AS ORIGENS DAS LINGUAGENS FALADA E ESCRITA – o cérebro em
evolução: as bases neurobiológicas da alfabetização e transtornos
Tudo na natureza é uma consequência de uma ou mais causas. O
que é o ser humano hoje é uma consequência também de “muitas causas”. De como
era a terra há milhões de anos, de como eram os animais que haviam se adaptado
às condições que o habitat oferecia em termos de composição da atmosfera
(oxigênio e outros gases), variações de temperatura ao longo do ano, formas de
vida animal e vegetal existentes, disponibilidade de água, e assim por diante,
enfim, tudo dependia de qual era o custo para se manter vivo.
Afinal, todas as formas de vida têm de se alimentar, se
proteger (pelo menos) até a idade procriativa (não importando a forma de
reprodução), procriar em um ritmo que pelo menos equilibrasse a velocidade de
morte, sob pena de ser extinto.
Além disso, a vida teve de ir se adaptando (modificando, evoluindo?)
à medida em que todas essas condições terrestres foram se modificando. Por
isso, muitas formas de vida hoje não existem mais: não conseguiram acompanhar
essas mudanças.
A evolução não ocorre por qualquer motivo ou de modo
involuntário. Ocorre a partir de pressões externas que promove o que foi chamado
por Darwin de seleção natural. Essa se desenvolve de modo muito simples. Todos
os seres vivos – inclusive nós – vieram desse sistema imposto pela natureza.
Não há escolha se se quer fazer parte ou não, apenas vive-se permeados por ela.
A seleção natural é algo muito simples: nada mais é do que
ter filhos e esses sobreviverem ou não; caso sobrevivam, o indivíduo terá o que
é chamado de sucesso reprodutivo, jogando suas características para frente,
para as próximas gerações; mas caso isso não ocorra, esse animal estará fadado
ao fracasso. E, de modo mais abrangente, se isso ocorrer com os diversos
indivíduos de uma mesma espécie, essa estará fadada ao fracasso: entrará em
extinção.
A saga da origem e evolução da espécie humana, culminando
com o homem moderno (há cerca de pelo menos 40.000 anos ou mais), tem muitas
vertentes que tentam recriar esse percurso. As divergências vão desde como
ocorreu todo o processo a partir do ancestral mais antigo mamífero na árvore de
nossa evolução, até o momento em que a nossa “versão contemporânea” de “homem
moderno” o Homo sapiens sapiens
(homem inteligente inteligente) surgiu.
É sempre bom lembrar que evoluir é, entre outras coisas,
adaptar às novas necessidades em primeiro lugar!
Na visão de uma corrente evolucionista, compartilhada por
150 cientistas em um seminário realizado na cidade de Cortana, na Toscana na
Itália, o precursor do ser humano atual surgiu há cerca de 65 milhões anos na África,
a partir de um pequeno mamífero terrestre.
A história contada por Chiarelli e Ciani começa quando
os musaranhos, acostumados aos campos, passaram a subir às árvores das
florestas. Nesse nicho ecológico, com o decorrer das gerações, eles passaram a
desenvolver características mais adequadas ao novo ambiente. Primeiro,
começaram a desenvolver a visão binocular, em que as imagens vistas pelos dois
olhos se confundem numa imagem única, tridimensional. A par disso, surge a
visão em cores. Isso multiplica as chances de sobrevivência no ambiente
multiforme da floresta, onde perceber detalhes (um animal predador escondido na
folhagem) pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
Outra adaptação anatômica de importantíssimas
consequências foi o surgimento do polegar, oponível aos outros dedos da mão, o
que facilita agarrar-se aos galhos das árvores, permitindo ao animal caminhar
entre elas sem o risco de andar no chão exposto às feras. Sem esses dois
processos, o ser humano – descendente daquele insetívoro parecido com o musaranho
– não poderia ter desenvolvido, dezenas de milhões de anos depois, a capacidade
de falar e entender o que os outros falam. Isso porque, sem a visão
tridimensional e colorida, o ser humano não teria conseguido traçar um mapa
mental de seu ambiente – e assim não poderia comunicar a outro ser humano onde
achar comida. E sem o polegar oponível aos outros dedos – uma característica
que o homem partilha com os demais primatas seus parentes, o chimpanzé, o
gorila e o orangotango – a mão não se teria libertado da necessidade de ajudar
o andar sobre o chão, como fazem os quadrúpedes (CIANI e CHIARELLI, 1992).
Todo esse processo parece ter levado cerca de 50 milhões de
anos para se desenvolver. Somente há cerca de 15 milhões de anos podem ter
começado as alterações anatômicas e funcionais, efetivas, que viriam a permitir
que o homem desenvolvesse a capacidade da linguagem falada (fala).
O longo período arbóreo favoreceu o desenvolvimento da
visão, do tato e da audição, em substituição do olfato. Observe que a imensa
maioria dos animais “terrestres” (quadrúpedes) tem esse sentido como dominante,
explorando e reconhecendo os objetos, os animais e o meio ambiente ao redor,
através de seus sensores e conjunto de órgãos olfativo, vivenciando um mundo de
cheiros. Ao passo que os primatas avaliam, examinam e vivenciam os objetos e o
ambiente com os dedos e visualizando-os, coordenando ambas as funções
sensitivas, concomitantemente ou não, experimentando através do toque e/ou do
olhar (LIMA, 1994). O que era de se esperar, como consequência, isso conduziu a
uma redução do focinho e a projeção dos olhos para frente, deslocando-os da
disposição levemente lateral (entre o focinho) para frente, permitindo de tal
modo a percepção de profundidade e volume.
Deve-se destacar que um órgão não somente se modifica
sozinho, individualmente. Ele traz consigo o desenvolvimento de outras partes
do corpo que também se adaptam concomitantemente para adequar e serem aptas à
nova forma do ser. Por exemplo, ao mesmo tempo em que se desenvolvem esses
órgãos sensoriais, desenvolve-se a estrutura corpórea e cerebral para comportar
as novas características. No caso do cérebro dos primatas, desenvolveu-se, além
do seu volume, a sua forma, sobretudo na área do córtex. Essa área mais externa
do cérebro é a principal parte responsável pelos órgãos sensitivos. Sua
expansão foi tal que ele dobrou-se sobre si mesmo, criando um conjunto
intercalado de fissuras e circunvoluções, dando uma aparência de “enrugado” ao
cérebro (DALGALARRONDO, 2011).
Assim, acredita-se que as primeiras consequências de um
primeiro mamífero ter subido nas árvores foi uma progressiva alteração
anatômica da mão e do posicionamento dos olhos na face e, por consequência, da
visão.
Posteriormente a isso, com a melhora tanto na capacidade de
habilidades manuais, quanto nas capacidades da visão, com a posição já ereta
enquanto um bípede de fato, toda a coluna vertebral muda sua estrutura, mudando
o posicionamento do tronco encefálico e sua conexão com a porção superior da
coluna vertebral. Isso leva a mudar o ângulo formado pelo pescoço, passando
para uma posição mais reta, alinhada com a coluna torácica.
Essa mudança permite todo um rearranjo das estruturas anteriores do
pescoço, da cabeça e orofacial (nariz, boca, cavidade oral, faringe e laringe).
Com essas mudanças, a laringe desce. O
osso hióide sofre modificações, melhorando a sua mobilidade e, portanto, a
capacidade de regular a movimentação de subida e descida da laringe no interior
do pescoço. A língua é deslocada mais para trás e para baixo, aumentando espaço
na cavidade oral e a complexidade dos movimentos, permitindo também a
capacidade de produção de sons complexos. Primeira condição para iniciar o
desenvolvimento da fala. Com isso, a laringe tornou-se assim uma caixa de
ressonância bem mais aperfeiçoada e a língua passou a ter mais espaço na boca –
duas características fundamentais para a funcionalidade do aparelho fonador
humano.
Em algum momento esses animais que se veem forçados a
abandonar esse “seguro e verde abrigo” ao qual estavam adaptados para viver,
aos poucos passam a existirem em campos relativamente abertos e/ou savanas
(LEAKEY & LEWIN, 1980). Devido as constantes reduções das áreas bosqueanas,
são “empurrados” a habitar as novas regiões, sendo forçados a buscarem cada vez
mais a sobrevivência de forma distinta do original.
Os que permaneceram nas florestas continuaram sendo seres
herbívoros tendo toda estrutura da cabeça, face, dentes e habilidades manuais
apropriadas para essa alimentação essencialmente (ou exclusivamente)
vegetariana e para se deslocar saltando entre os galhos das árvores na floresta.
A floresta é uma fonte rica de alimentos vegetais para esses primatas, isso fez
com que eles permanecessem, em sua maioria relativamente fixos nesse ambiente
sem se deslocar em busca de alimento.
Todavia, os grupos que migraram em direção à savana
começaram a encontrar um meio ambiente cada vez mais escasso de vegetais.
Saíram de um ambiente onde tinha boa proteção das copas das árvores para
ambiente mais exposto e mais pobre em alimentação. Cada vez tinham de buscar
alimentos mais longe do local de habitação do grupo, ficavam mais expostos à
ação de predadores. Essa mudança forçou a novas adaptações. Só sobrevivendo
aqueles que se adaptaram a essa nova realidade.
A posição ereta assume importância vital para observar mais
distante, enquanto forma de vigilância, a visão de profundidade foi fundamental
nesse processo.
Além disso, ao liberar as mãos da postura quadrúpede, pode
utilizá-las para, no início, melhor triturar o alimento e, depois, desenvolver
formas de processar o alimento, culminando com o cozimento dos alimentos. Com
as mãos livres começam a desenvolver habilidades para manusear e transformar
instrumentos. De presas fáceis, já que não podiam competir com carnívoros
predadores desenvolvidos com essa capacidade, podiam agora começar a se tornar
caçadores suplementando a alimentação vegetal escassa. Inicialmente,
provavelmente, se alimentando de sobras dos outros animais caçadores e depois
caçando as próprias presas. Sim! O homem começou a comer sobras de carne, carne
podre!
O hominídeo agora teve de aumentar o universo de
deslocamento nesse novo ambiente. Para sobreviver com vegetação escassa
dependendo da caça ele teve de fazer verdadeiras jornadas para longe do local
seguro do grupo.
Novas relações sociais se tornam emergentes, se evidenciam.
Isso ocorre à proporção que se busca o alimento, conforme se aventura nesse
novo ambiente mais aberto. Empurrados a um novo mundo de incertezas que se abre
diante desses hominídeos. Havendo a necessidade de proteção – e devido à falta
de mecanismos de defesas naturais se comparados aos grandes caçadores – os
grupos humanos se tornam mais coesos, objetivando a proteção mútua,
consequência da necessidade da proteção de si. Busca-se no grupo a
possibilidade de proteção individual ao mesmo tempo em que se promove a
proteção coletiva e social.
Além da proteção mútua surge uma nova forma de obtenção do
alimento. O atraso e a redução da capacidade, causada pelo andar mais lento,
natural das fêmeas grávidas e das crianças, os ruídos produzidos por elas
(tanto das crianças quanto das fêmeas que tomavam conta dessas e de sua
educação) e a consequente redução na capacidade do trabalho que necessitasse o
uso de longas distâncias, provocam a necessidade de uma “base doméstica”. O
trabalho masculino e feminino se separa. O alimento que era recolhido, seguindo
a mentalidade cooperativa que permeava o bando naquele momento, era levado para
o local onde se encontrava os demais membros, reunindo e partilhando o
resultado da busca, mesmo que essa tenha terminado em fracasso.
Essa necessidade fez com que seu cérebro desenvolvesse
capacidades de orientação espacial cada vez mais refinada para poder saber ir e
voltar ao local de origem, fez ainda, com que começassem a desenvolver a capacidade
de organização de grupos de caça e guerra cada vez mais sofisticados – sempre
pensando na sobrevivência, seja pela comida, seja pela luta pela própria vida
contra predadores, seja contra outros grupos de hominídeos.
Com essa nova realidade se instalando, a comunicação
rudimentar de gestos, gritos grunhidos, caretas, sons pobremente articulados,
passaram a ser insuficientes para a comunicação complexa que se exige para
organizar estratégias de caça, ataque e defesa, para se dar o testemunho,
depoimentos e relatos dos sucessos e fracassos dessas jornadas e incursões.
Seria necessário uma audição mais refinada e um aparelho fonador mais
sofisticado!
É consenso hoje que hominídeos emitiam sons como os homens
de hoje. Os hominídeos que habitaram Atapuerca (uma jazida na Espanha com fósseis importantes
para o estudo do homem primitivo) há 350.000 anos, pertencentes a espécie Homo
heidelbergensis, emitiam sons similares aos da espécie humana atual, o Homo
sapiens, assegurou um dos codiretores das escavações dessa jazida espanhol,
Juan Luis Arsuaga.
O cientista argumentou, em declarações, que "há uma
estreita relação entre o que uma espécie determinada pode ouvir e o que é capaz
de emitir" e afirmou que "a reconstrução de um ouvido interno e de um
ouvido médio a partir de fósseis achados em Atapuerca permite assegurar que
estes hominídeos tinham uma sensibilidade auditiva similar à do homem
atual".
Arsuaga lembrou que os estudos sobre a capacidade
"fônica" do Homo heidelbergensis começaram a partir do estudo do
crânio número cinco, um dos restos mais valiosos localizados em Atapuerca, que
se descobriu na temporada de escavações de 1992.
No entanto, acrescentou, foi há três anos quando se adotou a
linha de pesquisa que depois deu frutos, "ao enfocar o problema da
capacidade de utilizar a linguagem medindo a capacidade auditiva, para o que se
reconstruiu um ouvido que finalmente foi testado por métodos eletrônicos".
Estudos com fósseis com preservação dos ossos internos da
cabeça sugerem que a estrutura da cabeça
do Homo erectus, mais antigo do que o
Homo heidelbergensis, assim como, principalmente, a estrutura do
aparelho auditivo não permitia que sua audição fosse sensível a sons de
frequências próprias da fala humana.
Entretanto, estudos recentes (STOESSEL e cols., 2016)
indicam que o Homem de Neandertal (Neandertal, região da Alemanha onde foi
encontrado o fóssil), tem estrutura ossicular da orelha média muito próxima à do
homem atual, dessa forma, permitindo que ele pudesse ouvir sons próximos da
faixa de frequência da fala humana, conforme afirmam: “[...] A despeito de
diferentes trajetórias evolucionárias as propriedades funcionais da orelha
média são amplamente similares. [...]”. Esses resultados vêm reforçar
afirmações anteriores em que as
conclusões do estudo, publicado na revista especializada
"Proceedings" da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, é de
que há uma diferença na capacidade auditiva do Homo heidelbergensis, entre 2 e
4 quilohertz, e o chimpanzé, que se situa entre 1 e 8 quilohertz. A frequência
auditiva destes hominídeos é muito parecida à do homem atual, "o que unido
à sua capacidade craniana prova, a nosso julgamento, que se comunicava de forma
muito parecida ao homem atual".
A audição humana do homem contemporâneo é sensível a
frequências de 20 Hz (Hertz) a 20.000 Hz (20 KHz).
A voz humana, por sua vez, tem uma extensão que vai de
aproximadamente 60 Hz (voz masculina registro grave) até cerca de 12.000 Hz (12
KHz) que corresponde ao som mais agudo da voz feminina (registro soprano).
A frequência fundamental (repouso da voz) varia de 80 a 250
Hz e de conversação, por sua vez se situa entre 150 e 4000 Hz. Essas
frequências são compatíveis com a sensibilidade auditiva do Homem de
Neandertal.
É importante lembrar que a capacidade da fala está
diretamente ligada à capacidade auditiva, pois a fala saudável se aprende por
imitação da fala produzida pelos indivíduos com quem convivemos. Daí vem a
denominação de “Língua Materna”, aquela língua que se aprende no convívio com a
mãe durante a interação dos cuidados e criação. Aprende palavras, sotaques,
erros e acertos de pronúncia e gramática, como é intuitivamente sabido por
todos.
Uma questão fundamental permanece: como pode qualquer um dos
comportamentos já controlados pelo lado esquerdo do cérebro (como alimentação,
vocalização, comunicação com a mão direita) ser modificado para se tornar fala
- um dos passos mais monumentais da história da vida sobre a Terra?
MacNeilage, Rogers e Vallortigara (2009) imaginaram que era
preciso a evolução da sílaba, a unidade básica organizacional sustentando uma
fala no tempo apropriado. A sílaba típica é uma alternância rítmica entre
consoantes e vogais. (Consoantes são sons criados quando o trato vocal é
momentaneamente fechado ou quase fechado; vogais são os sons criados por meio
da ressonância com o formato do trato vocal enquanto o ar circula relativamente
livre para fora da boca aberta.)
A sílaba pode ter sido desenvolvida como um subproduto de
um alternado levantar (consoante) e abaixar (vogal) do maxilar, um
comportamento já bem estabelecido pela mastigação, sucção e ato de lamber.
Alguns desses ciclos produzidos, como estalos de lábios, podem ter começado a
servir como sinais de comunicação entre os primeiros primatas, como fazem até
hoje muitos outros primatas. Algum tempo depois, as habilidades de vocalização
da laringe podem ter se correlacionado com os estalos de lábios comunicativos
para formar as sílabas que foram inicialmente utilizadas para simbolizar conceitos
individuais, formando assim as palavras.
Subsequentemente, a habilidade de formar frases (linguagem)
presumidamente foi desenvolvida quando os primeiros humanos combinaram os dois
tipos de palavras que contêm o principal significado das frases: substantivos
e verbos.
Isso deve ter sido de fundamental importância, dada a
complexidade comportamental que se desenvolvia então.
É muito possível que a linguagem seja qual for a origem, se
tenha basicamente desenvolvido a partir das necessidades da divisão do
trabalho. Os primeiros agrupamentos humanos organizados já contavam com divisão
de tarefas entre caçadores, coletores de vegetais, preparadores de alimentos,
responsáveis pelas crianças. Essa primitiva, porém, já complexa, rede social
exigia uma forma de comunicação mais sofisticada que o gesto ou o grito – a
linguagem. Ela permitiu que fosse criado o universo específico do ser humano.
Com efeito, o animal ou tem comportamentos inatos, instintivos, ou tem
comportamentos que aprendeu individualmente, mas – na grande maioria das
espécies – é capaz de transmiti-los a seus semelhantes.
Com a linguagem humana, os comportamentos aprendidos
individualmente puderam ser transmitidos aos outros indivíduos e às gerações
sucessivas. A par disso, cresceu enormemente a malha de informações comuns ao
grupo, multiplicando suas possibilidades de sobrevivência. O fato de estar a
linguagem relacionada com a divisão do trabalho pode ser indiretamente
comprovado pelo estudo das abelhas, seres que também trabalham coletivamente e
que, segundo a maioria dos zoólogos, foram os únicos, além do homem, a
desenvolver uma linguagem com símbolos abstratos.
A dança das abelhas comunica em que direção e a que
distância há flores com mel – uma linguagem muito diferente, por exemplo, dos
gritos do ganso quando vê uma fera, que apenas comunica aos outros gansos o
medo que está sentindo. Já um homem pode dizer a outro não só que sente fome –
o que podia indicar apenas com um grito -, mas que sentiu fome ontem. A partir
do uso da linguagem é que o ser humano desenvolveu raciocínios mais complexos
do que os animais. Ao que parece, outros animais também pensam, embora esse
assunto dê margem a intermináveis polêmicas entre os cientistas. Mas o seu
pensamento não tem a ferramenta generalizadora da linguagem. Assim, mesmo que o
animal possa tirar conclusões de um acontecimento, não pode generalizá-las nem
transmiti-las aos companheiros.
Se a linguagem está relacionada ao trabalho e ao raciocínio
lógico, também está relacionada com a liberdade do ser humano. O psicopedagogo
soviético Lev Vygotsky (1896-1934), cujos trabalhos tiveram sua divulgação
restringida na era stalinista, mostrou como a criança diz a si mesma, primeiro
em voz alta e depois internalizadamente, o que quer fazer e o que vai fazer. A
linguagem para si mesmo é o pensamento que desencadeia os atos voluntários,
diferentes dos atos reflexos dos animais.
O homem sabe que na linguagem está a liberdade e tudo que o
torna humano: o raciocínio, a inteligência, a criatividade; e a possibilidade
de comunicar a conquista do raciocínio de cada indivíduo, da inteligência de
cada grupo, da criatividade de cada sociedade. Tudo que é humano – as
pirâmides, os poemas e as naves espaciais – existe assim porque há 65 milhões
de anos um mamífero que comia insetos começou a subir às árvores.
A linguagem vocal humana evoluiu simultaneamente com o cérebro
humano e o desenvolvimento dos órgãos da fala, durante centenas de milhares de
anos. Enquanto o cérebro humano aumentava sua capacidade, a fala se tornou mais
articulada e a dependência da química e dos sinais do corpo diminuiu. Em troca,
isso exigiu a evolução de órgãos de fala especializados que demandavam uma maior
capacidade cerebral para se adaptar à complexidade da sociedade engendrada por
ele. Causa e efeito funcionaram em ambas as direções. Cada função alimentava a
outra num sistema fechado, dinâmico e sinérgico (FISCHER, 2009).
O pensamento primitivo e as vocalizações evoluíram
progressivamente para o pensamento sofisticado e a fala articulada, na mesma
razão, na fila evolucionária.
A linguagem humana moderna parece continuar evoluindo dessa
maneira com a química primordial e a linguagem de sinais virtualmente reduzidos
à percepção subliminar.
Na Europa e Ásia, compondo um amplo universo continental,
parece ter existido um conjunto de línguas primitivas denominadas “protoindo-europeu”.
O
indo-europeu é uma super família linguística — a mais bem-sucedida da história —
que inclui quase todas as línguas faladas atualmente na Europa e suas vastas ex-colônias,
das Américas à Nova Zelândia. (O inglês, por exemplo, é uma língua
indo-europeia da subfamília germânica e sub-sub-família germânica ocidental.)
Geralmente se assume que guerreiros montados da Europa Oriental conquistaram
toda a Europa e substituíram as línguas nativas pelo seu próprio
proto indo-europeu. Essa interpretação foi posta em questão na década de 1980,
pela teoria que diz que os indo-europeus chegaram na Europa no fim da última
Era Glacial, 10.000 anos atrás, vindos do Oriente Médio — não como guerreiros, mas
sim como agricultores que plantavam e colhiam.
Segundo
a nova teoria, esses novos migrantes entraram gradualmente na Europa, cerca de
um quilômetro por ano, absorvendo as populações que caçavam e coletavam. Sua
linguagem 'superior' primeiro dominou, e depois suprimiu todas as línguas
locais enquanto a agricultura substituía lentamente a caça e a coleta.
Documentada
em registros escritos em quase 4.000 desses anos, o indo-europeu compreende
hoje uma das famílias linguísticas mais prósperas do planeta. Só o inglês, que
é apenas uma das mais de 100 línguas descendentes do indo-europeu, distribuídas
em oito subfamílias modernas (céltica, germânica, românica, albanesa, grega,
balto-eslava, armênia e indo-iraniana), pode atualmente contar com mais falantes
de primeira e segunda línguas do que o mandarim chinês, até então detentor do
recorde linguístico.
'Um
escriba, cuja mão se iguala à boca é um escriba de verdade', escreveu, em
argila, um sumério anônimo, cerca de 4.000 anos atrás, e com a frase, ele capturou
a essência da escrita. A escrita não 'evoluiu' gradualmente a partir de
desenhos mudos. Ela começou imediatamente como a expressão gráfica da própria
fala humana, e assim permaneceu. Mesmo o mais antigo hieróglifo egípcio de
cerca de 3400 a.C, que imortalizou um chacal, teria evocado imediatamente na
mente de seu leitor a palavra egípcia para 'chacal' (LECOURS e PAREENTE, 1997).
Não
houve uma pessoa que 'inventou' a escrita. Ela surgiu pela primeira vez numa
ampla faixa que vai do Egito até o Vale do Indo, aparentemente como resultado
da melhora de um antigo sistema de contagem e classificação. Um negociante ou
funcionário melhorou esse sistema descrevendo pictoricamente o bem que estava
sendo contado, medido ou pesado, para diminuir as ambiguidades.
Embora
todos os glifos (abreviação para hieróglifo) primitivos compreendessem figuras
simples, mesmo os mais rudimentares representavam um significado fonético ou
sonoro tirado diretamente da língua.
O
modelo mais básico de linguagem escrita compreende três classes gerais, com
muitas variantes transicionais e combinações (escritas mistas):
—Uma
escrita logográfica permite que um glifo represente um único morfema (a
menor unidade linguística significativa, como 'mão') ou uma palavra inteira
('chacal', como no primitivo hieróglifo egípcio).
—Uma
escrita silábica, compreende glifos que têm significados apenas
silábicos-fonéticos (por exemplo, ko-no-so para 'Konossos', nos escritos
egeus da Era do Bronze).
—Uma
escrita alfabética permite que glifos, chamados 'letras', representem
vogais e consoantes individuais (a, b, c, como no alfabeto
latino).
Com o
tempo, a maioria dos escritos históricos reflete uma mudança de classe, em que
a semântica anterior, ou sentido, é gradualmente substituída pelo conteúdo fonético
ou sonoro: desse modo, os sistemas
logográficos tendem a se tornar sistemas silábicos. Em contraste, o
sistema alfabético permanece único: uma vez desenvolvida — iniciada no Levante
(região mediterrânea no Oriente médio) e terminado na Grécia — foi subsequentemente adotada por centenas de línguas.
Hoje, o sistema de escrita alfabético é o único usado para representar
graficamente línguas anteriormente sem escrita. É possível que a ideia da
escrita tenha surgido uma única vez na história humana, e depois imitada por
muitas sociedades.
Assim,
a evolução de uma língua inicialmente grafada como hieróglifos (do grego, hierós, que significa
“sagrado” e glýphein, que quer dizer
“escrita”) egípcios deu origem a uma escrita aos logogramas (uma representação
gráfica que representam um significado, aproximadamente equivalente a uma
palavra.
Possivelmente essa escrita teve origem na região do Uruk (na suméria,
mesopotâmia), sua cidade mais importante foi Acad, que deu origem ao
termo acádios ou acadianos.
Cerca
de 1300 a.C, os escribas fenícios de Biblos elaboraram um silabário altamente
simplificado usando glifos derivados do princípio acrofônico ou 'da consoante
inicial'. Os fenícios semitas não acharam que a representação das vogais era
necessária em seu silabário; entre outros motivos não linguísticos para não
usar a escrita egípcia, neste caso, é suficiente reconhecer que uma escrita
silábica era mais conveniente que a escrita logográfica dos egípcios. (Línguas semíticas
priorizam consoantes antes de vogais na formação de palavras.) Esse novo
silabário levantino, um proto alfabeto que foi usado de várias formas por
centros comerciais no final da Idade do Bronze, durou apenas até 1200 a.C,
quando, junto ao alfabeto cuneiforme, sucumbiu ao alfabeto consonantal que
havia se desenvolvido através do alfabeto pictográfico de Canaã da Idade do Bronze.
Assim,
o alfabeto fenício arcaico originou todos os alfabetos atuais. O sistema é
composto por 22 signos que permitem a elaboração da representação fonética de
qualquer palavra.
Os
gregos, ainda parceiros comerciais regulares, também adotaram esse novo
alfabeto consonantal. Porém, eles logo descobriram que embora ele representasse
eficientemente as línguas semíticas, a falta de vogais causava muitas
ambiguidades no caso de uma língua indo-europeia, como o grego, em que as
vogais são componentes gramaticais e produtores de sentido importantes.
Eles perceberam
que alguma coisa deveria ser feita para criar um alfabeto conveniente tanto
para o escritor quanto para o leitor de grego. Essa 'alguma coisa' produziu o
mais importante desenvolvimento da escrita desde seu surgimento em si: os
gregos introduziram vogais no alfabeto consonantal levantino, e, desse modo,
completando toda uma nova classe e escrita. A escrita alfabética grega
permaneceu, desde essa época, essencialmente a mesma, a não ser em sua
aparência externa: há quase 3.000 anos.
A
conquista grega foi tremendamente simples e impressionantemente eficiente. Eles
emprestaram partes de glifos semíticos para produzirem vogais puras, inventaram
duas novas letras para representar “sons vocálicos” que não haviam na língua semítica
e criaram o conjunto de cinco vogais em uso até os dias de hoje. Assim, os
gregos montaram seu novo 'alfabeto', uma palavra composta das duas primeiras
letras gregas aλΦa (alfa) e βετa (beta), para uma reprodução ainda mais fiel da
língua grega como ela era falada.
No
final desse processo os engenhosos escribas gregos estavam de posse de um
pequeno e prático alfabeto de letras com consoantes e vogais individuais. Tudo
o que eles tinham de fazer para escrever sua língua era combinar consoantes e
vogais em sequências que formassem palavras inteiras, o mesmo método que usamos
hoje.
Em nenhum
outro lugar do planeta a invenção independente de um alfabeto vocálico e
consonantal se repetiu. Talvez mais significativamente, nenhum sistema de
escrita conseguiu nada mais eminentemente útil para a maioria — embora não
todas — das línguas do mundo.
Todas
as escritas da Europa ocidental e oriental derivam do alfabeto grego. Ao
encontrar o alfabeto grego, europeus pré-alfabetizados ou tomaram emprestada a
ideia da escrita grega ou adotaram o alfabeto grego, com ou sem mudanças.
De
longe, a mais importante adaptação do alfabeto grego foi feita pelos romanos
que, cerca de 600 a.C, se depararam com a escrita grega em solo italiano por
intermédio dos vizinhos etruscos. Os romanos mudaram muito pouco o original
grego. Mais notavelmente, eles sonorizaram o C, que em latim tem o som de [k] e
o escreviam como G. O subsequente poder militar e econômico romano viu o latim escrito
ser usado em todo o mundo ocidental, também em línguas de origem não latina
como as célticas e germânicas.
As
modificações finais no alfabeto foram terminadas cerca de 800 d.C, quando a
necessidade de uma base de escrita clara e clássica foi sentida pelos
instruídos conselheiros de Carlos Magno. A letra V foi dobrada para se criar o
W para o som [w]; o U foi inventado para se distinguir a vogal [u] da consoante
V; e o J sofreu uma inovação para se distinguir da função consonantal da letra
I. Mas o alfabeto atual é muito pouco diferente do usado pelos romanos 2.000
anos atrás. No terceiro milênio d.C, o alfabeto latino se tornou o sistema de
escrita mais importante do planeta.
As
maiores mudanças em sistemas de escrita parecem ocorrer quando falantes de
outras línguas emprestam e adaptam sistemas que não se encaixam nelas. Entre os
falantes semitas ocidentais do Levante, os glifos silábicos foram transformados
em símbolos consonantais que melhor reproduzem as línguas semíticas da área que
são orientadas pelas consoantes. Esse foi, então, o catalisador da maior
contribuição grega para a cultura mundial: um alfabeto puro com sinais tanto
para vogais quanto para consoantes. A forma de comunicação escrita mais eficiente
já projetada (para a maioria, embora não todas, as línguas), o alfabeto grego
foi adotado e imitado em todo o mundo por centenas, senão milhares de línguas,
particularmente nos séculos dezenove e vinte da nossa era. Hoje, qualquer
língua que ainda precise de uma escrita é automaticamente transposta para a
escrita alfabética.
As
línguas latinas falisco (língua
semelhante ao Latim falada em Falérios, cerca de 50 km ao norte de Roma) e
latim estão, provavelmente, entre as mais antigas línguas faladas na
península, exibindo uma fonologia indo-europeia arcaica e um vocabulário muito
modificado, talvez estimulado pelo contato com a população pré-indo-europeia.
O
latim surgiu no Lácio (Latium – Lazio - Latim) no primeiro milênio a.C, quando
Roma chegou ao poder e subsequentemente suprimiu todas as outras línguas itálicas
da península. No início, o latim era simplesmente o dialeto local da vila de
Roma, mas com o passar do tempo ele se tornou uma das grandes línguas da
história.
O
latim vulgar falado continuou a evoluir em substratos estrangeiros em todo o
império romano, criando a família linguística românica. Cada uma de suas
línguas descendentes foi falada em suas proto formas durante muitos séculos até
serem finalmente registradas em documentos: francês no século nove; o italiano
no século dez; o provençal no sul da França, um século depois; as
três línguas ibero-românicas espanhol, português e catalão, no
século doze; e o romeno no século dezesseis.
Todas
as línguas românicas, com exceção do romeno, sofreram influência contínua do
latim clássico. Por esse e outros motivos, a inteligibilidade entre os falantes
atuais das línguas itálicas é muito maior do que entre os falantes de línguas
germânicas.
A
formação e a própria evolução da língua portuguesa contam com um elemento
decisivo: o domínio romano, sem desprezar por completo a influência das
diversas línguas faladas na região antes do domínio romano sobre o latim
vulgar, o latim passou por diversificações, dando origem a dialetos que se
denominava romanço (do latim romanice que significava, falar à maneira dos
romanos).
Com
várias invasões bárbaras no século V, e a queda do Império Romano no Ocidente,
surgiram vários destes dialetos, e numa evolução constituíram-se as línguas
modernas conhecidas como neolatinas. Na Península Ibérica, várias línguas se
formaram, entre elas o catalão, o castelhano, o galego-português, deste último
resultou a língua portuguesa.
O galego-português, era uma língua limitada a todo Ocidente da Península,
correspondendo aos territórios da Galiza e de Portugal, cronologicamente
limitado entre os séculos XII e XIV, coincidindo com o período da Reconquista.
Na entrada do século XIV, percebe-se maior influência dos falares do Sul,
notadamente na região de Lisboa; aumentando assim as diferenças entre o galego
e o português.
O
galego apareceu durante o século XII e XV, aparecendo tanto em documentos
oficiais da região de Galiza como em obras poéticas. A partir do século XVI,
com o domínio de Castela, introduz-se o castelhano como língua oficial, e o
galego tem sua importância relegada a plano secundário.
Já o
português, desde a consolidação da autonomia política e, mais tarde, com a
dilatação do império luso, consagra-se como língua oficial. Da evolução da
língua portuguesa destaca-se alguns períodos: fase proto-histórica, do
Português arcaico e do Português moderno.
Somente
no século XI, quando os cristãos expulsaram os árabes da península, o
galego-português passou a ser falado e escrito na Lusitânia, onde também
surgiram dialetos originados pelo contato do árabe com o latim. O
galego-português, derivado do romanço, era um falar geograficamente limitado a
toda a faixa ocidental da Península, correspondendo aos atuais territórios da
Galiza e de Portugal. Em meados do século XIV, evidenciaram-se os falares do
sul, notadamente da região de Lisboa. Assim, as diferenças entre o galego e o
português começaram a se acentuar. A consolidação de autonomia política,
seguida da dilatação do império luso consagrou o português como língua oficial
da nação. Enquanto isso, o galego se estabeleceu como uma língua variante do
espanhol, que ainda é falada na Galícia, situada na região norte da
Espanha.
Portanto,
é importante ressaltar que a origem da língua portuguesa pode ser representada,
de maneira simplificada, através de uma ordem cronológica que se inicia nas
primeiras línguas que fazem parte da grande família de línguas indo-europeias
que têm como tronco mãe, possivelmente, o acadiano, tida como a primeira língua
grafo fonêmica ao criar o alfabeto fenício com 22 letras com função ora de
consoante, ora de sílaba completa.
Ou seja,
a língua portuguesa é nascida diretamente de linhagem de línguas com origem no
Latim, que desde o seu primórdio foi adaptado para uma escrita alfabética. O
português já nasceu fônico silábico – alfabético.
Então
temos, por um lado, a evolução lenta e paulatina da capacidade de linguagem
falada e escrita do Homo sapiens sapiens,
por pressão adaptativa do ambiente em transformação (evolução?) e por fatores
epigenéticos (adaptações do DNA, sem mudança da sequência do genoma). Esse
processo levou ao desenvolvimento do encéfalo com consequente aumento no seu
tamanho, nas suas capacidades e na complexidade dessas capacidades. A aquisição
das habilidades da fala e da escrita são exemplos disso.
É de
se ressaltar que a habilidade da linguagem falada começou a se desenvolver há
cerca de 100.000 a 180.000 anos, de acordo com várias correntes de
investigação. A evolução do cérebro nessa habilidade foi rápida se se
considerar toda evolução do homem a partir de cerca de 4 a 5 milhões de anos com
o australopithecus quando surgiu o
bipedalismo (capacidade de se locomover sobre dois membros) ou a cerca de 1 a 2
milhões de anos quando com o Homo erectus quando as vocalizações começaram
a se tornar simbólicas.
Porém,
ao se comparar o tempo de evolução entre a linguagem falada propriamente dita e
a linguagem escrita, vê-se que a habilidade da escrita só foi adquirida bem
recentemente, cerca de 6000 anos somente. Ou seja, podemos dizer que o homem
está “recém alfabetizado”!
Resumindo,
a linguagem escrita tem um curso evolutivo bem marcado e elucidado. Está bem
documentado que essa evolução da linguagem escrita passou por uma primeira
etapa lenta pictográfica, ao longo de pelo menos 40.000 anos (pinturas
rupestres), depois, bem recentemente na história humana, há cerca de 6.000, as
primeiras representações pictográficas estruturadas com características de
escrita, os pictogramas egípcios (hieróglifos), seguido há cerca de 5.000 anos,
depois, cerca de 4.000 anos surge a escrita grafo fonêmica silábica, e, a cerca
de 3.000 anos, os gregos aperfeiçoam a representação das letras com a criação
de duas novas vogais compondo o conjunto de cinco vogais que são utilizadas até
hoje, consolidando o conhecido ALFABETO, uma alusão às duas primeiras letras da
escrita grega (alfa e beta). A partir disso, uma ampla maioria de línguas no
mundo adota o alfabeto grego como forma de representar os sons da linguagem
escrita.
Reforçando:
o homem começou a falar sílabas, a partir do movimento mastigatório; começou a
escrever a partir de pictogramas, passando por logogramas e silábica,
culminando com a escrita grafo fonêmica composta, no caso da língua portuguesa
26 letras. O tempo demandado foi consequência de um processo evolutivo
neurológico que foi sendo incorporado ao cérebro humano.
Pois
bem, na criança, como é o desenvolvimento dessas duas competências?
Primeira
coisa a se observar é a discrepância entre a aprendizagem da linguagem falada
(oralidade) e a linguagem escrita (alfabetização), considerando-se o tempo de
desenvolvimento neuro-psico-motor-cognitivo da criança (DNPMC).
A
infância vai até cerca de 8 a 9, com início da pré-puberdade e termina em torno
dos 10 -12 anos, quando se instala a puberdade que é caracterizada pelas
transformações próprias da adolescência, resultado da maturação do sistema
nervoso e ação dos hormônios sexuais.
A primeira
fase da oralidade, logo ao nascimento, é constituída de sons básicos do choro e
do grito. Em seguida vem a fase de vocalização (vocalizes) basicamente sons
vocálicos sem quase nenhuma articulação ou obstrução à saída do ar pela boca.
São sons produzidos essencialmente pelas pregas vocais e modulados pelas
mudanças da abertura da boca e posição da língua, durante os primeiros meses de vida – variações do “a, ê, é, i, ô, ó, u”.
Muitas
pessoas já chamam (erroneamente) essa fase de balbuciar.
O
balbuciar pressupõe, necessariamente, algum processo de articulação orofacial
(elevação da mandíbula própria do fechar a boca ao mastigar) ou de obstrução
(/bá/ ou /pá/, som bilabial, p. ex.) à saída do ar da boca ou uma resistência
por fricção (/vê/, /fê/, p. ex.). Geralmente começa pelo som bilabial plosivo
‘bê”, daí o termo “Bal Bu ciar”. Essa fase começa em torno dos quatro meses de
idade, sedo a fase anterior ou despercebida ou ignorada, dado o significado social
que tem o balbuciar da criança: (Está falando “bãbãe” !!!).
Evolutivamente
essa habilidade, acredita-se, vem da habilidade mastigatória que nossos
ancestrais herbívoros tinham, que é resultado do movimento elevação e
abaixamento da mandíbula durante o triturar e mastigar o alimento vegetal.
Esse
seria o movimento articulatório mais treinado pelo humano ao iniciar sua
aprendizagem dos movimentos necessários para o desenvolvimento da fala
articulada, exigidos para pronunciar os sons consonantais.
Afinal,
o que diferencia uma consoante de uma vogal?
As consoantes
são sons criados quando o trato vocal é momentaneamente fechado ou quase
fechado. As Vogais são sons criados por meio da ressonância com o formato do
trato vocal enquanto o ar circula relativamente livre para fora da boca aberta.
A sílaba típica (unidade básica
organizacional sustentando uma fala no tempo apropriado), já é um subproduto
de um alternado levantar (consoante) e abaixar (vogal) do maxilar, um comportamento
já bem estabelecido pela mastigação, sucção e ato de lamber.
Ao
longo da segunda metade do primeiro ano de vida com o amadurecimento do sistema
nervoso da criança ela vai desenvolvendo a capacidade fono articulatória através
do treinamento por repetição dos sons
que está ouvindo dos pais e cuidadores. Neste ponto, vai começar a
balbuciar, combinando consoantes e vogais (como "dadá" ou
"babá". Os primeiros "mama/ã" e "papá") podem
escapar aqui e ali, porém, não significam que o bebê já relacione direito as
palavras aos cuidadores. Isso vem depois, quando ele estiver com quase um ano.
A
partir de um ano a uma ano e meio, ele começa usar uma ou mais palavras e sabe
o que elas significam. Pratica até mesmo a inflexão, elevando o tom ao fazer
uma pergunta, como "co-lo?", quando quiser ser carregado, por
exemplo. A criança percebe a importância da fala e o enorme poder que
representa o fato de ser capaz de expressar suas necessidades. Dos dezoito meses em diante o vocabulário
pode incluir até 200 palavras, muitas delas nomes. A partir dessa idade as crianças aprendem uma média de dez ou mais
palavras por dia. Algumas aprendem palavras novas a cada 90 minutos, uma média
impressionante.
Aos
dois anos, começará a usar frases com três palavras e cantará canções simples.
O senso de identidade dele vai amadurecer e ele começará a falar sobre si - do
que gosta e do que não gosta, o que pensa e sente. Os pronomes podem
confundi-lo e é possível que você o pegue dizendo "nenê fez", em vez
de "eu fiz".
Aos
três anos a criança terá um pouco de dificuldade para empregar o volume
apropriado para falar, mas logo aprenderá. Também começará a desvendar os
macetes dos pronomes, como "eu" e "você". Entre 2 e 3 anos,
seu vocabulário aumentará para até 300 palavras. Ela usará nomes e verbos
juntos para formar frases completas, embora simples, como "Eu quero
agora". Nesse momento a fala será usada com mais sofisticação. Será capaz
de manter uma conversa e ajustar o tom, os padrões de fala e o vocabulário ao
parceiro da conversação. Usará, por exemplo, palavras mais simples com outras
crianças, mas será mais sofisticado com você.
É
possível que você já entenda tudo o que ele diz. A maioria das crianças nessa
idade é fluente ao dizer o nome e a idade, e responde prontamente a uma
pergunta.
As tentativas dele de falar vão parecer um jorro de monólogos em outra língua
qualquer, infindáveis torrentes de palavras. A vocalização é uma brincadeira
para a criança, que faz experiências usando a língua, os dentes, o céu da boca
e as pregas vocais para produzir todo tipo de sons engraçados. Ela se diverte
quando descobre que é ela quem faz tudo aquilo, fica estimulada a repeti-los e
a procurar novos barulhos.
Com
esse breve retrospecto do desenvolvimento infantil, podemos observar que
durante os dois a três primeiros anos de vida a criança já adquire competência
da fala suficientemente desenvolvida para se comunicar com relativa eficiência.
Observe-se que o processo se inicia nos dois primeiros meses de vida!
A
linguagem escrita, essa demora, proporcionalmente muito mais tempo, tanto para
se iniciar quanto para adquirir eficiência razoável. A sequência evolutiva
nesse processo reproduz, quase que fielmente o processo evolutivo do homem ao
longo dos últimos seis mil anos, conforme descrito anteriormente. Iniciando-se
com representações que remetem aos pictogramas egípcios e culminando com a
escrita “silábico-fônica” (inversão proposital que faço aqui).
Dessa
forma, a psicolinguística tem mostrado que o aprendizado da leitura e da
escrita se faz em três fases ou etapas: a logográfica; a alfabética e a
ortográfica.
A
partir do estudo de crianças em aquisição de leitura e escrita e de pacientes
neurológicos com distúrbios em tal aquisição, diversos pesquisadores, como
Frith (1990) e Morton (1989), descreveram os três estágios pelos quais a
criança passa no processo de domínio da linguagem escrita: logográfico,
alfabético e ortográfico (para maiores detalhes ver Capovilla, A.G.S, 2002, 2008; Seabra, A.G., 2008, 2012 e outros).
No estágio
logográfico, a criança trata a palavra escrita como se fosse uma
representação pictoideográfica e visual do referente, não atentando à sua
característica alfabética, ou seja, ao código de correspondências entre letras
e combinações de letras (grafemas) e seus respectivos sons da fala (fonemas).
Neste estágio, a leitura consiste no reconhecimento visual global de algumas
palavras comuns que a criança encontra com grande frequência, como seu próprio
nome e os nomes de comidas, bebidas e lugares impressos em rótulos e cartazes.
A escrita também se resume a uma produção visual global, sendo que a escolha e
a ordenação das letras ainda não estão sob controle dos sons da fala.
É uma
fase essencialmente concreta, “escreve” o que vê (desenha), o refinamento dessa
escrita está diretamente relacionado ao seu controle da habilidade motora fina
das mãos.
Além
disso, a manutenção de tal estratégia de leitura logográfica exigiria muito da
memória visual e acabaria levando a uma série crescente de erros grosseiros,
como trocas de palavras (paralexias) visualmente semelhantes. Frente ao
crescente contato com material escrito e às instruções sobre a linguagem
escrita, a criança começa a ingressar no segundo estágio, o alfabético.
No estágio
alfabético, as relações entre o texto e a fala se fortalecem e, com o
desenvolvimento da rota fonológica. Esse estágio vem no momento em que a
criança começa a trabalhar com conceitos abstratos. A escrita não mais é a
representação fiel do objeto ou da figura. É ensaiado durante a fase das garatujas, o traçado tem a conotação de
“tentar escrever” e não mais desenhar. O Traçado não mais representa o
pictograma, ou logograma, fazendo a correlação evolutiva.
Neste
estágio, a criança aprende o princípio da decodificação na leitura (isto é, a
converter as letras do texto escrito em seus sons correspondentes) e o da
codificação na escrita (converter os sons da fala ouvidos ou apenas evocados em
seus grafemas correspondentes). De início, tal processo é muito lento e a
criança tende a cometer erros na leitura e escrita de palavras em que há
irregularidade nas relações entre letras e sons (e.g., táxi). Nessa etapa
há um predomínio de representação das
consoantes das sílabas tônicas das palavras, novamente, de maneira similar ao
observado nas línguas mais antigas do proto-indo-europeu.
No
entanto, à medida que a criança tem maior contato com a leitura e a escrita,
ela vai se tornando cada vez mais rápida e fluente em tais habilidades, e vai
cometendo cada vez menos erros envolvendo as palavras irregulares, desde que as
encontre com uma certa frequência. Com a prática, a criança não apenas deixa de
hesitar, como também passa a processar agrupamentos de letras cada vez maiores,
em vez das letras individuais, chegando a processar palavras inteiras se estas
forem muito comuns e lendo-as de memória. Neste ponto, a criança está deixando
o segundo estágio e entrando no terceiro, o ortográfico.
No estágio
ortográfico, a criança aprende que há palavras que envolvem irregularidade
nas relações entre os grafemas e os fonemas. Ela aprende que é preciso
memorizar essas palavras para que possa fazer uma boa pronúncia na leitura e
uma boa produção ortográfica na escrita. Tendo já passado pelo estágio
alfabético, em que aprendeu as regras de correspondência entre grafemas e
fonemas, agora, no estágio ortográfico, a criança pode concentrar-se na
memorização das exceções às regras (isto é, na ortografia das palavras
grafofonemicamente irregulares), na análise morfológica das palavras que lhe
permite apreender seu significado, e no processamento cada vez mais avançado da
sintaxe do texto. Neste ponto, seu sistema de leitura pode ser considerado completo
e maduro, conseguindo ler as palavras familiares com cada vez maior rapidez e
fluência, por meio do reconhecimento visual direto (isto é, pela estratégia
lexical).
É
importante ressaltar que, ao chegar a este último estágio, só porque a criança
passa a ser capaz de fazer uso da estratégia lexical, não significa que ela
abandone as estratégias anteriores. Em verdade, as três estratégias de leitura
ficam disponíveis o tempo todo à criança, sendo que ela aprende a fazer uso da
estratégia que se revelar mais eficaz para um ou outro tipo de material de
leitura e escrita.
De
acordo com Share (1995), a rota fonológica que predomina no segundo estágio, o
alfabético, é essencial para o desenvolvimento da leitura. E, para que a rota
fonológica seja competente, é essencial a consciência de que a fala tem uma
estrutura fonêmica subjacente. Isto porque, quando a criança consegue perceber
que a fala é segmentável em sons e que esses sons são mapeados pela escrita,
ela passa a usar um sistema gerativo que converte a ortografia em fonologia, o
que possibilita a leitura de qualquer palavra nova, desde que envolva
correspondências grafo fonêmicas regulares. Esta geratividade, característica
das ortografias alfabéticas, permite a autoaprendizagem pelo leitor pois, ao se
deparar com uma palavra nova, ele a lerá por decodificação fonológica. Tal
processo aos poucos contribuirá para criar uma representação ortográfica
daquela palavra. É a constituição dessa representação ortográfica que permite
com que tal palavra, daí por diante, possa ser lida pela rota lexical. Logo,
essencialmente, é o próprio processo fonológico, que depende da consciência
fonológica, que permitirá ulteriormente a leitura e a escrita lexicais
competentes (Share, 1995).
Assim,
como a consciência fonológica e a decodificação são pré-requisitos para o
domínio da linguagem escrita, pessoas com dificuldades para desenvolver a
consciência fonológica (como ocorre com grande parte dos disléxicos) apresentam
dificuldades na alfabetização.
Na
França, (SOARES, 2003) a constatação de dificuldades de leitura e de escrita na
população em fase de escolarização levou o Observatório Nacional da Leitura,
órgão consultivo do Ministério da Educação Nacional, da Pesquisa e da
Tecnologia, a divulgar, no final dos anos de 1990, o documento Apprendre à lire au cycle des apprentissages
fondamentaux (Observatoire National de la Lecture, 1998), em que, com apoio
em dados de pesquisas sobre a aprendizagem da leitura, afirma-se que o
conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processos de codificação e
decodificação constituem etapa fundamental e indispensável para o acesso à
língua escrita, “condition nécessaire,
bien que non suffisante, de la comprehénsion des textes” (grifo do
original), etapa que não pode ser vencida [...]
[...] sans une instruction explicite,
visant d’une part la prise de conscience du fait que la parole peut être
décrite comme une séquence linéaire de phonèmes, d’autre part, que les
caractères (ou groupes de caractères) alphabétiques représentent les phonèmes. (em tradução livre: [...]sem instrução explícita,
concebido em primeiro lugar a consciência do fato de que a palavra pode ser
descrita como uma sequência linear de fonemas, por outro lado, os caracteres
(ou grupos de caracteres alfabéticos) representam fonemas)
Nos
Estados Unidos, desde o início dos anos de 1990 tem sido intensa a discussão
sobre a aprendizagem da língua escrita na escola, discussão que se concentra,
sobretudo, em polêmicas que contrapõem a concepção holística – whole language –
à concepção grafofônica – phonics. Em meados dos anos de 1990, a whole language, que vinha tendo grande
difusão no país desde meados dos anos de 1980, passou a ser contestada,
sobretudo por negar o ensino do sistema alfabético e ortográfico e das relações
fonema–grafema de forma direta e explícita. Já em de 1990, a publicação da obra
de Marilyn Jager Adams, Beginning to read
: thinking and learning about print,
levara à substituição da oposição phonics
versus whole-word, em torno da qual
se desenvolvia, até então, o debate, pela oposição phonics versus whole language.
Identifica-se um paralelo com o que ocorreu no Brasil aproximadamente na mesma
época, quando o debate que até então se fazia em torno da oposição entre métodos
sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos (palavração, sentenciação,
global) foi suplantado pela introdução da concepção “construtivista” na
alfabetização, bastante semelhante à whole
language.
Os
defensores do ensino direto e explícito das relações fonema–grafema, no
processo de alfabetização, nos Estados Unidos, encontraram reforço no relatório
produzido, em 2000, pelo National
Institute of Child Health and Human Development (NICHD), em resposta à
solicitação do Congresso Nacional, alarmado com os baixos níveis de competência
em leitura que avaliações estaduais e nacionais de crianças em processo de
escolarização vinham denunciando: o National
Reading Panel: teaching children to read é um estudo de avaliação e
integração das pesquisas existentes no país sobre a alfabetização de crianças,
com o objetivo de identificar procedimentos eficientes para que esse processo
se realizasse com sucesso. O
subtítulo do relatório esclarece bem sua natureza: An evidence-based assessment of the scientific research literature on
reading and its implications for reading instruction.
O
relatório conclui que, entre as facetas consideradas componentes essenciais do
processo de alfabetização – consciência fonêmica, (relações fonema–grafema),
fluência em leitura (oral e silenciosa), vocabulário e compreensão –, as
evidências a que as pesquisas conduziam mostravam que têm implicações altamente
positivas para a aprendizagem da língua escrita o desenvolvimento da
consciência fonêmica e o ensino explícito, direto e sistemático das
correspondências fonema–grafema. Uma análise tanto do documento francês – Apprendre à lire – quanto do relatório
americano – o National Reading Panel
– evidenciam que a concepção de aprendizagem da língua escrita, em ambos, é
mais ampla e multifacetada que apenas a aprendizagem do código, das relações
grafofônicas; o que ambos postulam é a necessidade de que essa faceta recupere
a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo,
que ela seja objeto de ensino direto, explícito, sistemático.
Esse
levantamento feito nos Estados Unidos, partiu de uma análise de 100 mil outros
estudos e se concentrou em uma amostra de 68 pesquisas relevantes, que incluíam
milhares de crianças, e ofereceram a conclusão de que os métodos fônicos são
mais eficazes do que os outros. De modo geral, ficou comprovado que o método
funciona melhor para os que têm mais dificuldade, ajudando a desenvolver
competência de compreensão e aprendizagem da ortografia e é mais impactante
para as crianças de nível econômico mais baixo. Ainda segundo esse
levantamento, não basta apenas usar qualquer método fônico, o melhor é o
fônico sintético, que apresenta as relações de fonema e grafema de forma
sistemática e explícita.
Anteriormente,
em 1990, a pesquisadora americana Marilyn Adams publicou uma revisão da
literatura disponível desde 1960 e constatou que esses estudos revelavam a
importância da consciência fonológica e fonêmica como fatores associados a
fatores fortes de predição do sucesso da alfabetização. Assim, Adams conclui
que métodos fônicos, que usam a associação fonema-grafema, quando implementados
de maneira sistemática e explícita, são mais eficazes do que os outros.
Além
disso, diversos estudos também têm relatado que procedimentos para desenvolver consciência
fonológica são eficazes em produzir a aquisição bem sucedida de leitura e
escrita competentes. O segundo achado do relatório diz respeito à importância
das instruções fônicas, que consistem no ensino explicito e sistemático das
correspondências entre as letras e os sons. O relatório também compara dois
tipos de instrução fônica: A sintética, em que o educando é explicitamente
ensinado a relacionar as letras e os conjuntos de letras individuais aos seus
respectivos sons, a converter as letras em sons e combinar os sons para formar
palavras reconhecíveis; A analítica, em que o educando é primeiro apresentado a
unidades de palavras inteiras e, em seguida, a instrução sistemática associando
letras especifica da palavra com seus respectivos sons, sendo que ele só
analisa as relações entre letras e sons de palavras que já tenha aprendido
anteriormente de modo a evitar pronunciar sons fora da palavra.
Segundo
Capovilla (2011), a meta-análise demonstrou que, dentre as diversas variantes
do método fônico, a mais eficaz é aquela que introduz os fonemas de forma
explícita, sistemática e nunca sequência planejada, e não o método
“contextualizado”, que fornece informações sobre os fonemas na medida em que
eles aparecem em textos. Ele também ressalta a importância das habilidades de
fluência e de vocabulário para permitir uma maior compreensão do texto e maior
facilidade em reter e relacionar as informações de texto.
Entretanto,
a questão tem se colocado, particularmente nos Estados Unidos, e começa a se
colocar assim também entre nós, em termos de antagonismo de concepções, uma
oposição de grupos a favor e grupos contra o movimento que tem sido denominado
a “volta ao fônico” (back to phonics)
– como se, para endireitar a vara, fosse mesmo necessário curvá-la para o lado
oposto, ou como se o pêndulo devesse estar ou de um lado, ou de outro.
Em
síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a necessidade de reconhecimento
da especificidade da alfabetização, entendida como processo de aquisição e
apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar,
e como decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num
contexto de letramento – entendido este, no que se refere à etapa inicial da
aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura e
de escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e
da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes
positivas em relação a essas práticas
O que
vemos acima, nessa breve revisão sobre o “processo de alfabetização”, como
prefiro referir, é um retorno à sintonia do desenvolvimento aos mecanismos de
evolução.
O
processo evolutivo da competência das linguagens falada e escrita foi resultado
da evolução da complexidade cerebral, evolução essa, resultado, entre outros
fatores, das pressões das condições de vida do homem à época (conforme
discutido acima).
A
complexidade encefálica se faz, basicamente, através de dois processos: 1)
aumento do número de neurônios do encéfalo – chegando no homem contemporâneo a
cerca de 86 bilhões de neurônios no homem adulto; e 2) aumento da circuitaria
formada pela rede de conexões (sinapses) estabelecidas ao longo do desenvolvimento
do indivíduo, da mesma forma que deve ter acontecido ao longo da evolução do
homem.
Dessa
forma, o recém-nascido tem cerca de 100 bilhões de neurônios, e nem por isso é
mais capaz do que o adulto, isso porque a rede sináptica é bem pobre se
comparada ao adulto.
Se ao
longo do desenvolvimento da infância até a adultícia há redução no número de
neurônios (de cerca de 100 bilhões para cerca de 86 bilhões), o número de
sinapses aumenta de algumas centenas de trilhões! Isso se deve ao que é conhecido
como plasticidade sináptica ou
plasticidade cerebral. Quanto maior a complexidade sináptica, maior a
complexidade funcional do sistema nervoso.
A
forma mais elementar de “fala” desenvolvida pelo homem, foi (acredita-se) a
pronúncia de sílabas, possivelmente sons bilabiais plosivos, conforme explicado
anteriormente. Esses sons surdos exigiam pouco da mobilidade fono articulatória
e, portanto da complexidade da função cerebral para coordenar esse
comportamento. À medida em que a circuitaria cerebral foi se complexando, a
capacidade fono articulatória também o foi.
Eric
Kandel (Laureado Nobel de medicina e neurociências em 2000), elucidou com
maestria e simplicidade a forma como ocorre a memorização e a aprendizagem no
sistema nervoso. É um processo de formação de novas sinapses, indo sempre da
unidade para o todo, ou seja, do simples para o complexo. Assim, a aquisição da
linguagem falada assim como a aquisição da linguagem escrita, também respeita
esse processo.
A
criança (o cérebro) primeiro deve aprender a executar os processos mais simples
que constituem a base de um comportamento ou uma habilidade mais complexa antes
de aprender o mais complexo.
Por
isso que a humanidade primeiro (há cerca de 100 a 180 mil anos) falou SÍLABAS
simples bilabiais e depois foi desenvolvendo as habilidades para pronunciar
toda a gama de sons utilizadas na fala UNIVERSALMENTE, que compões um conjunto
de cerca de 50 sons representados por cerca de 80 letras. Levou pelo menos
cerca de 100 mil anos após aprender a falar para ter a sofisticação mental
suficientemente desenvolvida para elaborar um sistema de escrita com alguma
capacidade de transmitir conceitos abstratos (Egito antigo - hieroglifos).
Levou mais cerca de mil anos para migrar definitivamente de uma escrita logográfica
(cidade de Uruk, acadiano) para
desenvolver escrita inicialmente silábica
essencialmente consonantal (!), mais mil anos para desenvolver o conceito
definitivo de alfabeto fônico-silábico na civilização grega antiga, criando o
conjunto de 26 letras que até hoje é utilizado para a escrita na ampla maioria
das sociedades do mundo.
Resumindo,
se observarmos as fases do desenvolvimento infantil da alfabetização, ela
reproduz exatamente o processo evolutivo. O cérebro desenvolvendo faz o mesmo
caminho do cérebro evoluindo, portanto, não se justifica o salto de etapas
durante esse processo.
Daí
as conclusões nesse amplo trabalho de investigação sobre eficiência dos
diferentes métodos de alfabetização, resgatando a necessidade premente de se
partir do ensinamento do simples para o complexo, da letra para a sílaba, da
sílaba para a palavra, permeado pelo constante exercício da consciência
fonológica.
http://rafaelbruno-neurocienciaeconsciencia.blogspot.com.br/2017/06/as-origens-das-linguagens-falada-e.html
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