Significado real do número de citações de um artigo científico
Tibor Rabóczkay*
A cientometria procura medir o
impacto de artigos científicos, jornais científicos, institutos de
pesquisa e pesquisadores. Para isso recorre a indicadores de produção,
que supõe serem significativos. Entre esses, a contagem da quantidade de
artigos (papers, como os cientistas gostam de chamar). São
critérios importantes para a alocação de verbas. Desses indicadores
examinaremos, no presente, o número de citações.
O número de citações pode ter algum papel
válido na história da ciência, quando estamos interessados em ver a
influência consolidada de um determinado cientista ou instituição no
progresso do conhecimento científico no decorrer dos tempos. Ao ser
aplicado aos tempos recentes ou o presente, porém, a contagem não só
perde significado, mas representa grave ameaça ao progresso científico,
como mostramos a seguir.
Primeiro. A busca por maior número de
citações obriga o cientista a trabalhar em assuntos da moda,
independentemente da importância prática ou científica de tais assuntos.
Com temas em voga, aumenta a chance do paper ser citado. Essa
atitude, porém, prejudica as outras exigências às quais o pesquisador é
submetido – a criatividade e a inovação. Assuntos fora das linhas de
pesquisa já testadas e em andamento envolvem o risco de insucesso. Isso
prejudica o número de papers produzidos e, consequentemente,
afeta a carreira do cientista, além de lhe trazer dificuldades para
obter as verbas necessárias para prosseguir em suas pesquisas. Correrá
também o perigo de perder o emprego ou o regime de trabalho.
Lembremo-nos de que já ocorreu de os burocratas e órgãos da imprensa
considerarem improdutivos aqueles docentes-pesquisadores universitários
que no decorrer de determinado intervalo de tempo, aparentemente, “só”
davam aulas. Então, pode parecer prudente deixar as incertezas da
inovação e da criatividade real de lado.
Segundo. As áreas de investigação
científica, independentemente de sua importância teórica ou prática, têm
número de pesquisadores muito diferentes, fato que afeta o número de
citações. A simples comparação de citações, portanto, sem levar em conta
o número de profissionais atuantes na área, não tem significado.
Terceiro. Muitas vezes a citação é apenas uma formalidade e não reflete mérito. É praxe fazer uma introdução ao paper enumerando
– com a indicação da origem – o que já foi feito no assunto até para
posicionar a contribuição e a originalidade dos autores. A contribuição
histórica, eventualmente, pode receber algum comentário, porém,
frequentemente, se reduz a um ato quase contábil.
Quarto. Um paper que apresente um
erro pode receber um grande número de citações, pois dificilmente os
cientistas da área resistiriam a apontar o erro.
Quinto. Como julgar o mérito de um artigo
científico que recebeu apenas uma ou duas citações por ano – mas durante
mais de 50 anos? Como comparar a “validade” do trabalho no tempo, com o
número de citações? Vale a pena manter o autor nos quadros da
universidade? As citações podem não se distribuir uniformemente no
tempo. Por exemplo, um artigo tendo por assunto o isolamento do vírus
zika, publicado em 1952, pouco citado após a publicação, conta com 23
citações entre 1971 e 2014, e 1.040 nos últimos quatro anos, num total
de 1.086 citações até a escrita do presente comentário. O autor
possivelmente teria perdido seu emprego, ou seu regime de trabalho, se
prevalecessem os critérios burocráticos e ilusionistas.
Sexto. Um artigo submetido a publicação,
normalmente, é enviado para um assessor que trabalhe na mesma área.
Embora anônimo – teoricamente – sabe-se que não poucas vezes o assessor
tenha condicionado o aceite à citação de seus próprios papers. Sugestão geralmente aceita diante da garantia de publicação.
Sétimo. Deve-se mencionar, ainda, os grupos
de ajuda recíproca em se citarem. Ou o caso oposto, das omissões entre
grupos ou cientistas rivais. Não é fácil detectar artifícios ou uma
omissão para os avaliadores. Esses casos só serão percebidos por alguém
que necessite consultar em detalhes a matéria citada.
Conclusão: o uso do número de citações para
avaliar a importância de um artigo científico – fora do âmbito
histórico – não é adequado, pois a única coisa que o número de citações
mede com segurança é o número de citações – o resto é fantasia.
* Tibor Rabóczkay é professor titular aposentado do Instituto de Química (IQ-USP)
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