Pacientes poderão registrar em prontuário a quais procedimentos querem ser submetidos no fim da vida
A
Resolução 1.995, do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelece os
critérios para que qualquer pessoa – desde que maior de idade e
plenamente consciente – possa definir junto ao seu médico quais os
limites de terapêuticos na fase terminal
Pacientes
e médicos contarão, a partir de 31/08/2012, com regras que
estabelecerão os critérios sobre o uso de tratamentos considerados
invasivos ou dolorosos em casos clínicos nos quais não exista qualquer
possibilidade de recuperação. Sob o nome formal de diretiva antecipada
de vontade, mas já conhecido como testamento vital, trata-se do registro
do desejo expresso do paciente em documento, o que permitirá que a
equipe que o atende tenha o suporte legal e ético para cumprir essa
orientação.
A regra
consta da Resolução 1.995, aprovada pelo plenário do Conselho Federal
de Medicina (CFM), que publicada no Diário Oficial da União no dia
31 de agosto. Assim, o paciente que optar pelo registro de sua diretiva
antecipada de vontade poderá definir, com a ajuda de seu médico, os
procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser
submetido em caso de terminalidade da vida, por doença
crônico-degenerativa.
Deste
modo, poderá, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de
ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos
(medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes ou mesmo a
reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória. Esses detalhes
serão estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em
prontuário. O testamento vital é facultativo, poderá ser feito em
qualquer momento da vida (mesmo por aqueles que gozam de perfeita saúde)
e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento.
Critérios -
São aptos a expressar sua diretiva antecipada de vontade, qualquer
pessoa com idade igual ou maior a 18 anos ou que esteja emancipada
judicialmente. O interessado deve estar em pleno gozo de suas faculdades
mentais, lúcido e responsável por seus atos perante a Justiça.
Menores
de idade, que estejam casados civilmente, podem fazer testamento vital,
pois o casamento lhes emancipa automaticamente. Crianças e adolescentes
não estão autorizados e nem seus pais podem fazê-lo em nome de seus
filhos. Nestes casos, a vida e o bem estar deles permanecem sob a
responsabilidade do Estado.
Pela
Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o registro
da diretiva antecipada de vontade pode ser feita pelo médico assistente
em sua ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que
expressamente autorizado por ele. Não são exigidas testemunhas ou
assinaturas, pois o médico – pela sua profissão – possui fé pública e
seus atos têm efeito legal e jurídico. O registro em prontuário não
poderá ser cobrado, fazendo parte do atendimento.
No
texto, o objetivo deverá ser mencionado pelo médico de forma minuciosa
que o paciente está lúcido, plenamente consciente de seus atos e
compreende a decisão tomada. Também dará o limite da ação terapêutica
estabelecido pelo paciente, Neste registro, se considerar necessário, o
paciente poderá nomear um representante legal para garantir o
cumprimento de seu desejo.
Caso o
paciente manifeste interesse poderá registrar sua diretiva antecipada de
vontade também em cartório. Contudo, este documento não será exigido
pelo médico de sua confiança para cumprir sua vontade. O registro no
prontuário será suficiente. Independentemente da forma – se em cartório
ou no prontuário - essa vontade não poderá ser contestada por
familiares. O único que pode alterá-la é o próprio paciente.
Para o
presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila, a diretiva antecipada de
vontade é um avanço na relação médico-paciente. Segundo ele, esse
procedimento está diretamente relacionado à possibilidade da ortotanásia
(morte sem sofrimento), prática validada pelo CFM na Resolução 1.805/2006, cujo questionamento sobre sua legalidade foi julgado improcedente pela Justiça.
A
existência dessa possibilidade não configura eutanásia, palavra que
define a abreviação da vida ou morte por vontade do próprio doente, pois
é crime. “Com a diretiva antecipada de vontade, o médico atenderá ao
desejo de seu paciente. Será respeitada sua vontade em situações com que
o emprego de meios artificiais, desproporcionais, fúteis e inúteis,
para o prolongamento da vida, não se justifica eticamente, no entanto,
isso deve acontecer sempre dentro de um contexto de terminalidade da
vida”, ressaltou.
Compromisso humanitário -
O Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, explicita que é
vedado ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de
seu representante legal (eutanásia). Mas, atento ao compromisso
humanitário e ético, prevê que nos casos de doença incurável, de
situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer
todos os cuidados paliativos disponíveis e apropriados (ortotanásia).
O
documento orienta o profissional a atender a vontade expressa do
paciente, sem lançar mão de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis
ou obstinadas. “O médico deixará de levar em consideração as diretivas
antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise,
estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética
Médica”, aponta a resolução do CFM.
Segundo
o doutor em bioética e biojurídica, Elcio Bonamigo, a mudança decorre
do aumento da autonomia do paciente. “Os médicos deixam de ser
paternalistas e os pacientes a cada dia ganham voz nos consultórios. Ele
deve ter sua autonomia também preservada no fim da vida”, defendeu o
médico, que também integra a Câmara Técnica de Bioética do CFM e
colaborou com a formulação da Resolução 1.995/2012.
Adesão -
No Brasil estudo realizado, em 2011, pela Universidade do Oeste de
Santa Catarina, mostrou que um alto índice de adesão à possibilidade de
cada pessoa estabelecer sua diretiva antecipada de vontade. Após ouvir
médicos, advogados e estudantes apontou que 61% dos entrevistados
levariam em consideração o desejo expresso pelos pacientes.
Pesquisas
realizadas no exterior apontam que em outros países, aproximadamente
90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no
momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão. A
compreensão da sociedade e dos profissionais, no entendimento do CFM,
coaduna com a percepção de que os avanços científicos e tecnológicos têm
que ser empregados de forma adequada, sem exageros.
Para o
Conselho Federal, as descobertas e equipamentos devem proporcionar
melhoria das condições de vida e de saúde do paciente. “Essas novidades
não põem ser entendidas como um fim em si mesmo. A tecnologia não se
justifica quando é utilizada apenas para prolongar um sofrimento
desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano, também
entendida como o direito a ter uma morte digna”, afirmou Roberto
d’Avila.
Experiência mundial – A possibilidade
de registro e obediência às diretivas antecipadas de vontade já existem
em vários países, como Espanha e Holanda. Em Portugal, uma lei federal
entrou em vigor neste mês de agosto autorizando o que chamam de “morte
digna”. Na Argentina, lei que trata desse tema existe há três anos.
Nos Estados Unidos esse documento tem valor legal, tendo surgido com o Natural Death Act,
no Estado da Califórnia, em 1970. Exige-se que seja assinado por pessoa
maior e capaz, na presença de duas testemunhas, sendo que a produção de
seus efeitos se inicia após 14 dias da sua lavratura. É revogável a
qualquer tempo, e possui uma validade limitada no tempo (cerca de 5
anos), devendo o estado terminal ser atestado por 2 médicos.
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