Panorama da ciência no Brasil e no mundo
Fábio de Castro - Agência FAPESP
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou nesta quarta-feira (10/11), em Brasília e em Paris, simultaneamente, o Relatório Unesco sobre Ciência 2010. A data corresponde ao Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento.
O documento é editado a cada cinco anos para apresentar um diagnóstico do desenvolvimento mundial da ciência. No Brasil, o lançamento ocorreu em audiência pública no Senado Federal, em evento proposto pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que preside a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado e ressaltou o fato de o estudo dar destaque ao Brasil.
O país foi o único da América do Sul a ser contemplado com um capítulo exclusivo, de autoria de Carlos Henrique de Brito Cruz (foto), diretor científico da FAPESP e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Hernan Chaimovich, coordenador dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Além de Brito Cruz e de Ribeiro, participaram da audiência Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, Jailson Bittencourt de Andrade, representando a Academia Brasileira de Ciência (ABC), e Roosevelt Tomé Filho, secretário de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social.
De acordo com Defourny, o relatório apresenta análises extensas sobre a evolução da ciência e tecnologia por regiões no mundo e destaca alguns países que apresentam características de evolução de políticas ou de investimentos que podem se tornar exemplares no contexto global.
“O relatório mostra que, ao lado da clássica tríade que sempre se destaca na ciência e tecnologia – Estados Unidos, Japão e União Europeia –, há a crescente importância de países emergentes como a Coreia do Sul, a India e a China. E também o Brasil, que aparece ainda de forma modesta, mas com um papel que lhe permite crescer e avançar”, disse Defourny à Agência FAPESP.
Segundo ele, no caso do Brasil, os números indicam grande evolução recente no setor, mas uma relativa estagnação nos últimos anos. “O país desenvolveu uma base acadêmica competitiva em ciências, mas há ainda uma série de desafios. A taxa de crescimento no número de doutores, por exemplo, foi de 15% ao ano por muito tempo. Nos últimos três anos, o crescimento continuou, mas foi de apenas 5% por ano. É um sinal de estagnação. Será uma tarefa do novo governo federal olhar para esses dados de forma muito detalhada”, afirmou.
Um dos problemas diagnosticados pelo relatório no país é a falta de investimento no setor por parte do governo e, especialmente, das empresas privadas. “A pesquisa e desenvolvimento na indústria precisa receber uma atenção maior até mesmo do que a pesquisa acadêmica”, disse.
O relatório indica que o investimento em ciência no Brasil deriva principalmente do setor público: 55%. O país está abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na relação entre o investimento bruto em pesquisa e desenvolvimento (GERD, em inglês) e o produto interno bruto (PIB) do país.
Para alcançar a média da OCDE de financiamento público à pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Brasil precisaria investir um adicional de R$ 3,3 bilhões ao ano, montante que corresponde a três vezes o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Nos gastos empresariais com P&D, a média dos países membros da OCDE é o triplo da encontrada no Brasil. Para igualar esse patamar, seria preciso aumentar os gastos privados no setor de US$ 9,95 bilhões ao ano para US$ 33 bilhões.
O desafio, de acordo com o capítulo produzido por Brito Cruz e Chaimovich, pede instrumentos de políticas públicas muito mais efetivos que os empregados até agora pelo Estado Brasileiro. Segundo Brito Cruz, além de reiterar a grande desigualdade regional na produção de ciências no Brasil, o relatório destacou a necessidade de uma melhor articulação entre as iniciativas federais e estaduais.
“Uma articulação entre políticas federais e estaduais não se resume a transferir recursos da União para os estados. É essencial, por exemplo, que os estados participem diretamente da produção de indicadores de ciência e tecnologia. Precisamos de uma política nacional de ciência, tecnologia e inovação, e não de uma política federal desconectada dos estados”, disse à Agência FAPESP.
O relatório da Unesco revela um mapa no qual é possível comparar, periodicamente, o desempenho das várias regiões do mundo em ciência e tecnologia e avaliar suas políticas. Trata-se de um exemplo de como o Brasil deveria mapear o desempenho em suas regiões, de acordo com Brito Cruz.
“São Paulo tem feito isso, mas não temos os dados do Brasil para diagnosticar o que ocorre nos vários estados, para fazer comparações e para pensar em soluções integradas. Sem isso, fazemos um voo cego. A Unesco está dando um ótimo exemplo”, disse.
Menos cientistas em empresas
Entre as principais preocupações manifestadas por Brito Cruz em relação aos diagnósticos incluídos no relatório está o fato de a mais recente Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ter mostrado que o número de pesquisadores que trabalham em empresas no Brasil diminuiu entre 2005 e 2008.
“Isso é algo que deve nos preocupar muito, porque toda a estratégia e as políticas são feitas para levar mais pesquisadores para a empresa e esse número nem sequer ficou constante: diminuiu em 10% no período. É um problema que precisa ser bem entendido. Precisamos ter esses indicadores com frequência para podermos realimentar as políticas públicas”, destacou. O número de pesquisadores em empresas era de 35 mil em 2000, passou a 40 mil em 2003, 50 mil em 2005 e caiu para 45 mil em 2008.
Para Brito Cruz, houve evoluções importantes no setor no Brasil, mas não basta observar que os indicadores de resultados estão crescendo. “É preciso saber se estão crescendo em relação ao resto do mundo, com quem o país compete”, afirmou.
“A Coreia do Sul edita esse tipo de dados a cada três meses. No Brasil, depois de três anos descobrimos que há menos pesquisadores em empresas. Com tantas políticas, como isso está acontecendo? É preciso entender. Foi identificado o problema e pode haver uma explicação, mas não sabemos qual é. Trata-se de um alerta para nos perguntarmos que resultados essas políticas estão trazendo”, disse.
Outra preocupação, segundo Brito Cruz, é que, apesar da necessidade de formar mais recursos humanos, nas universidades federais o número de concluintes deixou de crescer desde 2004.
“Em 2008 houve menos concluintes do que em 2004. As federais têm uma importante qualidade acadêmica no Brasil, ainda que com heterogeneidade. Precisamos recuperar o crescimento desse sistema”, disse.
Mais informações: www.unesco.org/pt/brasilia