Tendência
dos cursos de medicina é integrar disciplinas e oferecer visão global
Diretrizes curriculares de 2014
passaram a exigir pelo menos 760 horas de prática no SUS, e que cursos façam o
estudante 'corresponsabilizar-se pela própria formação inicial, continuada e em
serviço'.
Ana Carolina Moreno
Médicos formados com
base na soma de habilidades profissionais e valores éticos: é com esse objetivo
que os cursos de graduação em medicina têm caminhado para uma reforma no
currículo, privilegiando o ensino de competências baseadas na prática e na
"autonomia intelectual" dos futuros profissionais. De acordo com o
nefrologista e clínico geral Henry Campos, que é reitor da Universidade Federal
do Ceará (UFC), a maioria dos currículos mais modernos e contemporâneos, do
Brasil e em outras partes do mundo, tem sido inspirada no conceito de
integralidade.
"Antigamente, o
que acontecia? A formação era muito fragmentada. Você estava fazendo às vezes a
anatomia do pescoço e a fisiologia do pulmão", explicou ele, em entrevista
ao G1. "Hoje isso tudo é feito de maneira
integrada."
De acordo com o reitor da UFC, atualmente há várias
formas de estruturar um curso de graduação em medicina no Brasil. "Os
cursos podem ser organizados por sistemas: o sistema cardiovascular, sistema
digestório, respiratório... Eles podem ser organizados por ciclos de vida:
infância e adolescência, adulto, questões ligadas ao envelhecimento. E podem
ter uma combinação de tudo isso", explica ele.
"O
que se busca hoje é facilitar a construção do conhecimento de uma maneira
integrada e já aplicada à realidade que o aluno vai vivenciar." (Henry Campos, reitor da UFC)
Ética, comunidade e autonomia
intelectual
Em 2014, as Diretrizes Curriculares Nacionais do
curso de medicina foram reformuladas pelo Ministério da Educação e pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE). Veja abaixo quais são as três principais
competências esperadas atualmente dos estudantes formados na graduação:
- Atenção à saúde: "considerar sempre as dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social"
- Gestão em saúde: "compreender os princípios, diretrizes e políticas do sistema de saúde, e participar de ações de gerenciamento e administração para promover o bem estar da comunidade"
- Educação em saúde: "corresponsabilizar-se pela própria formação inicial, continuada e em serviço, autonomia intelectual, responsabilidade social, ao tempo em que se compromete com a formação das futuras gerações de profissionais de saúde, e o estímulo à mobilidade acadêmica e profissional"
Dentro da cada uma delas, há uma série de objetivos
e habilidades previstas nas diretrizes, como "acesso universal e equidade
como direito à cidadania, sem privilégios nem preconceitos de qualquer
espécie".
Seis anos de graduação
As diretrizes atuais mantiveram uma característica da carreira: ela
exige muitos e muitos anos de dedicação. A carga horária mínima para a
graduação em medicina é de 7.200 horas, que devem ser cumpridas em um prazo
mínimo de seis anos. O conteúdo dos cursos precisa ser estruturado segundo
"as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações identificadas
pelo setor saúde".
De acordo com Henry Campos, essa nove estrutura deve "facilitar a
construção do conhecimento" por meio de metodologias como os laboratórios
de habilidades. "Você trabalha com simulações, manequins, peças do corpo
humano, para praticar exame ginecológico, exame de mama, procedimentos médicos.
Hoje não é mais aceitável que, quando o estudante chegue para o encontro
clínico, ele já não domine bem essas habilidades. Hoje se usa bastante o
recurso tecnológico na formação para a aquisição dessas habilidades."
Outra opção de ensino é por meio da reprodução de
situações clínicas, contando com a ajuda de pacientes padronizados, que são
atores representando pacientes em determinada situação.
"Hoje o conceito de disciplina está cada vez mais abandonado. A
tendência é não mais segmentar, separar. Quando você vai ver um doente, você
não vê o doente por pedaço, você vê o doente como um todo, é a visão holística
do paciente", afirmou o professor.
Internato obrigatório
Essa nova tendência do ensino e formação de médicos no Brasil começou a
ser debatida em 2013, com o anúncio da criação de um estágio obrigatório dos
estudantes no Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia original do governo federal
era que o período de graduação fosse ampliado. Porém, quando as diretrizes
saíram do papel, elas mantiveram a carga horária original da graduação, e
remanejaram o número de horas que o estágio no SUS ocuparia dentro do período
de internato que já existia.
Do total da carga horária, pelo menos 35% deve ser cumprida em no
mínimo dois anos, com o período de estágio obrigatório, que é feito no regimo
de internato. Isso quer dizer que todos os estudantes de medicina precisam
obrigatoriamente passar pelo menos 2.520 horas da graduação em atividades
práticas de internato supervisionado por professores.
Fonte: CNE/Diretrizes
curriculares dos cursos de medicina
As regras também definem a carga hora de cada área
do estágio: pelo menos 30% do internato, ou cerca de 760 horas, são destinados
à prática no SUS, nas áreas de atenção básica e de serviços de urgência e emergência.
Antes de 2014, as diretrizes que estavam em vigor previam os mesmos 35% de
carga horária da graduação dedicada ao internato, mas não exigiam que a
passagem do estudante pelo SUS fosse obrigatória ou ocupasse uma parte tão
grande do período de estágio.
Os demais 70% do internato, que somam
aproximadamente 1.760 horas, são destinados ao estágio nas áreas de clínica
médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pediatria, saúde coletiva e saúde
mental. Não existe carga horária mínima para essas áreas, mas o estágio não
pode passar de 20% da carga horária total do internato.
Fonte:
CNE/Diretrizes curriculares dos cursos de medicina
Ligas médicas
É também durante a graduação que os futuros médicos
começam a decidir que especialização vão seguir. Segundo Miller Barreto, que
tem 29 anos, se formou na graduação pela UFC, em Fortaleza, e atualmente está
no último semestre da residência em cirurgia do aparelho digestivo na USP, há
estudantes que já entram na faculdade sabendo em que área vão se especializar,
mas todos são obrigados a passar pelas matérias de todas as áreas clínicas.
“É uma coisa que parte muito do aluno. Tem gente
que no primeiro dia de aula já dizia que iria ser oftalmologista, mas é uma
cadeira que a gente via só no quarto ano", afirma ele. De acordo com o
cirurgião, nesses casos, em geral, o que acontece é a influência dos pais ou
parentes que já são especialistas na área.
Miller lembra que, no seu caso, sua primeira
intuição foi seguir a área de cirurgia. Mas, depois da residência em clínica
geral, que durou dois anos, ele disse que decidiu fazer uma segunda residência
em cirurgia do aparelho digestivo depois de se interessar pelas aulas de
anatomia do sistema digestivo. Em seguida, ele seguiu um caminho comum aos
estudantes: entrou para a liga dessa área.
"Entrei na liga de cirurgia, convidavam a
gente para visitar outros hospitais da cidade, acompanhar cirurgias. A área foi
me envolvendo, fui criando gosto, acompanhando alguns cirurgiões de Fortaleza
no horário livre, porque eles me chamavam. Automaticamente você vai criando
gosto pela coisa", diz ele. As ligas médicas fazem parte de atividades
extracurriculares do curso de graduação, e servem para que os estudantes entrem
em contato mais próximo de cada especialidade, para descobrir se querem,
depois, dedicar os anos de residência perseguindo uma especialização na área.
Nenhum comentário:
Postar um comentário