Livro investiga os três modelos mais influentes de educação superior
José Tadeu Arantes
Alemanha, França e Estados Unidos criaram sistemas educacionais
que foram copiados por outros países, inclusive o Brasil. Neste estudo,
os três modelos são esmiuçados (foto:Anfiteatro Turgot/Sorbonne)
Três
modelos de educação superior repercutiram globalmente, influenciando as
iniciativas educacionais de diferentes países: o alemão, o francês e o
norte-americano. No Brasil, por exemplo, as diretrizes que estruturaram o
ensino superior foram, de início, fortemente calcadas na norma francesa
– determinante na criação da Universidade de São Paulo, em 1934.
Sofreram, depois, pesada influência norte-americana, na reforma
educacional promovida pela ditadura civil-militar, em 1969. Um livro, há
pouco publicado, investiga os três modelos internacionais de educação
superior referidos. Seu título expressa de forma muito simples e direta o
conteúdo: Modelos internacionais de educação superior: Estados Unidos, França e Alemanha.
Coordenado por Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o livro constitui um subproduto do projeto “Ensino
superior, políticas de pesquisa e inovação, processos de
desenvolvimento - estudo comparado de quatro países: Alemanha, Brasil,
França e Estados Unidos”, conduzido por Moraes e apoiado pela FAPESP. E também recebeu apoio da FAPESP para publicação. Além de Moraes, participaram da redação as pesquisadoras Maitá de Paula e Silva e Luiza Carnicero de Castro.
“Os três modelos foram escolhidos por nós porque, de certo modo,
forneceram padrões que se disseminaram pelo mundo”, disse Moraes à Agência FAPESP.
“O modelo alemão, o mais antigo do período contemporâneo, criado por
Humboldt na primeira metade do século XIX, estabeleceu um sistema que
combina ensino e pesquisa. Tornou-se tão influente que a Alemanha se
transformou no polo de atração para os grandes intelectuais
norte-americanos no final do século XIX e início do século XX. Era para
lá que eles se dirigiam, com o objetivo de aprofundar sua formação em
pesquisa. Vários deles estudaram na Alemanha, inclusive Talcott Parsons
[1902-1979], o fundador da sociologia norte-americana, que frequentou a
Universidade de Heidelberg, em 1927”, prosseguiu.
Quando as universidades de pesquisa norte-americanas foram criadas,
em 1870, seus fundadores se inspiraram no modelo alemão. John Hopkins,
Chicago, Clark seguiram esse modelo. Após a Segunda Guerra Mundial, com a
Europa devastada, os Estados Unidos tornaram-se o centro do mundo. Os
fabulosos recursos econômicos proporcionados pela atividade industrial
voltada para o esforço de guerra forneceram a base material para a
hegemonia cultural norte-americana, que as indústrias cinematográfica e
fonográfica ajudaram a disseminar. E isso repercutiu também na
exportação de seu modelo de ensino superior.
“O terceiro modelo, o da França, foi replicado nos países que
participaram do antigo império colonial francês. Mas não apenas neles.
Foi também influente em outros lugares, inclusive no Brasil, servindo de
paradigma para a criação da Universidade de São Paulo”, afirmou Moraes.
Foi à França que o então governador do Estado de São Paulo, Armando de
Salles Oliveira, enviou o matemático Teodoro Ramos, professor da Escola
Politécnica, para contratar professores e pesquisadores das várias áreas
do conhecimento com o intuito de compor o quadro docente da futura USP.
O antropólogo Claude Lévi-Strauss, o historiador Fernand Braudel e o
sociólogo Roger Bastide foram alguns dos que atenderam ao convite.
Do ensino profissionalizante às escolas nobres
A pesquisa conduzida por Moraes proporcionou algumas informações de
certo modo surpreendentes. “Quando se considera o ‘índice de cobertura’,
isto é, a porcentagem de jovens na faixa etária adequada que frequentam
instituições de ensino superior e o percentual da população adulta que
tem diploma de curso superior, os da Alemanha são os menores no
comparativo entre os três países. E, no entanto, a Alemanha é dos três a
que possui o padrão industrial mais inovador”, disse o pesquisador.
A explicação para esse aparente paradoxo está na força do ensino
médio alemão. “A Alemanha deu muita importância à escola média e
profissionalizante como a organização que administra a transição da
juventude para a idade adulta: 70% dos jovens alemães desfrutam de algum
tipo de ensino profissional. A universidade é um degrau a mais, cujo
acesso é relativamente restrito. "Os americanos, ao contrário, têm um
ensino médio de qualidade muito desigual. A maioria das High Schools têm
baixa qualidade. Eles tentam resolver essa deficiência no nível
superior por meio dos Community Colleges, que oferecem um ensino de
curta duração, de dois ou três anos, e cujo nível é quase equivalente ao
do ensino médio alemão”, informou Moraes.
Como se depreende, a comparação internacional é difícil, pois um
mesmo termo nomeia, muitas vezes, coisas bastante diferentes. A Alemanha
possui um ensino médio fortíssimo, com viés profissionalizante. E dois
tipos de instituição de ensino superior: a universidade e a escola
superior. O tempo médio de permanência dos alunos nessas instituições é
de cinco a seis anos. Os Estados Unidos, ao contrário, têm um ensino
médio fraco e procuram suprir essa deficiência estrutural com os
Community Colleges. “Bombeiros, ajudantes de enfermagem, eletricistas,
detetives se formam em Community Colleges”, comentou o pesquisador.
Segundo Moraes, mesmo universidades norte-americanas que estão no
topo do ranking mundial possuem um ensino de graduação menos
sofisticado, concentrando seu padrão de excelência nos cursos de
pós-graduação.
A França possui um modelo que fica entre os dois extremos. Tem um
sistema de educação superior com basicamente quatro tipos de escola. Uma
delas é a universidade. Praticamente todos os estudantes que terminam o
ensino médio têm o direito de entrar em alguma universidade. A despeito
de seu renome internacional, a universidade francesa é pouco seletiva, a
não ser em alguns cursos específicos, como o de medicina. “Em geral,
ela é uma ‘escolona’ aberta e não o centro de educação da elite
profissional, pública ou privada, nem o centro da pesquisa científica e
tecnológica. Isso como regra geral, é claro, pois existem alguns
departamentos de algumas universidades que são altamente sofisticados”,
ressaltou Moraes.
“A instituição nobre para a formação dos quadros de nível superior é a
chamada ‘Grande Escola’: a Escola de Minas, a Escola Politécnica, a
Escola Nacional de Ciência Política etc. Estas são seletivas e altamente
elitizadas. Formam a elite da elite: presidentes, ministros, diretores
de grandes empresas etc. Essas escolas estão fora da estrutura das
universidades. Os melhores alunos dos liceus, do ensino médio, se
candidatam para elas. Mas, quando aprovados, não entram propriamente nas
Grandes Escolas. Fazem o que se chama de classes preparatórias para as
Grandes Escolas. São três anos cursados nos próprios liceus. Depois,
completam sua formação, com mais dois anos nas Grandes Escolas. Por
isso, muitos professores de ensino superior ensinam como agregados [agrégés] nas grandes escolas preparatórias”, prosseguiu.
Muitos dos professores que vieram ao Brasil dar aulas na antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP eram, na verdade,
professores desses liceus nobres. Foi o caso, por exemplo, de Fernand
Braudel (1902- 1985), um dos principais integrantes da chamada École des
Annales, que renovou a historiografia francesa e internacional. Braudel
foi agrégé nos liceus Pasteur, Condorcet e Henri-IV em Paris,
antes de vir para o Brasil e colaborar na estruturação da Universidade
de São Paulo, onde lecionou de 1935 a 1937.
“Outro diferencial é que, na França, a pesquisa científica e
tecnológica não é administrada pelas universidades, mas por grandes
instituições públicas, como, por exemplo, o CNRS [Centre National de la
Recherche Scientifique – Centro Nacional da Pesquisa Científica].
Trata-se de um grande contratador e financiador da pesquisa. Muitos
cientistas fazem suas carreiras ali. O CNRS estabelece contratos com
departamentos e laboratórios de universidades e cria centros de pesquisa
de excelência dentro de universidades. Mas esses centros não pertencem
às universidades, e, sim, ao próprio CNRS”, acrescentou o pesquisador.
As outras duas instituições de ensino superior francesas foram
criadas na transição dos anos 1960 para 1970. Uma delas é o instituto
universitário tecnológico (Institut Universitaire de Technologie – IUT),
que é seletivo (os aspirantes devem passar por exame de seleção) e
muito exigente, muito escolar em seu funcionamento, com controle de
frequência, provas todos os meses etc. O padrão de ensino é elevado e o
percentual de transição da escola para o emprego é altíssimo.
A outra instituição, também seletiva, mas de nível um pouco mais
baixo, é a seção técnica superior (Sections de Technicien Supérieur –
STS). Constitui como que um segundo andar dos liceus, para formação de
profissionais de nível médio qualificados, com cursos de curta duração,
de dois ou três anos. Foi criada como um meio de democratizar e
disseminar o ensino.
Ensino público x ensino privado
Tanto na França como na Alemanha, o ensino privado é mínimo, em todos
os níveis: elementar, médio e superior. E o ensino superior é quase que
totalmente público. Até nos Estados Unidos, o ensino superior de
graduação é majoritariamente público: 70% dos alunos estudam em
universidades estaduais públicas (não há federais) ou em Community
Colleges, que também são públicos. “Mas a educação pública superior nos
Estados Unidos é paga, com anuidades e taxas. Um terço do orçamento das
escolas é sustentado pelas taxas cobradas dos estudantes. O restante é
basicamente dinheiro público. Inclusive grandes e renomadas escolas
privadas, como Harvard e MIT, recebem enormes aportes de dinheiro
público. O rendimento proveniente das aplicações dos patrimônios
privados das universidades e as doações feitas por grandes magnatas
cobrem uma parte mínima dos orçamentos. Essas doações servem muito mais
para os herdeiros comprarem seus lugares nas escolas”, disse Moraes.
O pesquisador acrescentou que outra importante fonte de recursos para
as instituições de ensino superior é a pesquisa contratada. O
Massachusetts Institute of Technology (MIT) é, basicamente, um grande
provedor de pesquisa contratada. No passado, essa pesquisa foi quase que
inteiramente direcionada para o setor militar. Hoje, está mais
diversificada, com destaque também para a área de saúde. É claro que os
estudantes se beneficiam com essas pesquisas, porque muitos deles se
vinculam a laboratórios mantidos pelos contratadores. Mas os gastos com
ensino têm importância menor no orçamento da instituição.
Já foi dito que o modelo brasileiro combinou as influências francesa e
americana. Esta prevaleceu a partir da reforma universitária da
ditadura, com a eliminação da cátedra, a departamentalização, a adoção
do sistema de créditos, a chamada diversidade institucional, isto é, a
coexistência de universidades e escolas isoladas. Menos conhecido é o
fato de que houve também uma influência do modelo inglês no padrão de
financiamento da pesquisa, com a criação de agências como a FAPESP, o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
etc., que atuam de maneira complementar às universidades.
Modelos internacionais de educação superior: Estados Unidos, Alemanha e França
Autores: Reginaldo C. Moraes, Maitá de Paula e Silva, Luiza Carnicero de Castro
Ano: 2017
Páginas: 116
Preço: R$ 38,00
Mais informações: http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788539306985,modelos-internacionais-de-educacao-superior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário