Medicina
da USP se mobiliza após tentativas de suicídio
CLÁUDIA COLLUCCI
Painel
pintado por alunos do 4º ano de medicina da USP no subsolo da faculdade
Um série de tentativas de suicídio entre alunos do
quarto ano de medicina da USP tem mobilizado estudantes e professores de uma
das melhores faculdades do país.
Ao menos seis casos foram registrados neste ano
–três nas últimas semanas.
O clima de tensão aparece em páginas do Facebook
dos estudantes –que citam "surto de suicídios"– e em textos de
professores aos alunos.
"Ficamos muito chocados com os acontecimentos
recentes envolvendo a saúde dos alunos. Há uma grande apreensão e tristeza
pairando em todos nós", escreveu o coordenador do curso de clínica médica
do quarto ano, Arnaldo Lichtenstein, que adiou a prova na última sexta (7).
Em outra carta, um grupo de profissionais do
serviço de psicoterapia do IPq (Instituto de Psiquiatria da USP) fala sobre a
angústia dos alunos.
"Esgotamento, ansiedade, depressão, internações
psiquiátricas, tentativas de suicídio, mortes. Os relatos [dos estudantes] nos
parecem crescentes em frequência e intensidade, e soam como um pedido de
ajuda."
O texto fala sobre as dificuldades em lidar com o
assunto no ambiente acadêmico e termina com um convite para que os alunos saiam
do silêncio e falem "do que não se fala, a não ser na privacidade dos
corredores".
Na condição de anonimato, a Folha conversou
com seis estudantes. Eles relatam que, no quarto ano, o aluno fica mais
vulnerável porque as pressões se multiplicam.
"A formatura está próxima e a realidade da
profissão vai matando as ilusões dos tempos de calouros. Há disputas infantis
por notas, muitas divulgadas nominalmente."
Outro afirma que não existe tempo suficiente para
atividades que não estejam ligadas ao mundo médico. As aulas começam às 8h e
terminam às 18h quase todos dias.
"Além do cansaço mental, da desumanização
cotidiana, temos que ter a cabeça tranquila para estudar doenças."
Os alunos apontam como um dos focos do problema a
disciplina de clínica médica. "Em apenas dez semanas de duração, somos
cobrados sobre fisiopatologia das doenças, sobre diagnósticos e sobre quais
exames solicitar para excluir ou confirmar hipóteses", relata um deles.
Ele se queixam também que a saúde mental do aluno
não é considerada quando se trata de faltas. "As notas de conceito [quase
50% da nota final] são multiplicadas pela frequência. Se o aluno está
deprimido, não consegue ir às aulas. Mas não podemos faltar sem punição. Não
temos tempo para cuidar da nossa saúde mental e física."
Outro fator de estresse são as "panelas".
No quarto ano, são formados grupos de cerca de 15 alunos para o estágio
obrigatório (internato).
Em várias universidades, como na Unicamp, os grupos
são formados por sorteio, mas, na USP, é por livre escolha. São os alunos que
decidem com quem se agruparão, o que gera grupos de exclusão e perseguição.
"Alunos mal vistos ou que não são bem
relacionados, por inúmeros motivos, acabam sobrando e formando a famigerada
'panela lixo' ou são excluídos e têm que mendigar uma vaga entre os grupinhos
já formados."
APOIO PSICOLÓGICO
Para Francisco Lotufo Neto, professor de
psiquiatria indicado pela diretoria da FMUSP para falar sobre o assunto, as
tentativas de suicídio estão relacionadas a uma soma de fatores.
"São jovens em amadurecimento, enfrentando a
entrada numa profissão que tem contato com o sofrimento humano. É um curso
difícil, que exige das pessoas. Também há a pressão pelo sucesso."
Em sua opinião, isso tudo leva a uma maior
predisposição à depressão, que é mais prevalente entre os estudantes de
medicina do que na população em geral.
Segundo ele, na comissão de graduação já existe um
grupo que acompanha os alunos com dificuldades (por exemplo, que foram mal nas
provas ou que têm faltado às aulas), mas que agora, após as tentativas de
suicídio, foi criado um grupo de atendimento psicológico para atendimento
individualizado.
Foi instituída também uma linha telefônica que
funciona 24 horas para onde os alunos podem ligar em situações de emergência.
"Fiquei como plantonista o fim de semana todo, mas ninguém ligou",
diz Lotufo.
Sobre as queixas relativas à falta de tempo dos
alunos, ele afirma que a nova grade curricular da medicina, implantada a partir
de 2015, já prevê mais tempo livre aos alunos. "O atual quarto ano ainda
segue a grade antiga."
Em relação às panelas, disse que já houve uma
proposta da direção em adotar sorteios na formação dos grupos, mas que a
maioria dos alunos foi contrária à ideia.
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Sinais de Alerta
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Ilustração
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
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- falar sobre querer morrer
- procurar formas de se matar
- falar sobre estar sem
esperança ou sobre não ter propósito
- falar sobre estar se
sentindo preso ou sob dor insuportável
- falar sobre ser um peso para
os outros
- aumento no uso de do álcool
e drogas
- agir de modo ansioso,
agitado ou irresponsável
- demonstrar raiva ou falar
sobre vingança
- ter alterações de humor
extremas
- quanto mais sinais, maior
pode ser o risco da pessoa
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Ilustração
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
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O que
fazer
- não deixar a pessoa sozinha
- tirar de perto armas de
fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
- ligar para canais de ajuda
- levar a pessoa para uma
assistência especializada
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Ilustração
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
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Alguns
pontos de alerta para depressão em adolescentes:
- Mudanças marcantes na
personalidade ou nos hábitos
- Piora do desempenho na
escola, no trabalho e em outras atividades rotineiras
- Afastamento da família e de
amigos
- Perda de interesse em
atividades de que gostava
- Perda ou ganho inusitado de
peso
- Comentários
autodepreciativos persistentes
- Pessimismo em relação ao
futuro, desesperança
- Disforia marcante
(combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva)
- Comentários sobre morte,
sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática
- Doação de pertences que
valorizava
Cerca de
90% das pessoas que morrem de suicídio possuíam transtornos mentais. Elas
poderiam ser tratadas e acompanhadas
Mitos em
relação ao suicídio
Se eu
perguntar sobre suicídio, poderei induzir uma pessoa a isso
Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco,
fortalece o vínculo com uma pessoa, que se sente acolhida e respeitada por
alguém que se interessa pela extensão de seu sofrimento.
Ele está
ameaçando o suicídio apenas para manipular...
Muitas pessoas que se matam dão previamente sinais verbais ou não verbais de
sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Ainda que em alguns casos
possa haver um componente manipulativo, não se pode deixar de considerar a
existência do risco de suicídio.
Quem quer
se matar, se mata mesmo
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo. Ao contrário dessa ideia, as pessoas
que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer.
Quando falamos em prevenção, não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim
os que podem ser evitados.
Veja se
da próxima vez você se mata mesmo!
O comportamento suicida exerce um impacto emocional sobre nós, desencadeia
sentimentos de franca hostilidade e rejeição. Isso nos impede de tomar a
tentativa de suicídio como um marco a partir do qual podem se mobilizar forças
para uma mudança de vida.
Uma vez
suicida, sempre suicida!
A elevação do risco de suicídio costuma ser passageira e relacionada a algumas
condições de vida. Embora a ideação suicida possa retornar em outros momentos,
ela não é permanente. Pessoas que já tentaram o suicídio podem viver, e bem,
uma longa vida.
Telefones e sites de ajuda:
Fontes:
American Foundation for Suicide Prevention;
Centro de Valorização da Vida;
"Comportamento suicida: vamos conversar sobre isso?", de Neury José
Botega, membro-fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do
Suicídio;
"Preventing Suicide: A Global Imperative", da Organização
Mundial da Saúde