À margem das pesquisas
Alex Sander Alcântara - Agência FAPESPA educação de adultos ocupa pouco espaço como  tema nas pesquisas de pós-graduação das universidades brasileiras. Mas,  quando se fala em educação não escolar de jovens e adultos, o panorama é  ainda mais crítico. O assunto é tratado de forma marginal e, quase  sempre, associado a outras práticas sociais. 
A conclusão é de uma pesquisa que fez um balanço da produção de  conhecimentos nas áreas de educação, ciências sociais e serviço social. O  trabalho analisou a produção discente nos programas de pós-graduação no  campo da educação não escolar de adultos entre 1999 e 2006.
De acordo com Sérgio Haddad, da ONG Ação Educativa, coordenador da  pesquisa, o tema da educação não escolar está associado a muitos temas  da vida cotidiana das pessoas.
“No entanto, a análise da dimensão educativa dessa modalidade, tendo  como foco a prática, a metodologia e as características desse modelo de  formação, é praticamente inexistente nos estudos de mestrado e doutorado  no país”, disse Haddad à Agência FAPESP .
A educação não escolar diz respeito aos processos de socialização e  aprendizado das pessoas, que podem ocorrer na família, no trabalho, em  centros comunitários e em outras instâncias que não a escola.
Segundo o pesquisador, é um equívoco associar a educação não escolar  apenas à ideia de pessoas que não tiveram acesso à educação escolar. “O  debate sobre educação permanente, sobre outras instâncias de formação,  em que temas amplos poderiam ser trabalhados, foi perdendo dinamismo com  a supervalorização da escola. Entendemos que é cada vez mais necessário  voltar a essa discussão, que é fundamental no processo de formação do  indivíduo”, afirmou.
Haddad destaca que a escolarização é uma base importante inclusive  para desenvolver outras áreas. Mas, segundo ele, a escola ganhou uma  relevância tão grande – principalmente a partir do processo de  redemocratização do país na década de 1980 – que tudo que não era de sua  competência passou a ser.
“Exige-se que a escola englobe toda a formação moral, a educação para  a saúde, cidadania, e acabam esquecendo outros espaços formativos. Há  um diálogo entre as duas formações, o que permite que as pessoas  desenvolvam processos complementares de formação escolar ou não  escolar”, destacou.
Segundo o professor, há uma “redução analítica” da educação não  escolar nos estudos analisados. “Uso a imagem do iceberg para ilustrar. O  iceberg tem uma parte submersa, pouco conhecida, mas que é a base de  tudo. Normalmente, nosso olhar é voltado para a parte visível desse  iceberg, que é a escola”, disse.
Haddad coordenou a pesquisa Educação não escolar de adultos: um balanço da produção de conhecimentos,  apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxilio à Pesquisa –  Regular, que contou com a participação de 12 pesquisadores especialistas  de várias instituições de ensino superior do país e centros de  pesquisa.
Segundo ele, que é professor aposentado da Pontifícia Universidade  Católica de São Paulo (PUC-SP), na pesquisa foi possível identificar a  educação não escolar nos trabalhos analisados a partir de  palavras-chave, como “educação popular”, “não formal”, “continuada”,  “permanente”, entre outras.
Inicialmente, o grupo buscou trabalhos em bancos de dissertações e de  teses disponíveis digitalmente nas universidades, na Coordenação de  Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e no Google. “No  primeiro momento, a seleção foi feita com base em resumos nas áreas de  educação, do serviço social e ciências sociais”, explicou.
Como a educação não escolar de adultos não é um campo específico de  estudos, ou seja, um campo teórico definido, a busca por esse assunto   levou o grupo a incorporar uma série de outras palavras-chave.
“Rádios comunitárias”, “participação em movimentos populares”,  “economia solidária”, “educação ambiental”, “educação política” e  “qualificação profissional” foram algumas das palavras utilizadas para  formar a base de dados e estabelecer critérios de inclusão dos estudos.
De acordo com Haddad, foi possível identificar algumas linhas de  abordagem. “Uma mais voltada para o desenvolvimento profissional, outra  para as práticas de cidadania, outra na área econômica que se refere  também ao desenvolvimento sustentável, como agroecologia, além de  práticas educativas nas áreas de saúde e educação ambiental e  fortalecimento de identidades como as questões de gênero, raciais e  outras”, citou.
“O objetivo final da pesquisa foi criar um banco de dados com os  documentos e estudos analisados, para ver como o tema é tratado na  produção discente, e disponibilizar todo esse material a partir de uma biblioteca digital, que foi financiada pela FAPESP e está abrigada na Ação Educativa”, disse.
Dimensão educativa
A partir da identificação dos títulos, os trabalhos foram  classificados em 14 áreas temáticas relacionadas à educação não escolar  de adultos. Foram analisados 341 trabalhos em educação, serviço social e  ciências sociais, entre dissertações e tese. Segundo Haddad, houve uma  grande dificuldade para conseguir os trabalhos em arquivos digitais.
“Fizemos contatos com os programas de pós-graduação, com os autores e  com os orientadores e solicitamos cópias ao Programa de Comutação  bibliográfica (Comut), que permite a obtenção de documentos  técnico-científicos disponíveis nos acervos das principais bibliotecas  brasileiras e em serviços de informação internacionais”, explicou.
O passo seguinte foi entregar os documentos aos pesquisadores  parceiros especializados em cada área para analisar as pesquisas e  produzir artigos sobre os documentos levantados. Cada autor identificou  os principais temas abordados, seus conteúdos, agente educador, público  alvo, relação com a educação escolar, entre outros aspectos. Os artigos  podem ser lidos na e-curriculum, revista eletrônica de Educação da PUC-SP.
“O sistema de coleta permitiu montar a biblioteca digital, que  acolheu não só os artigos, mas também os documentos. Isso permitiu  colocar à disposição as análises e todo o material bruto.”, disse  Haddad.
“Se a educação não escolar tem relação com a saúde, por exemplo, o  enfoque educativo está nas práticas sanitárias, na formação do agente de  saúde e em como os agentes trabalham com o desenvolvimento familiar”,  afirmou.
O próximo passo da pesquisa, segundo o coordenador, será analisar as  práticas. “Estamos entrando em contato com organizações da sociedade  civil para fazer uma análise de suas demandas e ações que dizem  respeito, em sua maioria, à educação não escolar”, disse Haddad.
“A ideia é confrontar essas práticas com os nossos estudos, fazendo  um levantamento dos principais temas e das principais orientações  metodológicas e políticas, para que sirvam de referência para novas  pesquisas e aprofundamentos nessa área”, disse.
A pesquisa contou também com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para acessar a biblioteca digital: www.bdae.org.br/dspace

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