Faculdades de medicina e hospitais recorrem às artes cênicas para melhorar a qualidade da relação médico-paciente
Foto: Manoel Marques
Naiara Magalhães - VEJA 2132 - 30/09/2009
Ronaldo Martins, de 4 anos, tem um tumor cerebral. Em tratamento num hospital de ponta, vem apresentando melhoras animadoras. A mãe, Maria Helena, aguarda ansiosa o resultado de uma tomografia. O menino está numa das salas do centro de diagnóstico, sob efeito de anestesia geral – necessária para que a criança fique absolutamente imóvel durante os dez minutos previstos para durar o exame. Terminado o procedimento, ao contrário das previsões iniciais, o médico não tem boas notícias.
– Dona Maria Helena, eu sou o doutor Rodrigo, médico que aplicou a anestesia no seu filho. Sentado numa cadeira em frente à mãe, ele continua, de forma cuidadosa, mas sem rodeios:
– Eu e os meus colegas seguimos as melhores condutas médicas, mas infelizmente seu filho teve uma reação inesperada à anestesia e sofreu uma parada cardiorrespiratória. Embora tenhamos feito todo o possível para salvá-lo, ele faleceu.
A mãe entra em choque:
– Como assim "faleceu"? Ele já tinha feito esse exame outras vezes, sem nenhum problema. No momento mais tenso da conversa, Maria Helena diz:
– O senhor está me dizendo que errou e, por causa disso, o meu filho está morto. E tudo o que o senhor tem a me dizer é "sinto muito"?
A cena vivida pelo anestesista Rodrigo de Angelis, de 34 anos, não é real. Faz parte de um treinamento realizado no Centro de Simulação Realística do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O papel da mãe é desempenhado pela atriz Maria Teresa Cordeiro. O objetivo desse teatro é treinar os médicos para enfrentar situações tão delicadas quanto frequentes. "A maioria das faculdades não prepara os médicos para falar com pacientes e familiares", diz Angelis. "É muito mais difícil lidar com o desespero e a indignação de uma mãe que perdeu o filho do que passar por testes técnicos, como aplicar uma anestesia ou realizar as manobras de ressuscitação."
Ronaldo Martins, de 4 anos, tem um tumor cerebral. Em tratamento num hospital de ponta, vem apresentando melhoras animadoras. A mãe, Maria Helena, aguarda ansiosa o resultado de uma tomografia. O menino está numa das salas do centro de diagnóstico, sob efeito de anestesia geral – necessária para que a criança fique absolutamente imóvel durante os dez minutos previstos para durar o exame. Terminado o procedimento, ao contrário das previsões iniciais, o médico não tem boas notícias.
– Dona Maria Helena, eu sou o doutor Rodrigo, médico que aplicou a anestesia no seu filho. Sentado numa cadeira em frente à mãe, ele continua, de forma cuidadosa, mas sem rodeios:
– Eu e os meus colegas seguimos as melhores condutas médicas, mas infelizmente seu filho teve uma reação inesperada à anestesia e sofreu uma parada cardiorrespiratória. Embora tenhamos feito todo o possível para salvá-lo, ele faleceu.
A mãe entra em choque:
– Como assim "faleceu"? Ele já tinha feito esse exame outras vezes, sem nenhum problema. No momento mais tenso da conversa, Maria Helena diz:
– O senhor está me dizendo que errou e, por causa disso, o meu filho está morto. E tudo o que o senhor tem a me dizer é "sinto muito"?
A cena vivida pelo anestesista Rodrigo de Angelis, de 34 anos, não é real. Faz parte de um treinamento realizado no Centro de Simulação Realística do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O papel da mãe é desempenhado pela atriz Maria Teresa Cordeiro. O objetivo desse teatro é treinar os médicos para enfrentar situações tão delicadas quanto frequentes. "A maioria das faculdades não prepara os médicos para falar com pacientes e familiares", diz Angelis. "É muito mais difícil lidar com o desespero e a indignação de uma mãe que perdeu o filho do que passar por testes técnicos, como aplicar uma anestesia ou realizar as manobras de ressuscitação."
O treinamento médico mediante a simulação de situações que podem ocorrer em centros cirúrgicos, salas de emergência e leitos de terapia intensiva surgiu nos Estados Unidos nos anos 90. O objetivo era aprimorar habilidades técnicas, adestrar os profissionais para a tomada rápida de decisões e afinar o trabalho em equipe. De uma década para cá, no entanto, as simulações incorporaram cenas que visam a suprir uma das maiores carências entre os médicos: a dificuldade de comunicação. As dramatizações servem para que aprendam a transmitir notícias difíceis e também adquiram a capacidade de conquistar a confiança dos doentes e de criar empatia com eles. Os médicos, por exemplo, são ensinados a não desviar os olhos do paciente enquanto falam com ele (existe algo mais irritante do que médico que faz perorações enquanto olha para a tela do computador?). "A partir do século XIX, com o avanço nos conhecimentos científicos e o aumento do tecnicismo, recursos básicos como escutar, observar e confortar o doente foram se perdendo", diz Roberto Padilha, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Acredita-se que um médico que preserve tais cuidados, além de muito mais agradável, pode ser mais certeiro em seus diagnósticos.
Algumas faculdades de medicina no Brasil oferecem aulas sobre a relação médico-paciente, como ocorre na Universidade Federal de São Carlos e na Universidade de São Paulo. O modo como o médico se comunica com o paciente é tão valorizado hoje em dia que entrou para o processo seletivo de hospitais brasileiros. Há três anos, a avaliação para a residência no Hospital Sírio-Libanês incorporou à prova prática testes teatrais para aferir o desempenho dos candidatos em situações que exigem comportamentos mais cuidadosos. As simulações respondem por 40% da nota final.
No século XVII, o dramaturgo francês Molière (1622-1673) usava o palco para criticar a precariedade da ciência de seu tempo e condenar, em especial, o comportamento dos médicos, marcado pelo charlatanismo, descaso e frieza. Em O Doente Imaginário, uma de suas peças mais encenadas, os médicos são bufões que só pensam em dinheiro. Talvez fosse interessante – e instrutivo – incluir a leitura de Molière nas simulações que ensinam os médicos a ouvir, consolar e olhar nos olhos de seus pacientes.
No século XVII, o dramaturgo francês Molière (1622-1673) usava o palco para criticar a precariedade da ciência de seu tempo e condenar, em especial, o comportamento dos médicos, marcado pelo charlatanismo, descaso e frieza. Em O Doente Imaginário, uma de suas peças mais encenadas, os médicos são bufões que só pensam em dinheiro. Talvez fosse interessante – e instrutivo – incluir a leitura de Molière nas simulações que ensinam os médicos a ouvir, consolar e olhar nos olhos de seus pacientes.
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