A PESQUISA E OS SERVIÇOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA
Existe hoje o reconhecimento que as decisões (sejam clínicas, de gestão ou de definição de políticas de atenção à saúde) devam ser fundamentadas em evidencias. É corrente que as evidencias são essenciais para qualificar a atuação das equipes de saúde e a gestão dos serviços, e que provém tanto de conhecimentos tácitos, como de conhecimentos explícitos - em outras palavras, são derivadas tanto da experiência prática, como da pesquisa formal. E, embora as decisões tomadas com base em evidencias sejam geralmente referidas como conhecimento explícito, é justamente o saber tácito que as distingue e qualifica.
O conhecimento tácito é de caráter prático e subjetivo, implícito, advindo da experiência dos clínicos, dos gerentes, das equipes. Sustenta um ´como fazer´, freqüentemente só aplicável ao local, raramente publicado, tradicionalmente pouco valorizado. O conhecimento explícito é de caráter teórico e objetivo, acadêmico: resultado de estudos formais, é publicado em revistas científicas e afirma um ´o que fazer´ generalizável. Tradicionalmente muito valorizado (1).
Serviços de saúde baseados em evidências são aqueles que têm, eles próprios, a capacidade de produzir evidências (nos serviços de Atenção Primária há grande riqueza de conhecimentos advindos da prática e da ciência do contexto) e a flexibilidade de incorporar evidências às suas práticas clínicas e gerenciais: seus profissionais, individualmente e em equipe, devem possuir a destreza de encontrar, avaliar e usar o conhecimento advindo de pesquisa formal. Para tanto, a produção de conhecimento e o seu uso devem ser institucionalmente valorizados, o que exige um contexto de aprendizagem, o apoio de sistemas que disponibilizam a melhor informação vigente, e uma cultura avaliativa. Ambos os conhecimentos, tácito e explícito, devem estar disponíveis quando necessário!
Os serviços de Atenção Primária (APS) não prescindem de estudos que respondam, a curto prazo, às perguntas de gerentes e equipes de saúde. Equipes comprometidas, sensíveis aos fenômenos relacionados à saúde da população local, buscam entender esses fatos de forma a melhor adaptar suas ações e corresponder com eficiência às necessidades em saúde. Assim, estudos operacionais são realizados por integrantes destas equipes, retroalimentando-as com agilidade na adequação das atividades clínicas, de planejamento e de avaliação dos serviços.
A seguir são apresentados alguns exemplos de estudos operacionais, onde se observa a vinculação de evidencias provenientes das diferentes fontes de conhecimento, e sua utilização no aperfeiçoamento das práticas.
(a) qualidade da atenção às crianças com asma(2) - O monitoramento das internações por asma em menores de 19 anos demonstrou que, apesar da disponibilidade de medicação e das atividades de atualização das equipes de saúde, o número de hospitalizações por essa condição sensível à APS seguia acima do esperado. Uma breve entrevista, sistematizada, em todos os casos de internações, por período determinado, demonstrou que hospitalizações poderiam ter sido evitadas se: corticóide inalatório houvesse sido prescrito, conforme o protocolo, em um maior número de situações; fosse seguida a recomendação de entregar um plano de ação escrito a todos pacientes; os pacientes e familiares fossem melhor orientados quanto à técnica inalatória e recorrido ao tratamento no início da crise; houvesse sucedido a desmistificação de crenças tais como spray faz mal ao coração. Estes resultados subsidiaram as atividades de educação continuada das equipes e resultaram em imediata mudança nas atitudes dos profissionais e redução do número de hospitalizações.
(b) diagnósticos de sífilis congênita(3) - a identificação de casos da doença levou à revisão da qualidade do atendimento pré-natal e da realização dos exames preconizados. O estudo demonstrou 94% de realização do VDRL e 94% de anti-HIV no primeiro trimestre da gestação; e 79% de realização de VDRL e 63% de anti-HIV no terceiro trimestre, evidenciando falhas no pré-natal. Os resultados foram prontamente discutidos com as equipes de saúde e os reflexos dessa intervenção estão sendo monitorados.
(c) problemas freqüentes em APS(4) - seis diagnósticos (hipertensão arterial, diabete mélito não insulino-dependente, infecção de vias aéreas superiores, asma, transtornos depressivos e dorsalgias) e quatro condições relacionadas à prevenção (pré-natal, prevenção do câncer ginecológico, revisão de saúde no adulto e puericultura) representaram, em 2009, um terço das 14.611 razões de consulta. Essa informação foi essencial para as atividades de atualização de equipes de saúde e estruturação dos serviços.
(d) desconhecimento do que é APS pelos gerentes/coordenadores da APS(5). Ainda que o Brasil tenha optado por um sistema de saúde orientado pela APS, menos de um quarto dos gestores/gerentes da Atenção Primária identificam os quatro atributos próprios da atenção primária. Ora, os gestores/gerentes são os responsáveis por criar as condições de operacionalização da APS, o espaço para que as equipes de saúde concretizem a atenção primária com eficiência. Não obstante eles conheçam os valores e princípios do SUS e do Saúde da Família, desconhecem os elementos de sua operacionalização e avaliação. Esta avaliação gerou projetos de capacitação e atualização para gerentes/gestores da APS, entre eles o Projeto AGAP(6), que está em fase de avaliação dos resultados.
Silvia Takeda
Médica Epidemiologista
Equipe de Monitoramento e Avaliação
Serviço de Saúde Comunitária(7)
Grupo Hospitalar Conceição
Porto Alegre, RS.
Médica Epidemiologista
Equipe de Monitoramento e Avaliação
Serviço de Saúde Comunitária(7)
Grupo Hospitalar Conceição
Porto Alegre, RS.
(1) MUIR GRAY, J.A. Evidence-based Healthcare and Public Health: how to make decisions about health services and public health. Edinburgh:Churchill-Livingstone Elsevier, 2009. 3rd ed.
(2) LENZ, M.L. Hospitalizações por condições sensíveis à APS no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
(3) LENZ, Maria Lúcia. Qualidade do pré-natal no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
(4) FLORES, Rui. Monitoramento & avaliação no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: frui@ghc.com.br
(5) CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Aperfeiçoamento da gestão em Atenção Primária à Saúde. Brasília:CONASS, 2005. Contato: conass@conass.org.br
(6) CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. UNIVERSIDADE DE TORONTO. Projeto de Intercâmbio de conhecimentos Brasil-Canadá: Projeto de Aperfeiçoamento em Gestão da Atenção. Contato: conass@conass.org.br
(7) O Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Conceição é um serviço de atenção primária, com 30 anos de existência. Conta com 12 Unidades de saúde responsáveis por uma população de 120 mil habitantes na cidade de Porto Alegre.
(2) LENZ, M.L. Hospitalizações por condições sensíveis à APS no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
(3) LENZ, Maria Lúcia. Qualidade do pré-natal no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: mlenz@ghc.com.br
(4) FLORES, Rui. Monitoramento & avaliação no Serviço de Saúde Comunitária. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição, 2010. Contato: frui@ghc.com.br
(5) CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Aperfeiçoamento da gestão em Atenção Primária à Saúde. Brasília:CONASS, 2005. Contato: conass@conass.org.br
(6) CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. UNIVERSIDADE DE TORONTO. Projeto de Intercâmbio de conhecimentos Brasil-Canadá: Projeto de Aperfeiçoamento em Gestão da Atenção. Contato: conass@conass.org.br
(7) O Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Conceição é um serviço de atenção primária, com 30 anos de existência. Conta com 12 Unidades de saúde responsáveis por uma população de 120 mil habitantes na cidade de Porto Alegre.
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