quinta-feira, 26 de março de 2009

Redução de QI em crianças inglesas

Redução de QI detectada em crianças inglesas

Fernando Reinach*


Geneticamente, cada ser humano é único. Somos todos diferentes. Muitas dessas diferenças, estudadas há décadas, são fáceis de medir. Altura e cor da pele são exemplos. Outras, tão ou mais importantes, são difíceis de quantificar ou mesmo de definir e ainda escapam da análise científica. É o caso da felicidade e da inteligência.

Apesar de não haver definição clara do que merece ser chamado de inteligência e de todos concordarem que a "inteligência" necessária para um homem pré-histórico sobreviver nas estepes africanas é provavelmente bem diferente da "inteligência" requerida dos universitários, existe um teste simples, chamado de QI (quociente de inteligência), que muitos acreditam ser capaz de medir alguns aspectos da habilidade mental do ser humano.

Como o teste de QI vem sendo aplicado sistematicamente desde a primeira metade do século 20, a quantidade de dados acumulados é enorme. Esses dados têm sido usados para justificar todo tipo de preconceito racial, mas existem cientistas que vêm tentando descobrir o que esse teste realmente mede. Talvez o mais famoso desses pesquisadores é James Flynn, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia. Flynn descobriu que nos últimos cem anos, na maioria dos países, o QI das crianças aumentou ano a ano. Esse fenômeno, conhecido como efeito Flynn e atribuído a uma melhora na alimentação das crianças, já foi motivo de orgulho de muitos governantes.

Agora, o próprio Flynn, em um artigo que está causando polêmica, demonstrou uma inversão desse fenômeno nos últimos 30 anos. Foram analisados os dados obtidos a cada ano entre 1942 e 2008 em crianças de diversas faixas etárias em várias cidades da Inglaterra. Esses dados indicam que houve um aumento de 14 pontos no QI das crianças entre 1942 e 2008, o que confirma o efeito Flynn nessa população.

Mas quando se analisam os dados de maneira mais cuidadosa, separando as crianças por idade e dividindo o período analisado em duas fases, um novo fenômeno fica aparente. Entre 1942 e 1979, a cada ano, as crianças de cada faixa etária melhoraram seus resultados nos testes de QI. A "inteligência" das crianças de 5 a 6 anos parecia aumentar com a mesma velocidade da "inteligência" das crianças de 12 a 15 anos (0,216 ponto por ano). Nos dados obtidos entre 1980 e 2008, as crianças mais novas continuam a aumentar seu desempenho nos testes de QI, mas a uma taxa menor a cada ano. As crianças mais velhas (12 a 15 anos) a cada ano têm obtido notas piores nos testes de QI, ou seja, aparentemente são menos "inteligentes".

É fácil imaginar o furor que essa nova descoberta está causando entre educadores que ainda acreditam que testes de QI são uma medida fiel da inteligência das pessoas. Eles são obrigados a admitir que as crianças inglesas estejam mais "burras" ou pelo menos "menos inteligentes". Para Flynn, isso simplesmente demonstra que alimentação não tem nada a ver com os resultados das medidas de QI. Como provável explicação, em vez da alimentação e da saúde, Flynn sugere que as demandas cognitivas e o ambiente cultural dos adolescentes ingleses (entenda-se videogames substituindo livros) não têm sido propícios ao desenvolvimento das habilidades necessárias para "ir bem" nos testes de QI.

O que nos traz de volta à pergunta original: afinal, o que é medido pelos testes de QI?

*Biólogo, fernando@reinach.com

Mais informações: J. R. Flynn - Requiem for nutrition as the cause of IQ gains: Raven?s in Britain 1938-2008. Economics and Human Biology, vol. 7

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