Declaração de Astana sobre Atenção Primária à Saúde e
posicionamento do Conselho Nacional de Saúde
A Conferência Global sobre Atenção
Primária à Saúde será realizada em Astana, Cazaquistão em 25 e 26 de
outubro de 2018. O evento, organizado pela OMS e UNICEF, terá a
participação dos Ministros de Saúde e delegados de diferentes países do
mundo. Na ocasião, será apresenta a nova Declaração sobre Atenção
Primária à Saúde, cuja versão preliminar foi submetida a consulta
pública no mês de julho deste ano.
Nessa versão preliminar,
intitulada “Declaração de Astana sobre Atenção Primária à Saúde: de
Alma-Ata rumo à cobertura universal de saúde e os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável”, os participantes da Conferência Global
sobre Atenção Primária à Saúde afirmam seu compromisso com a APS como
fundamento necessário para conseguir a cobertura universal em saúde em
direta relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Também, destacam três componentes da APS necessários para enfrentar os
desafios em saúde e desenvolvimento da era moderna: empoderamento das
pessoas e comunidades como corresponsáveis da sua própria saúde;
abordagem sobre os determinantes sociais, econômicos, ambientais e
comerciais da saúde; e
saúde pública e APS fortes, como núcleos fundamentais da prestação dos
serviços.
Além disso, salientam que o
alcance da meta de Saúde para Todos tem grandes possibilidades de êxito
no momento atual, devido a fatores como: vontade política, interesse de
diversos atores públicos e privados nos ODS; conhecimentos robustos
sobre como abordar os determinantes da saúde e melhorar os sistemas de
saúde; tecnologias mais eficazes e acessíveis para melhorar o acesso aos
cuidados de saúde das pessoas mais vulneráveis; pessoas mais
informadas, conectadas e com maiores expectativas.
No entanto, evidenciam também
importantes desafios associados a estilos de vida e ambientes
insalubres, doenças crónicas, violência, epidemias, desastres
ambientais, migração para grandes cidades. Para enfrentar esses desafios
propõem empoderar as pessoas como responsáveis por sua saúde e atenção à
saúde, para que escolham estilos de vida saudáveis e se envolvam na
concepção, planejamento e gestão dos sistemas de saúde; fazer políticas
audaciosas para a saúde, que abordem os determinantes sociais da saúde
conforme os ODS a partir do governo, engajando o setor privado,
fortalecendo financeiramente a saúde pública e a APS para alcançar a
cobertura universal de saúde; saúde pública e atenção primária no
centro da cobertura universal de
saúde, priorizando a prevenção de doenças e promoção da saúde,
garantindo adequada força de trabalho e disponibilidade de medicamentos,
tecnologias e recursos suficientes; alinhar apoio de parceiros com
políticas, estratégias e planos nacionais, associando a análise da
implementação da Declaração com o monitoramento da cobertura universal e
o alcance dos ODS.
As questões expostas na versão
preliminar da Declaração têm suscitado posicionamentos críticos por
parte de pesquisadores e organismos que estão comprometidos com a APS no
Brasil e no mundo. Destaca-se o posicionamento da Câmara Técnica de
Atenção Básica do Conselho Nacional de Saúde (CTAB/CNS). O Conselho
afirma que uma nova declaração de APS deve levar em conta o papel que o
setor saúde tem adquirido como espaço de acumulação do capital na
conjuntura atual, caraterizada pelo forte avanço do neoliberalismo, a
onda de privatizações de diferentes setores, a crescente pressão de
interesses privados nos sistemas públicos de saúde, a forte influência
do complexo médico-industrial e financeiro da saúde, a crise econômica e
financeira, o avanço do
autoritarismo, dentre outras questões. Destaca que para a defesa de uma
APS abrangente é necessário não naturalizar as desigualdades produzidas
pelas relações de interdependência entres os países centrais e
periféricos e pela ordem econômica hegemônica mundial, questões
determinantes no processo saúde doença das populações africanas e
latino-americanas.
Baseados nessa premissa, a
CTAB/CNS ratifica a Declaração de Alma Ata e propõe os eixos
estruturantes da APS abrangente, integral, pública e de responsabilidade
do Estado, quais sejam:
- Saúde como direito humano fundamental.
- Saúde como direito universal e não como mercadoria.
- Sistema universal em contraposição a cobertura universal: a CTAB/CNS defende que se exclua a cobertura universal da declaração de Astana, por ser uma proposta neoliberal que restringe o direito à saúde à lógica financeira. A APS deve ser direito de todos e dever dos Estados, assegurada por sistemas universais públicos de saúde.
- Defesa da democracia e da participação social.
- Sistemas universais de saúde como dever do Estado e responsabilidade governamental financiados por fundos e instituições públicas.
- Reconhecimento da determinação social do processo saúde e doença, necessária integração dos países periféricos: o processo saúde doença é determinado pela forma como a sociedade se organiza, portanto não pode ser reduzido unicamente a produto de escolhas individuais de estilos de vida e comportamentos.
- Não comercialização, mercantilização e privatização da saúde.
- Equidade e justiça social pela superação das desigualdades sociais e enfrentamento das iniquidades: é inadiável que os Estados produzam políticas públicas que enfrentem a concentração de riqueza nacional e global e reparem dívidas étnicas, de gênero e históricas.
- Complexo produtivo da saúde em favor do desenvolvimento social e de sistemas universais de saúde.
- Orçamento prioritário para a saúde e para a seguridade social: saúde é investimento e não gasto público.
- Trabalho em saúde, trabalhadores do setor e a formação profissional como direito social.
- Modelo de atenção, cuidado integral, fortalecimento das redes de atenção e da intersetorialidade em saúde.
- Interculturalidade.
A CTAB/CNS salienta que tais eixos
devem orientar as instâncias de controle social em qualquer espaço em
que se discuta e se delibere sobre a Atenção Primária à Saúde.
Convidamos à leitura da Declaração e do posicionamento da CTAB/CNS nos links a seguir:
Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS
Visite o site da REDE DE PESQUISA EM APS