Paciente curado, salário dobrado
Sistemas que remuneram médicos e hospitais por resultados e não por procedimentos ganham espaço nos Estados Unidos e no Reino Unido. Por aqui, modelo ainda é novidade.
Pagar por metas atingidas e não por procedimentos médicos. Nos últimos seis anos, o chamado pay-for-performance, ou pagamento por desempenho, ganhou espaço entre os hospitais dos Estados Unidos e também no sistema público de saúde do Reino Unido. A estimativa é que mais da metade das operadoras de saúde privadas norte-americanas tenha adotado modelos como esse em seus contratos com os hospitais. Na Inglaterra, os médicos de família, os chamados generalistas, têm 25% de sua remuneração baseada em metas (cerca de 140 indicadores de qualidade), desde 2004. Se um paciente diabético melhora e mantém seus índices de açúcar dentro do ideal, por exemplo, isso se reflete positivamente no salário do médico.
Um modelo parecido ainda não foi cogitado no Brasil – nem no sistema público, segundo o Ministério da Saúde, nem pelos planos de saúde, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar. A adoção desse tipo de sistema é polêmica, pois abre espaço para especulações acerca da ética médica. Será que um trabalho baseado em metas não pode ser desvirtuado? E mais, será que o cumprimento dessas metas realmente significa melhoria no atendimento e no relacionamento médico-paciente?
Nos Estados Unidos, o assunto estampou algumas discussões e artigos relevantes no jornal The New York Times, ao longo do ano passado. O entendimento geral dos médicos por lá é que faltam evidências claras quanto à eficácia do pagamento por performance no que diz respeito aos reflexos na qualidade de atendimento. Há apenas alguns estudos sobre o assunto e são pouco conclusivos. Um dos mais abrangentes vêm do outro lado do Atlântico, das universidades de Manchester e Cambridge, e analisa o sistema dos médicos de famílias do National Health Service (Serviço Nacional de Saúde, sigla NHS) do Reino Unido. Toma como base pacientes com doenças crônicas como asma, diabete e problemas cardíacos de 42 profissionais e dois períodos: um anterior à implantação do pagamento por performance (1998 a 2003) e outro posterior (2005 a 2007). A pesquisa mostra que houve uma ligeira melhora nos pacientes com asma e diabete, mas não nos com problemas cardíacos. Ou seja, não há uma conclusão inteiramente positiva sobre o modelo de remuneração.
Outro estudo, que ainda está em andamento e é coordenado pela doutora Laura A. Petersen, chefe do setor de Serviços de Saúde da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston, no estado do Texas, afirma que ainda há falhas na elaboração dos contratos entre seguradoras e hospitais, dando brecha à manipulação de resultados, já que, nesses casos, eles estão ligados aos custos da instituição. Médicos são estimulados a resolver problemas o mais rápido possível e com o menor número de procedimentos possíveis, mas não necessariamente com mais qualidade ou com uma relação médico-paciente saudável. Em um dos artigos publicados no NYT, em fevereiro de 2009, a doutora Pauline W. Chen cita um colega generalista que põe em dúvida a visão do paciente sobre ele nesse sistema. Ele diz: “Se o meu paciente chegar com uma dor de cabeça e pedir uma ressonância, mas eu não solicitar porque acho que não é medicamente indicado, será que esse paciente vai pensar que estou apenas querendo economizar dinheiro?”
A dúvida do médico acima é apenas uma de muitas acerca de que objetivos devem ser estipulados em um sistema de pagamento por desempenho. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRMPR), Carlos Roberto Goytacaz Rocha, lembra que o sucesso de um tratamento tem dois lados: o médico e o paciente. “Cada pessoa tem suas particularidades e uma resposta a um mesmo tratamento.
Estipular metas que não levem em conta essas diferenças seria ilógico.” O próprio controle de metas tão específicas como o índice de açúcar no sangue de um paciente seria complicado por aqui pela inexistência de um banco de dados com as informações dos pacientes. Hoje, os brasileiros têm seu histórico médico distribuído nos consultórios que frequentam. “A constituição de um banco de dados seria complicada porque poderia ferir o sigilo médico-paciente. Quem teria acesso, controlaria e atualizaria esses dados?”, questiona Rocha. Em princípio, ele diz que o CRMPR é contra qualquer pagamento por desempenho, até, ao menos, que se apresentem conclusões concretas de que o sistema colabore para a melhoria da medicina.
Viável nos municípios
A adoção de um sistema de pagamento por desempenho na rede nacional de saúde ainda não foi cogitada e mesmo se fosse seria de uma ginástica incrível. Mas implementações a partir de iniciativas municipais, no entanto, seriam possíveis. A conclusão é do médico Armando Raggio, atual secretário de Saúde de São José dos Pinhais, mas que trabalhou, entre 2002 e 2005, em um programa de cooperação Brasil-Inglaterra do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), buscando soluções, como o pay-for-performance, do sistema público de saúde de lá para o daqui.
Ele explica que o conceito tem chegado ao Brasil de forma errônea. “O sistema está sendo discutido a partir de um cenário de diárias, serviços e honorários com preços defasados, quando deveria ser um modelo cogitado apesar de tudo isso.” Para ele, infelizmente, essa é uma característica da saúde brasileira. A implantação de soluções em momentos de crise, quando os problemas chegaram ao limite.
De forma geral, Raggio acredita que a melhor maneira de pagar o profissional de saúde – não só o médico – é pelo trabalho e não pela necessidade de procedimentos e exames de sua clientela. “O cerne da questão está na valorização do profissional, que hoje não consegue se dedicar exclusivamente ao serviço público, tem jornadas de mais de 16 horas e vive numa busca por ganhos, tendo de investir na especialização e na tecnologia, com a compra de equipamentos em cooperativa, por exemplo, para agregar valor ao seu trabalho.”
Ele reconhece as armadilhas de alguns modelos de pagamento por desempenho, que podem acabar se baseando apenas em resultados técnicos e esquecendo a parte humana da medicina, mas também acredita que a ideia, em si, é boa. Propõe, então, uma saída: a implementação de metas por município, que não sejam totalmente individualizadas, mas que recompensem toda uma equipe, por meio de bonificações. Como? “Por meio de um decreto, acordado entre prefeito, secretário de saúde e profissionais.”
Para o presidente do CRM-PR, Carlos Roberto Goytacaz Rocha, a intenção é boa, mas de nada serve se os homens que “têm a caneta na mão” não resolverem os velhos problemas de investimento e gerenciamento da saúde brasileira.
Ética seria infringida
No começo deste ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) criou dois grupos de trabalho distintos: um sobre remuneração de hospitais e outro sobre honorários médicos. O primeiro é formado por representantes de entidades hospitalares e de operadoras de planos de saúde e tem como objetivo definir um novo modelo para a sistemática de remuneração dos hospitais que atuam na saúde complementar. O segundo é composto por representantes de entidades médicas e operadoras e busca discutir critérios técnicos a serem adotados na hierarquização dos procedimentos médicos, tomando como base a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), elaborada pela Associação Médica Brasileira (AMB), bem como a discutir critérios de reajuste para a recomposição do ganho médico.
O debate é recente. Os dois grupos tiveram apenas duas reuniões até o momento, a última no mês de agosto, e ainda é preciso esperar os resultados dos diálogos.
Sobre a possibilidade de pagamento por performance, a ANS afirma, em nota, que “quando esse debate acontecer, deverá levar em conta a melhoria dos processos de trabalho (acreditação, certificação profissional) e os resultados assistenciais obtidos (redução de mortalidade por causas controláveis, ações de promoção da saúde e prevenção de doenças)”.
Adianta, porém, que “a prática de bonificação de profissionais em função da quantidade de exames solicitados é contrária ao código de ética médica e ao entendimento da ANS” e que, “em hipótese alguma, estará de acordo com qualquer tipo de incentivo que prejudique o beneficiário com o recebimento de menos do que o necessário para o seu diagnóstico e tratamento”. A posição é curiosa, já que algumas Unimeds do país têm adotado uma bonificação que leva em conta a quantidade de exames pedidos dentro de uma determinada especialidade. Na Unimed Curitiba, segundo a assessoria de imprensa, a bonificação é de R$ 5 sobre o valor normal de consulta de R$ 42. No fim do mês, o índice de pedidos do médico é comparado com a média da especialidade. Além do corte de custos, a ideia teria surgido para incentivar o bom relacionamento médico-paciente, com uma anamnese adequada, em vez de solicitação exagerada de exames.
Fonte: Gazeta do Povo
Um modelo parecido ainda não foi cogitado no Brasil – nem no sistema público, segundo o Ministério da Saúde, nem pelos planos de saúde, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar. A adoção desse tipo de sistema é polêmica, pois abre espaço para especulações acerca da ética médica. Será que um trabalho baseado em metas não pode ser desvirtuado? E mais, será que o cumprimento dessas metas realmente significa melhoria no atendimento e no relacionamento médico-paciente?
Nos Estados Unidos, o assunto estampou algumas discussões e artigos relevantes no jornal The New York Times, ao longo do ano passado. O entendimento geral dos médicos por lá é que faltam evidências claras quanto à eficácia do pagamento por performance no que diz respeito aos reflexos na qualidade de atendimento. Há apenas alguns estudos sobre o assunto e são pouco conclusivos. Um dos mais abrangentes vêm do outro lado do Atlântico, das universidades de Manchester e Cambridge, e analisa o sistema dos médicos de famílias do National Health Service (Serviço Nacional de Saúde, sigla NHS) do Reino Unido. Toma como base pacientes com doenças crônicas como asma, diabete e problemas cardíacos de 42 profissionais e dois períodos: um anterior à implantação do pagamento por performance (1998 a 2003) e outro posterior (2005 a 2007). A pesquisa mostra que houve uma ligeira melhora nos pacientes com asma e diabete, mas não nos com problemas cardíacos. Ou seja, não há uma conclusão inteiramente positiva sobre o modelo de remuneração.
Outro estudo, que ainda está em andamento e é coordenado pela doutora Laura A. Petersen, chefe do setor de Serviços de Saúde da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston, no estado do Texas, afirma que ainda há falhas na elaboração dos contratos entre seguradoras e hospitais, dando brecha à manipulação de resultados, já que, nesses casos, eles estão ligados aos custos da instituição. Médicos são estimulados a resolver problemas o mais rápido possível e com o menor número de procedimentos possíveis, mas não necessariamente com mais qualidade ou com uma relação médico-paciente saudável. Em um dos artigos publicados no NYT, em fevereiro de 2009, a doutora Pauline W. Chen cita um colega generalista que põe em dúvida a visão do paciente sobre ele nesse sistema. Ele diz: “Se o meu paciente chegar com uma dor de cabeça e pedir uma ressonância, mas eu não solicitar porque acho que não é medicamente indicado, será que esse paciente vai pensar que estou apenas querendo economizar dinheiro?”
A dúvida do médico acima é apenas uma de muitas acerca de que objetivos devem ser estipulados em um sistema de pagamento por desempenho. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRMPR), Carlos Roberto Goytacaz Rocha, lembra que o sucesso de um tratamento tem dois lados: o médico e o paciente. “Cada pessoa tem suas particularidades e uma resposta a um mesmo tratamento.
Estipular metas que não levem em conta essas diferenças seria ilógico.” O próprio controle de metas tão específicas como o índice de açúcar no sangue de um paciente seria complicado por aqui pela inexistência de um banco de dados com as informações dos pacientes. Hoje, os brasileiros têm seu histórico médico distribuído nos consultórios que frequentam. “A constituição de um banco de dados seria complicada porque poderia ferir o sigilo médico-paciente. Quem teria acesso, controlaria e atualizaria esses dados?”, questiona Rocha. Em princípio, ele diz que o CRMPR é contra qualquer pagamento por desempenho, até, ao menos, que se apresentem conclusões concretas de que o sistema colabore para a melhoria da medicina.
Viável nos municípios
A adoção de um sistema de pagamento por desempenho na rede nacional de saúde ainda não foi cogitada e mesmo se fosse seria de uma ginástica incrível. Mas implementações a partir de iniciativas municipais, no entanto, seriam possíveis. A conclusão é do médico Armando Raggio, atual secretário de Saúde de São José dos Pinhais, mas que trabalhou, entre 2002 e 2005, em um programa de cooperação Brasil-Inglaterra do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), buscando soluções, como o pay-for-performance, do sistema público de saúde de lá para o daqui.
Ele explica que o conceito tem chegado ao Brasil de forma errônea. “O sistema está sendo discutido a partir de um cenário de diárias, serviços e honorários com preços defasados, quando deveria ser um modelo cogitado apesar de tudo isso.” Para ele, infelizmente, essa é uma característica da saúde brasileira. A implantação de soluções em momentos de crise, quando os problemas chegaram ao limite.
De forma geral, Raggio acredita que a melhor maneira de pagar o profissional de saúde – não só o médico – é pelo trabalho e não pela necessidade de procedimentos e exames de sua clientela. “O cerne da questão está na valorização do profissional, que hoje não consegue se dedicar exclusivamente ao serviço público, tem jornadas de mais de 16 horas e vive numa busca por ganhos, tendo de investir na especialização e na tecnologia, com a compra de equipamentos em cooperativa, por exemplo, para agregar valor ao seu trabalho.”
Ele reconhece as armadilhas de alguns modelos de pagamento por desempenho, que podem acabar se baseando apenas em resultados técnicos e esquecendo a parte humana da medicina, mas também acredita que a ideia, em si, é boa. Propõe, então, uma saída: a implementação de metas por município, que não sejam totalmente individualizadas, mas que recompensem toda uma equipe, por meio de bonificações. Como? “Por meio de um decreto, acordado entre prefeito, secretário de saúde e profissionais.”
Para o presidente do CRM-PR, Carlos Roberto Goytacaz Rocha, a intenção é boa, mas de nada serve se os homens que “têm a caneta na mão” não resolverem os velhos problemas de investimento e gerenciamento da saúde brasileira.
Ética seria infringida
No começo deste ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) criou dois grupos de trabalho distintos: um sobre remuneração de hospitais e outro sobre honorários médicos. O primeiro é formado por representantes de entidades hospitalares e de operadoras de planos de saúde e tem como objetivo definir um novo modelo para a sistemática de remuneração dos hospitais que atuam na saúde complementar. O segundo é composto por representantes de entidades médicas e operadoras e busca discutir critérios técnicos a serem adotados na hierarquização dos procedimentos médicos, tomando como base a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), elaborada pela Associação Médica Brasileira (AMB), bem como a discutir critérios de reajuste para a recomposição do ganho médico.
O debate é recente. Os dois grupos tiveram apenas duas reuniões até o momento, a última no mês de agosto, e ainda é preciso esperar os resultados dos diálogos.
Sobre a possibilidade de pagamento por performance, a ANS afirma, em nota, que “quando esse debate acontecer, deverá levar em conta a melhoria dos processos de trabalho (acreditação, certificação profissional) e os resultados assistenciais obtidos (redução de mortalidade por causas controláveis, ações de promoção da saúde e prevenção de doenças)”.
Adianta, porém, que “a prática de bonificação de profissionais em função da quantidade de exames solicitados é contrária ao código de ética médica e ao entendimento da ANS” e que, “em hipótese alguma, estará de acordo com qualquer tipo de incentivo que prejudique o beneficiário com o recebimento de menos do que o necessário para o seu diagnóstico e tratamento”. A posição é curiosa, já que algumas Unimeds do país têm adotado uma bonificação que leva em conta a quantidade de exames pedidos dentro de uma determinada especialidade. Na Unimed Curitiba, segundo a assessoria de imprensa, a bonificação é de R$ 5 sobre o valor normal de consulta de R$ 42. No fim do mês, o índice de pedidos do médico é comparado com a média da especialidade. Além do corte de custos, a ideia teria surgido para incentivar o bom relacionamento médico-paciente, com uma anamnese adequada, em vez de solicitação exagerada de exames.
Fonte: Gazeta do Povo
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