conceitual tem como pressuposto a teoria da aprendizagem significativa, segundo a qual aprender é estabelecer relações relevantes entre ideias.
Uma semana depois, os estudantes fizeram um exame para descobrir quanto haviam aprendido. O grupo da decoreba teve um índice de acertos 50% maior do que o do mapa. A grande surpresa, porém, foi que os memorizadores se saíram melhor tanto nas perguntas que envolviam a mera reprodução das ideias originais como também nas questões que exigiam que eles fizessem inferências, estabelecendo novas conexões entre os conceitos. Um segundo experimento aprofundou um pouco mais esses achados, explorando, por exemplo, o desempenho de um mesmo estudante com os dois métodos de estudo. Em todas as situações, a decoreba apresentou melhores resultados que o mapa conceitual. Evidentemente, ainda é cedo para generalizar as conclusões desse trabalho, que ainda precisa ser reproduzido em outros centros para ganhar nível de evidência. Mas já é certo que ele cairá como uma bomba na guerra pedagógico-ideológica que opõe os entusiastas da educação construtivista aos defensores de métodos tradicionais.
2 comentários:
ENTREVISTA - JEFFREY KARPICKE, PESQUISADOR AMERICANO
Professor de Psicologia da Universidade de Purdue, localizada em Indiana, nos Estados Unidos, Jeffrey Karpicke se dedica a investigar a relação entre memória e aprendizagem.
Na semana passada, o artigo publicado na revista Science, uma das mais respeitadas no universo científico do planeta, despertou a atenção de educadores e pesquisadores sobre o assunto. Por e-mail, o especialista concedeu a seguinte entrevista a ZH:
Zero Hora – O que o senhor considera a descoberta mais importante do trabalho?
Jeffrey Karpicke – Nossa pesquisa mostra que adotar o sistema de recuperação pela memória produz efeitos poderosos sobre o aprendizado.
Zero Hora – No Brasil, como em outros países, nos últimos anos exercícios de memorização vêm caindo em desuso. Por que esse tipo de ensino adquiriu má reputação entre diferentes acadêmicos?
Jeffrey Karpicke – Acredito que a recuperação (da memória) não se opõe a uma abordagem construtivista da aprendizagem. Nós estamos mostrando que o processo de relembrar é importante para ajudar os estudantes a construir sólidas estruturas de conhecimento conceitual.
Zero Hora – Como tem sido a resposta por parte dos educadores desde a publicação do artigo na Science?
Jeffrey Karpicke – A resposta dos educadores tem sido muito positiva. Professores são comprometidos a ajudar os seus estudantes a aprender, e eles querem usar as melhores ferramentas disponíveis. A prática da recuperação da memória é uma dessas ferramentas disponíveis.
MARCELO GONZATTO | marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
Educação na mídia
26 de janeiro de 2011
A força da memória no aprendizado
Estudo publicado na revista Science sugere que exercícios de memorização são capazes de melhorar de maneira significativa o desempenho de estudantes
A chamada decoreba, forma de aprendizado que privilegia a memória, nas últimas décadas foi relegada à condição de método ultrapassado e ineficaz em muitas escolas brasileiras.
Um estudo publicado semana passada na renomada revista Science, porém, sugere que exercícios de memorização são capazes de melhorar de maneira significativa o desempenho de estudantes. As conclusões geram controvérsia entre educadores.
Professor de Psicologia da universidade americana de Purdue, Jeffrey Karpicke selecionou 200 jovens universitários que estudaram textos científicos de duas formas diferentes (veja quadro na página ao lado). Em uma delas, procurou simular a forma mais comum de ensino, inclusive no Brasil, em que os alunos leem algo e são estimulados a fazer elaborações sobre o conteúdo que acabaram de aprender. Por exemplo: consultando os livros, escrevem em uma folha quais consideram ser os tópicos mais importantes e como eles se relacionam.
A outra estratégia foi simplesmente ler os textos, então se afastar dos livros e tentar recuperar o máximo possível de informação apenas por meio da memória. Essa atividade, que hoje é mais comum em avaliações a fim de medir o quanto o aluno já aprendeu, revelou-se um poderoso estímulo ao desempenho. Aqueles que exercitaram a memória em vez de estudar com o texto à sua frente tiveram resultado 50% superior.
Outra surpresa é que a prática de memorização não só ajudou a fixar as informações objetivas dos textos, mas a responder questões que exigiam deduções mais complexas e cruzamento de informações. O estudo oferece uma hipótese para o fenômeno: relembrar não seria apenas resgatar informações previamente arquivadas no cérebro, mas reconstruir o que foi armazenado, reorganizando o assunto e priorizando determinados tópicos. Esse trabalho mental aumentaria o nível de compreensão sobre o tema.
Do ponto de vista pedagógico, o estudo valoriza uma ferramenta que nas últimas décadas foi condenada por muitos educadores como simples “decoreba” ou “conteudismo”. Dentro dessa tendência, mesmo avaliações oficiais como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) procuram exigir dos candidatos mais a capacidade de relacionar informações do que resgatar conhecimento por meio da memória.
Para o especialista em Educação João Batista Oliveira, a pesquisa é um primeiro indício e deve ser referendada por outros experimentos semelhantes. Porém, acredita que a pedagogia atual, pouco afeita aos exercícios de memorização, carece ainda mais de sustentação científica.
– Estamos repetindo as mesmas fórmulas, sem pesquisa alguma. Não vejo contradição entre memorizar e relacionar conteúdos – avalia.
Para a educadora Esther Grossi, porém, exercícios de memória têm limites no processo educativo.
– Ninguém pode aprender a ler e a escrever por memorização, por exemplo. É preciso construir o que chamamos de um esquema de pensamento – contrapõe.
O próprio autor do trabalho, porém, considera que não há uma contradição obrigatória entre suas descobertas e os pilares teóricos de filosofias educacionaiso como o construtivismo – embora admita que a prática de memorização seja pouco utilizada como recurso pedagógico.
– É mais uma ferramenta – afirma Karpicke.
MARCELO GONZATTO | marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
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