Os desafios a enfrentar na
saúde
José Gomes Temporão
A saúde permanece em pauta em no Brasil estimulando
acirradas polêmicas. Em sua dimensão humana básica, é vislumbrada como eterna
demanda estampada nas páginas da grande imprensa e em acalorados debates nas
redes sociais.
Entretanto, a nossa reflexão é que o retrato desse
rico processo de discussão se volta para as dificuldades de acesso das famílias
a recursos como ressonâncias magnéticas, medicamentos de última geração,
hospitais e especialistas, o que desvenda, na realidade, não a preocupação com
a produção de saúde, mas com a doença presente e instalada.
Segundo o psicanalista inglês Donald Winnicott
(1896-1971), saúde não é o oposto de doença; é vida criativa com qualidade. O
desenvolvimento sustentável do país requer incluir a saúde em todas as
políticas públicas, considerando suas dimensões biológica, psicológica e social
para construir um ambiente facilitador à vida.
Nessa perspectiva, deve-se trabalhar sua
determinação político-social priorizando ações entre os diferentes setores e a
articulação de diversas políticas, como universalização do saneamento básico,
melhoria da mobilidade urbana, redução da poluição nas grandes cidades,
garantia da moradia digna, educação pública de qualidade, universalização do
acesso à creche e a garantia de que os alimentos consumidos não estejam
contaminados por pesticidas.
São necessárias, além disso, ações para que
possamos viver em liberdade, segurança e paz. A epidemia de homicídios,
acidentes de trânsito e suicídios que, em conjunto, vitimou mais de 100 mil
pessoas em 2012, expõe o drama social brasileiro.
Essa realidade, somada ao consumo de drogas e aos
desafios femininos na gestação e no parto, deve ser compreendida e enfrentada
como questão de saúde pública. É preciso que haja uma mudança radical nas
atuais estratégias de enfrentamento, exigindo uma participação expressiva da
sociedade na construção de novas soluções.
A construção de um ambicioso projeto de educação e
de informação em saúde que permita criar uma nova consciência sobre saúde
pública –que envolva toda a sociedade–, centrada na promoção e na prevenção
como bases de um sistema inovador, está no cerne dessa visão.
Para isso, precisamos rever o padrão de formação de
nossos médicos e demais profissionais da saúde –enfrentando a fragmentação e a
hiperespecialização precoces–, os aspectos da sua distribuição no território
nacional e a relação contratual com o SUS (Sistema Único de Saúde).
O caminho mais inteligente para avançar na
integralidade e na humanização da atenção deve considerar a constituição de uma
rede que supere a gestão desarticulada da assistência. É necessário retomar o
debate sobre a regionalização da saúde como base organizacional do SUS por meio
do Programa de Saúde da Família.
Temos um longo caminho a percorrer. É preciso
compreender essa construção como um processo político-ideológico. Dele pode
resultar uma consciência na qual possamos reconhecer o valor do SUS como
política pública redutora de desigualdades, patrimônio do povo e expressão de
conquista da cidadania.
* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 15/12/2014
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