quarta-feira, 21 de março de 2018

Qualidade de vida do Estudante de Medicina







É NORMAL SOFRER PARA SE TORNAR MÉDICO?

Você – docente - sofreu? Muito?
Pensou que não iria suportar?
Que iria largar o curso?
E agora?
Pensa que tem que ser assim mesmo?
Se você conseguiu, por que os alunos de agora não conseguiriam?
Ou pensa que pode ser de outro jeito?

QUER DISCUTIR SOBRE ESSAS QUESTÕES?
Participe da web-oficina –  26 março 2018  13 – 15:30h

Organização:
  • Ieda Aleluia (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e Universidade do Estado da Bahia-UNEB),
  • Paulo Marcondes (Universidade Federal de Santa Catarina, campus Araranguá),
  • Rosana Alves (Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória),
  • Sergio Zaidhaft (Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Estácio de Sá)

Apoio:  Instituto Faimer Brasil


INSCRIÇÕES: 

https://goo.gl/forms/RAiCpedXtDUNhFIq1






TEXTO DE REFERÊNCIA DA WEB-OFICINA


NÃO É NORMAL

    Burnout

Todos sabem, né? Funções em si mesmas com uma carga de exigência e stress grandes, como jornalistas fechando uma edição de jornal, bombeiros, policiais, profissionais da saúde em emergência e, no Brasil, mais do que tudo, professores de ensino fundamental que dão aula em zonas de violência.

Em algum momento, as forças se esgotam, aparece algum sintoma físico ou mental, pede-se licença, outra licença, volta-se ao trabalho desanimado até passar a crer que escolheu a profissão errada, que não está dando certo e nunca vai dar certo em nada, e se deprime com maior ou menor gravidade.

Os vídeos do #naoenormal, os depoimentos de alunos de Medicina do Brasil (do mundo?) tratam deste fenômeno. Nome novo para coisas antigas? Entidade separada de depressão? Não importa, importa que o nome pegou e talvez possa ser um bom gancho para início de conversa.
 

  Por que isto num curso de Medicina? (É o que conheço. Em todos os outros da saúde também?)

“O curso é pesado mesmo”, “ser médico é pesado mesmo” e frases semelhantes é o que todos sempre ouvimos e dizemos. Ok. Por que será? A atividade profissional fica para outra hora. Já quanto ao curso algumas hipóteses:

a.      “A quantidade de matéria”. Uma antiga diretora da Medicina-UFRJ pesquisou com todos os coordenadores de disciplinas quais conteúdos gostariam de dar e em quanto tempo. Somou tudo e o resultado foi que o curso duraria 23 anos! Contei isto a uma turma de alunos, e um bem sagaz comentou: “agora entendi tudo. Enfiaram a matéria de 23 anos em 6”. Genial, né?

Primeiro argumento: em parte, a matéria é extensa mesmo, mas o que é prioritário se ensinar? Qual o tempo reservado para estudo? O que vai se avaliar? Eu, por exemplo, vou dar um curso “Bob Dylan: vida e obra” (1 e 2). O que vou esperar que os alunos aprendam? As várias fases do artista, suas principais temáticas, suas influências, a quem influenciou etc., ou, como muitos professores fazem, qual o nome do baterista que tocou numa única faixa de um único disco, das dezenas que ele gravou? Resumindo: ensina-se o que o aluno precisa saber e/ou onde saber e como buscar ou o que o professor quer ensinar?

Segundo argumento: estudar/aprender é um prazer ou um encargo? Alunos queixam-se seguidamente da “obrigação de estudar”. Claro que é um encargo estudar para fazer prova, ter que aprender coisas que aparentemente não fazem sentido naquele momento, mas será que tem de ser só assim? Claro que não dá para um curso de Medicina ser uma Summerhill (busquem no Google) ou seguir as ideias do José Pacheco (Tedtalk no youtube), ok, mas será que tem de ser só o oposto disso e zero de prazer, zero de fascínio ao se conseguir ouvir uma 4ª bulha ou um sopro, diferenciar um som timpânico de um maciço, assim por diante? Caramba! Tantas descobertas que se pode fazer ao se examinar o corpo e a mente de um paciente e isso virar um encargo. Isso não faz sentido.

Resumindo (com perdão pelo chavão): aprendizagem significativa e –sem jargão algum – com prazer.

Desafio: como equilibrar estes lados da gangorra que só pesa para um lado? Que fazer para que os encargos sejam justos e razoáveis? Que atividades e disciplinas (grifo proposital, não somente as atividades fora do mainstream) desenvolver para equilibrar a gangorra? 

b.      “Pra ser médico tem que pendurar os sentimentos num cabide”; “não vá se envolver com paciente. Deste jeito você vai sofrer tanto que vai acabar largando a Medicina”.

Um antigo autor – Goffman- escreveu sobre o que ele denominou instituições totais. Seriam aquelas em que o indivíduo ao nelas entrar perderia sua identidade original e passaria a ter uma nova. Ex: manicômios, prisões e conventos (título de um livro seu). Escolas de Medicina também?

Ora, os alunos passaram por um vestibular, na verdade em sua maioria 2, 3 ou 4 anos de vestibular em que se matam de estudar, abrem mão de grande parte dos prazeres da vida de um jovem em nome do seu sonho e ainda enfrentam a crítica de muitos que os rodeiam pela escolha tão difícil que fizeram para entrar numa faculdade. Pois bem: será que estes jovens se surpreendem com a “quantidade de matéria” da faculdade? Será que é isso? A decepção pela quantidade de matéria e ter que abrir mão de prazeres sociais? Mas não ficaram um tempão assim antes? Não sei, mas isto não me convence.

Primeiro argumento: todos foram excelentes alunos em suas escolas de origem. Esta era sua identidade prévia: melhores alunos. Um da UFRJ recentemente me contou que veio do interior do Ceará, uma cidade de 20000 habitantes, primeiro membro de sua família de pequenos agricultores a sair de sua cidade, foi até recebido pelo prefeito antes de vir para o Rio. Tirou nota baixa em sua primeira prova, quando estava ainda se aclimatando à cidade grande (moradia, preços, violência, transporte, enfim, tudo) e, a partir daí, emburacou e passou a só tirar nota baixa, foi reprovado várias vezes em várias matérias, acha que é burro, esconde as reprovações dos pais, acha que os colegas da nova turma –por ser repetente- já o olham de um jeito estranho e o que vai dizer ao prefeito, daí por diante.

Resumindo: entrada no curso como uma crise de identidade. Universidade (ou faculdade mesmo) e não mais colégio, vida adulta, melhores alunos deixando de sê-lo, expectativa não realizada, assim por diante. E ainda as outras crises: paciente que morre, internato e escolha de especialidade entre outras.

Segundo argumento: mais do que uma crise de identidade haveria sim a necessidade de se criar uma nova. Baseada em que? Um autor –Jean Clavreul- postula no livro “A ordem médica” que não há relação médico-paciente e sim uma relação instituição médica-doença. Sou professor de uma disciplina cujo objeto é a relação médico-paciente, ou seja, quase rasguei o livro, xinguei o autor de tudo que é nome, mas ele tem razão (em parte, pelo menos). Seguindo Foucault (o objeto da Medicina é a lesão, por ser nela e por ela que se constitui como um conhecimento científico), Clavreul diz que, para ser “científica”, a Medicina exclui a subjetividade (ele denomina o processo de dessubjetivação) daqueles que compõem a relação médico-paciente.

Ou seja, não se envolver, pendurar os sentimentos etc. fala disso: para ser médico (científico) não se pode ter sentimentos, subjetividade. Penso que aqui reside o ponto central. Não bastasse o sofrimento pela “quantidade de matéria”, a necessidade de se manter num lugar ideal de melhor aluno, as tensões resultantes do contato com pacientes mais ou menos graves numa idade em que a maioria se considera imortal e quer curtir a vida, os alunos ainda têm que aprender que devem -o termo que me vem é este, então vai este mesmo- embrutecer! E que isto é imperioso para ser um bom médico.

Mais ainda: este embrutecimento, este não se importar com sentimentos dos pacientes e os próprios acaba sendo entendido (transmitido pelos professores. Nós!) como uma nova identidade que deve ser adquirida no seu treinamento e na própria vida de relação dentro e fora da faculdade, constituindo quase uma nova família (a associação se impõe. Se é matando uma característica de vida, não posso deixar de dizer: mafiosa). Compartilhar dúvidas, inquietações com colegas que poderão ser seus concorrentes? Tirar dúvidas em aula e todos perceberem que é mais lento que os outros? De jeito nenhum! Imagina o que vão pensar de mim! Sofrer com algum relato de paciente? Ter vontade de chorar? Aí mesmo que vão dizer que não levo jeito pra ser médico. Em boca fechada não entra mosca.

Resumindo: resultado deste caldo só pode ser burnout.

Desafio: canais para expressar/compartilhar sentimentos em programas de mentoria e –sim!- em disciplinas obrigatórias; disciplinas (todas!) abertas para o aluno pensar o próprio processo de formação; atividades para fortalecer grupo, atenuar concorrência, estimular amizade, lealdade, essas coisas, carga horária reservada para viver e, last but not least, ARTE.

Penso que setores para acompanhamento psicológico dos alunos não são malvindos, pelo contrário, até promovi um convênio da Faculdade com uma Sociedade de Psicanálise (alguns analistas vão ao Fundão –onde fica a faculdade- para atender de graça alunos que não têm tempo para se deslocar para a Zona Sul, onde ficam seus consultórios), mas não creio que seja esta a prioridade e sim o que escrevi acima. Meu receio é que priorizar atendimento psicológico e/ou psiquiátrico não mexa no cerne mesmo do problema. 

Já ouço e me ouço: vá convencer os professores. Melhor dizendo: por que ensinar é um encargo e não um prazer? Aí seriam mais 4 páginas. Chega.

PS: 2 filmes. “Whiplash”- Em busca da perfeição. Damien Chazelle, diretor.

“Full metal jacket”- Nascido para matar. Stanley Kubrick, diretor. Primeira parte do filme.



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