Entre os anos de 2009 e 2010, o pesquisador  Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de  Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fez um levantamento do  perfil de médicos que costumam receitar antirretrovirais (ARVs) para o  tratamento da Aids no Estado de São Paulo.
Jornadas extenuantes, capacitação aquém do ideal, alta rotatividade  de médicos para um mesmo paciente e má distribuição de profissionais  pelo estado foram alguns dos problemas identificados no trabalho de  pós-doutorado de Scheffer, que integrou um projeto coordenado por  Euclides Ayres de Castilho, professor titular da FMUSP, e apoiado pela  FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
Resultados do trabalho serão apresentados às 14 horas desta  sexta-feira (17/9) no Centro de Referência e Treinamento-DST/Aids-SP,  órgão da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo que fica na rua Santa  Cruz nº 81, Vila Mariana, na capital paulista.
“Trata-se de um estudo inédito e que fornecerá informações que  ajudarão o Programa Nacional de DST/Aids, conduzido pelo Ministério da  Saúde, já que São Paulo concentra quase a metade dos médicos  prescritores de antirretrovirais do Brasil”, disse Castilho à Agência FAPESP.
Em seu trabalho, Scheffer cruzou dados do Sistema de Controle  Logístico de Medicamentos do Ministério da Saúde, do Banco de Dados do  Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, do Programa  Estadual de DST/Aids da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e do  Sistema da Comissão Nacional de Residência Médica. Foram reunidos  registros de 149 das 167 unidades dispensadoras de medicamentos no  estado.
Dos 3.178 médicos que receitaram ARVs durante os 20 meses analisados,  Scheffer identificou 2.361 que prescreveram de maneira habitual esse  tipo de medicamento a pacientes com HIV. Mais da metade (53,1%) não  tinha ou não havia concluído residência médica, 44,7% não possuíam  título de especialista e apenas cerca de 30% do grupo era especialista  em infectologia.
“Essa é uma realidade de toda a medicina: mesmo atuando em uma  especialidade, a maioria dos médicos não tem especialização, pois não há  legislação que obrigue o médico a se especializar”, disse Scheffer.
No Brasil, para obter o título de especialista, o médico ou participa  de um programa de residência médica ou realiza uma prova aplicada pela  sociedade médica da especialidade. No caso do tratamento da Aids,  Scheffer apurou que a maioria dos profissionais começa a atuar após os  seis anos de faculdade sem procurar se especializar.
Segundo o pesquisador, a literatura internacional aponta que a  qualidade na atuação do médico decorre da experiência e da formação. “O  melhor dos mundos para um paciente de Aids é ser atendido por um médico  que já tenha acompanhado mais de 20 pacientes com a doença e que tenha  alguma especialização em infectologia”, afirmou.
Nessa situação, considerada ideal pela literatura, se enquadraram  19,5% dos médicos da pesquisa. Mesmo sendo minoria, o grupo tratou de  65% dos pacientes. Na ponta oposta estiveram 16% dos pacientes,  atendidos por 8,2% dos médicos que não tinham experiência de atendimento  de 20 ou mais pacientes com HIV nem especialização. “Isso é uma boa  notícia, pois a maioria dos pacientes está nas mãos dos médicos mais  capacitados”, disse Scheffer.
O cientista ressalta que isso não quer dizer que somente  infectologistas sejam indicados para tal tratamento. Um pediatra com  ampla experiência de atendimento de crianças com HIV ou um ginecologista  que só trate de mulheres com Aids são exemplos de profissionais também  recomendados.
Uma amostra representativa de 300 médicos foi convidada para  responder a um questionário por meio do qual foram coletados opiniões e  dados importantes. A falta de capacitação permanente foi um dos  problemas encontrados. Desse grupo, 62% afirmaram que não fizeram curso  algum de capacitação ou reciclagem de conhecimentos nos últimos dois  anos.
“Esse é um dado preocupante, pois a produção científica na área  médica é muito veloz e os procedimentos adotados por médicos há três  anos não serão necessariamente os mesmos de hoje”, apontou Scheffer.  Essa parte da pesquisa teve apoio do Departamento de DST, Aids e  Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
Parte da explicação para a falta de estudos complementares desses  médicos pode estar na jornada excessiva. A média semanal de trabalho  apurada foi de 57 horas, sendo que 26% do grupo cumpriu mais de 60 horas  de trabalho por semana e 14% declararam ter quatro ou mais trabalhos ou  empregos – na média, foram 2,3 empregos por profissional.
“Outro problema que atrapalha muito o tratamento é a alta  rotatividade dos médicos. Cerca de 40% dos pacientes foram atendidos por  mais de um médico e 15,8% foram tratados por três ou mais médicos, o  que prejudica a terapia, pois impossibilita que o profissional acompanhe  o paciente”, disse Scheffer.
Segundo ele, isso se dá por causa dos sistemas de atendimento público  municipal, os quais muitas vezes fazem contratos temporários com os  profissionais e não os vinculam às unidades de saúde.
Distribuição desigual 
A pesquisa também indicou que os médicos que mais atuam no tratamento  de HIV/Aids não estão nos locais de maior incidência da doença no  Estado de São Paulo. Um exemplo está na região de Franca, que apresenta a  maior incidência de casos de Aids no estado (23,1 casos por 100 mil  habitantes), mas tem um dos menores números de médicos prescritores de  ARV: 1,4 por 100 mil habitantes.
O levantamento também avaliou o relacionamento dos profissionais com a  indústria farmacêutica. Seis em cada dez médicos ouvidos afirmaram ter  recebido produtos, benefícios ou pagamentos vindos de grupos  farmacêuticos, como material informativo (54% dos médicos  entrevistados), custeio de cursos (40%), almoços ou jantares (27%) e  viagens para congressos nacionais (17%) e internacionais (7%).
Mesmo tendo distribuição gratuita e centralizada no Brasil, os  antirretrovirais da Aids podem estar sofrendo dessa influência da  indústria farmacêutica, segundo Scheffer. “Cerca de dez ARVs da lista do  Ministério da Saúde são de grandes empresas farmacêuticas e essa  relação da indústria com os médicos pode explicar por que um medicamento  é mais prescrito do que outro”, disse.
Ainda assim, 40% dos médicos afirmaram que essa relação não  influencia em nada a prescrição de ARVs, apesar de 50% dizerem que ela  influencia um pouco e 10% considerarem que as benesses dos laboratórios  exercem muita influência na hora de prescrever os medicamentos.
O trabalho também analisou opiniões dos médicos sobre aspectos mais  gerais do tratamento de HIV/Aids. Quase a totalidade do grupo ouvido  (99%) disse confiar nos antirretrovirais genéricos distribuídos pelos  SUS e 92% apoiam a quebra de patente de remédios ou o licenciamento  compulsório, em caso de necessidade. “Esses resultados são bons, pois é  importante que os médicos acreditem nas políticas de saúde das quais  eles fazem parte”, salientou Scheffer.
No entanto, o pesquisador considera preocupante o fato de 61% dos  médicos entrevistados apoiarem a criminalização de pessoas que, mesmo  sabendo ter o vírus HIV, infectam o parceiro. “É uma visão absurda e  conservadora. A proteção contra o vírus é uma questão compartilhada,  culpar o portador só leva à discriminação, em nada contribui para evitar  a disseminação do HIV”, disse.
Como pensam os médicos
Algumas opiniões de médicos que tratam de Aids em São Paulo, segundo a pesquisa:
- 99% confiam na qualidade dos antirretrovirais genéricos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde.
 - 92% acham que o Brasil deve lançar mão da quebra de patentes de medicamentos sempre que necessário.
 - 91% colocam a não adesão ao tratamento como um obstáculo frequente entre os pacientes de HIV/Aids.
 - 90% apontam o diagnóstico tardio como um problema frequente dos pacientes de HIV/Aids.
 - 82% acreditam que deve ser oferecida a possibilidade de ter filhos às pessoas que vivem com HIV.
 - 61% concordam com a criminalização de pessoas que, sabendo que têm HIV/Aids, infectam seus parceiros
 

Um comentário:
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