Médicos da USP usam smartphones para cirurgias no cérebro
Em artigo científico, pesquisadores demonstraram a integração entre
celulares e endoscópios em 42 neurocirurgias realizadas no Hospital das Clínicas;
recurso facilita manipulação do equipamento, tornando procedimento mais
intuitivo e seguro
Fábio de
Castro
Uma equipe
de médicos brasileiros demonstrou que smartphones podem facilitar e baratear as
neurocirurgias. Os pesquisadores, do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade
de São Paulo (USP) adaptaram smartphones ao endoscópio - o instrumento
utilizado para observar o interior do organismo. O novo recurso foi descrito em
um artigo publicado nesta terça-feira, 13 na principal revista científica
internacional de neurocirurgia, Journal of Neurosurgery.
A
neuroendoscopia é um procedimento neurocirúrgico pouco invasivo utilizado em
alguns casos para corrigir hidrocefalia, remover tumores, tratar doenças
vasculares e outros problemas no cérebro. No novo estudo, os cientistas
demonstraram a aplicação do novo recurso em neurocirurgias realizadas em 42
pacientes no HC.
De acordo
com o autor principal do estudo, Maurício Mandel, do HC-USP e do Hospital
Israelita Albert Einstein, a ideia inicial era apenas baratear os procedimentos
de neuroendoscopia, mas o recurso acabou mostrando diversas vantagens em
relação aos métodos convencionais.
Segundo ele,
um sistema de neuroendoscopia custa de R$ 200 mil a R$ 300 mil. A nova opção os
custos são reduzidos ao preço de um iPhone - a marca de smartphone utilizada no
estudo - e do adaptador que integra o endoscópio ao celular, que custa cerca de
R$ 1 mil.
"Com
essa redução de custos, é muito provável que esse recurso possa ser utilizado
no SUS, em várias escalas, com aplicação em outros tipos de cirurgia. Mas ao
desenvolver o novo sistema, descobrimos que o trabalho do cirurgião também se
torna mais seguro e mais simples", disse Mandel ao Estado.
"Com o smartphone, o cirurgião não precisa virar a cabeça para
olhar o monitor. Em vez disso, ele utiliza o celular como uma tela de alta
definição bem na frente do endoscópio", disse Maurício Mandel, um dos autores do artigo publicado na revista Journal of
Neurosurgery. Foto: Journal of Neurosurgery / Maurício Mandel
De acordo
com Mandel, com o método convencional, o cirurgião introduz um neuroendoscópio
em uma pequena incisão no crânio, no nariz ou no céu da boca do paciente. O
neuroendoscópio inclui uma fonte de luz para iluminar o campo de cirurgia,
lentes de aumento e uma câmera, que envia as imagens a um monitor na sala de
operação, além de canais para inserção de instrumentos cirúrgicos.
"Com o
smartphone, o cirurgião não precisa virar a cabeça para olhar o monitor. Em vez
disso, ele utiliza o celular como uma tela de alta definição bem na frente do
endoscópio. Com isso, ganhamos a enorme vantagem de podermos olhar para o campo
cirúrgico enquanto trabalhamos. Isso facilita a manobra do equipamento, porque
a tela se move junto com o endoscópio, tornando o procedimento muito mais
intuitivo e seguro", explicou Mandel.
Além disso,
segundo Mandel, o método permite gravar e transmitir em tempo real - por wi-fi
ou bluetooth - todas as imagens da neurocirurgia. Elas podem ser enviadas, por
exemplo, a um monitor onde outros cirurgiões podem acompanhar o procedimento.
"Com o celular acoplado, temos a possibilidade de transmitir a cirurgia ao
vivo para um colega em qualquer parte do mundo."
"O
recurso abre portas para algumas possibilidades que nem imaginamos ainda. Às
vezes, na medicina, há casos difíceis ou raros que mesmo um cirurgião muito
experiente pode nunca ter encontrado em sua carreira. Se temos a oportunidade
de compartilhar a cirurgia ao vivo com um colega mais experiente, isso pode ser
muito bom para os pacientes", disse Mandel.
Recurso
pedagógico. Segundo Mandel, o estudo descreve o uso do
smartphone adaptado ao neuroendoscópio em cirurgias realizadas em 42 pacientes,
mas a equipe do HC já utilizou o recurso em mais de 150 casos - incluindo
tratamento para hidrocefalia, aneurismas e a retirada de hematomas provocados
por trauma. De acordo com ele, como todos os passos da cirurgia são gravados, o
conteúdo está sendo utilizado também para fins pedagógicos.
"Mostramos
também no estudo que a integração de smartphone e neuroendoscópio proporcionou
que nossos residentes aprendessem muito mais rápido a realizar
neurocirurgias."
O acoplador
utilizado pelos pesquisadores para integrar smartphone e neuroendoscópio já
existia no mercado e era utilizado especialmente para facilitar a entubação de
pacientes. "Tivemos a ideia de utilizar o acoplador para a neurocirurgia.
Foi preciso fazer algumas adaptações", contou Mandel.
Durante as
cirurgias descritas no estudo, os pesquisadores utilizaram iPhones modelos 4, 5
e 6, combinados com diversos tipos de neuroendoscópios. As imagens foram
enviadas por wi-fi diretamente a um monitor de vídeo que permaneceu na sala de
operação, para o caso de ser necessário utilizar o procedimento convencional.
Mas não foi preciso recorrer ao monitor externo nenhuma vez.
Todas as
cirurgias foram bem sucedidas e não houve nenhum tipo de complicação
relacionada ao uso do smartphone, de acordo com o estudo. Uma das conclusões do
artigo é que o baixo custo do novo recurso permite sua utilização em áreas onde
a infraestrutura médica não é suficiente para a aquisição e manutenção de
equipamentos caros.
Além de
Mandel, os demais autores do artigo são Carlo
Emanuel Petito e Rafael Tutihashi, também do HC-USP e do Hospital Albert
Einstein, Wellingson Paiva, Fernando Gomes Pinto, Almir Ferreira de Andrade,
Manoel Jacobsen Teixeira e Eberval Gadelha Figueiredo - todos do HC-USP - e
Suzana Abramovicz Mandel, do Hospital Albert Einstein.
Nenhum comentário:
Postar um comentário